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Obras paradas e investimentos em queda

Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro

Embora a taxa de investimentos na economia tenha crescido em 2021 em relação ao ano anterior – passou de 16,61% para 19,17% do PIB – os investimentos públicos estão em níveis extremamente baixos. No ano passado, os investimentos do governo foram de 2,05% do PIB, segunda menor taxa da série história observada em 2017, quando atingiu 1,94% do PIB, segundo o Observatório de Política Fiscal do FGV IBRE, que reconstruiu a série histórica desde 1947. Esses investimentos incluem o governo central, estados, municípios e as estatais federais. Boa parte desse desastre foi capitaneada pelas empresas estatais, que tiveram o menor nível de investimentos desde o início da série: 0,66% em relação ao PIB.

Ou seja: o aumento dos investimentos no ano passado na economia foi feito pela iniciativa privada. Isso se deve a aumento da rentabilidade das empresas, mesmo com baixo crescimento econômico. Em média, os investimentos privados cresceram, em termos reais, algo ao redor de 3% nos últimos quatro anos.

Investimento público
(% do PIB)


Fonte: Observatório de Política Fiscal.

 

Investimento empresas estatais
(% do PIB)


Fonte: Observatório de Política Fiscal.

 

Formação bruta de capital fixo
(% do PIB)


Fonte: Observatório de Política Fiscal.

Levantamento da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) mostra que, até abril, pelo menos 6.932 obras estavam paradas no país, cujos trabalhos foram iniciados entre 2012 e 2021, somando investimentos da ordem de R$ 9,32 bilhões. São esqueletos de escolas, unidades de saúde, pavimentação de estradas, iluminação pública, canalização de esgotos, num grande desperdício do dinheiro público devido à falta de planejamento, má gestão e regras complexas para que as obras fossem continuadas.

Com a economia com um crescimento pífio nos últimos anos – a previsão para este ano é de uma expansão de 0,6% segundo o Boletim Macro FGV IBRE –, os baixos níveis de investimentos públicos são uma poderosa trava para o crescimento econômico. Nos últimos quarenta anos, a renda per-capita do país não cresceu mais do que 0,7%, em média.

Cobertura de internet móvel impecável. Estradas que são um tapete. Rios despoluídos. Esse grupo de imagens agradáveis, que provavelmente você programaria em sua cidade ideal, dependem de um nível de investimento em infraestrutura que o Brasil não tem sido capaz de honrar há várias décadas. O país, que nos anos 1980 chegou a acumular um estoque de infraestrutura de 60% do PIB, hoje registra quase metade desse valor, segundo a Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústrias de Base (ABDIB). E o resultado, além de um cenário de bem-estar social distante do descrito acima, tem perdido competitividade, produtividade, além de uma alavanca poderosa para dinamizar a própria atividade econômica, como retrata a matéria de capa da Conjuntura Econômica de março.

Enquanto bilhões de reais estão enterrados em obras não acabadas, neste ano eleitoral há uma generosa distribuição de verbas a parlamentares, como forma do governo manter a sua base de apoio, deixando uma bomba de efeito retardado armada para o próximo ano na já complexa questão fiscal.

O processo orçamentário e a gestão das finanças do governo federal apresentaram muitos avanços ao longo das últimas quatro décadas. Desde a criação da Secretaria do Tesouro Nacional até a disponibilização de dados detalhados e de qualidade, passando pela formação de equipes qualificadas no Executivo e no Legislativo, o Brasil criou ferramentas suficientes para uma gestão fiscal transparente. Foram ganhos institucionais relevantes, já que um processo orçamentário em que a sociedade se veja representada, respeitada e informada, é um fator de fortalecimento da democracia.

Em artigo publicado na edição de setembro de 2021 da Conjuntura Econômica, Paulo Hartung, Marcos Mendes e Fábio Giambiagi mostraram que, apesar desses avanços, desde meados da década passada vem ocorrendo retrocessos. “Eles se inserem dentro do problema, já muito conhecido da literatura sobre finanças públicas, de ‘captura do Orçamento’, no qual há muito tempo registram-se práticas diversas com essa finalidade. Elas vão desde os privilégios de algumas corporações, até algumas renúncias tributárias de escassa fundamentação técnica. (...) Nesse processo, ganharam espaço as prioridades eleitorais e paroquiais dos congressistas, em detrimento das políticas de interesse coletivo, pulverizando-se os recursos”, afirmam os autores.

Com isso, foram criadas dotações genéricas, que são distribuídas de forma pouco transparente entre os parlamentares da coalização política dos dirigentes do Congresso, o que torna difícil acompanhar quem indicou qual despesa. É o chamado “orçamento secreto”.

Hartung, Mendes e Giambiagi mostram que dos quase R$ 34 bilhões das emendas previstas no Orçamento de 2021, nada menos do que 50% ficaram nas mãos do relator. “Isso configura um enorme poder discricionário, na mão de um grupo muito reduzido de parlamentares, representando uma certa “casta” que se cristaliza com esse expediente, o que não é do interesse público e nem da totalidade dos parlamentares”. Além disso, nada menos do que 51% dos recursos destinados a investimentos são de emendas parlamentares, o que pode explicar boa parte do quadro de abandono em que se encontram a maioria das obras públicas.

​Despesas com emendas parlamentares por categoria
(R$ bilhões e participação % no total)


Fonte: Siga Brasil.

Enquanto os investimentos públicos encolhem e há milhares de obras paradas, a distribuição de verbas “secretas” continua impossibilitando uma gestão mais eficiente do dinheiro público.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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