Em Foco
-
Postado por Conjuntura Econômica
Os motoristas da Uber
Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro
Nos últimos doze meses terminados em setembro, a inflação, medida pelo IPCA, subiu 10,25%. Nada menos do que 30% dessa alta resulta do aumento nos preços de quatro combustíveis: a gasolina, o etanol, o óleo diesel e o gás veicular ficaram 42,02% mais caros. Taxa que ficará ainda mais pesada com o recente aumento da gasolina de 7,2% nas refinarias. Estima-se que cerca da metade desse reajuste acabará chegando às bombas dos postos. Ou seja: o peso da gasolina no bolso dos consumidores não vai dar trégua tão breve. Se a isso somarmos a energia elétrica e o gás de botijão, o peso na inflação sobe para 47%.
A disparada dos combustíveis
(Últimos doze meses terminados em set/2021)
Fonte: IBGE.
Como escrevi recentemente nesse espaço (A volta da velha senhora), a escalada dos preços dos combustíveis e da energia elétrica já se espalhou para a economia como um todo. E já afeta de forma perversa um dos segmentos que funcionava como válvula de escape para milhares de pessoas que, de uma hora para outra, ficaram desempregadas devido à pandemia. Muitas com nível de escolaridade acima da média da maioria da população brasileira: os motoristas da Uber.
Em 2014, com o Brasil sediando a Copa do Mundo de Futebol, a Uber desembarcou no país, inicialmente em São Paulo e no Rio de Janeiro, oferecendo o que se denominou de Uber Black. O aplicativo rapidamente se espalhou por outras cidades e capitais. Com o aumento do desemprego, tornar-se motorista virou uma forma de ter uma renda, ainda que menor. Novos carros, mais populares e com preços mais acessíveis, foram incorporados à frota. Criou-se um serviço de entregas e outras opções. Virou um sucesso tão grande, com preços acessíveis, que levou muita gente a vender seu carro e passar a andar de Uber. Ficava mais barato. O táxi tradicional, mais caro, pois paga uma série de impostos, perdeu espaço, levando a disputas sobre a legalidade da forma de atuação da Uber no país.
Hoje a Uber está presente em mais de 65 países e faz, em média, 65 milhões de viagens por dia. No Brasil, está em mais de 100 cidades, com mais de 75 milhões de usuários cadastrados. Pela sua trajetória, surgiram novas empresas do gênero para fazer concorrência e, consequentemente, dar mais oportunidades de escolha. Mas a Uber lidera com folga esse mercado.
Embora as informações sobre a Uber sejam recheadas de um manto de mistério, estima-se que cerca de 1 milhão de pessoas estejam cadastradas como motoristas no aplicativo. É o segundo mercado dessa plataforma no mundo, perdendo apenas para os Estados Unidos. A espanhola Cabify entrou no Brasil onde operou por cerca de cinco anos. Em junho deste ano, arrumou as malas e desativou suas atividades, alegando os impactos que a pandemia trouxe sobre seu modelo de negócio. O aplicativo operava em São Paulo – na capital, em Campinas e Santos –, no Rio de Janeiro, em Belo Horizonte, Brasília, Curitiba, e Porto Alegre. Em 2017 ela comprou a Easy Taxi, outro aplicativo. Provavelmente, a Cabify não conseguiu ganhar fatias de mercado, dada a liderança da Uber. Ela continua operando em outras cidades do exterior.
Embora não existam números precisos, é verdade que a pandemia impactou muito os aplicativos de transporte. A Uber e a 99, aplicativo criado depois da chegada da líder de mercado, tiveram perdas financeiras superiores a 70% no auge da pandemia.
Mas um novo ingrediente pode começar a impactar esse modelo de negócios. Com a disparada dos preços dos combustíveis, a situação mudou de forma dramática. Hoje, já há grande dificuldade em se chamar um Uber que chegue com rapidez. São comuns os cancelamentos de viagens. Em cidades menores, o quadro é pior ainda. Não está mais compensando trabalhar oito a dez horas por dia para ganhar uns trocados, como me disse um motorista esta semana, em São Sebastião, no litoral paulista.
Depois de esperar por mais de 20 minutos sua chegada – outro havia cancelado depois de cinco minutos do pedido –, mostrou, depois de rodar por uns 500 metros, cinco carros que usam o aplicativo estacionados.
“Eles receberam sua chamada. Mas a corrida não compensa. Ficam aguardando algo que possibilite um ganho maior, já que temos que pagar 50% de cada corrida para a empresa. E, com o preço dos combustíveis, se não houver uma mudança de política, não terá mais gente trabalhando para a Uber. Eu, como não tenho ainda nenhuma opção, vou esperar mais um mês. Se nada mudar, vou procurar outra coisa”, contou.
A chegada da Uber ao país também levou, com a sua consolidação no mercado, muita gente a vender seu carro e a utilizar o aplicativo para se locomover. Feitas as contas na ponta do lápis, ficava mais barato do que arcar com a manutenção do carro, licenciamento, eventuais multas. Embora os preços das corridas ainda sejam atraentes, já há uma escassez de veículos à disposição.
E comprar um automóvel agora está proibitivo, dada a falta de componentes. Há filas para compra de carros novos e os usados se valorizaram.
No último domingo, depois de uma longa caminhada de mais de 10 quilômetros, com o tempo ruim, com uma chuva fina, resolvemos chamar um Uber. Estávamos em Camburi, no litoral paulista, e íamos para Barra do Sahy. Conseguimos carro, depois de uma espera de uns 15 minutos. Ao entrarmos, o jovem motorista pediu desculpas e disse não conhecer a região, pois era de Ubatuba, a mais de 125 quilômetros de distância de onde estávamos.
Evidentemente se perdeu, pois o aplicativo o jogou em uma rua sem saída. Conversando, mostramos o caminho de volta. No percurso, perguntei qual a razão de estar em um lugar tão distante. Sua resposta:
“Fui pegando chamadas. Preciso recuperar o dinheiro gasto com combustível. Só que as coisas estão ficando cada dia pior. O aumento dos combustíveis está matando o meu ganha-pão. Só que não tenho opção. Vou continuar batalhando.” Não devia ter mais que 30 anos de idade.
André Braz, pesquisador do FGV IBRE e coordenador da área de preços do Instituto, diz que o etanol, que subiu 64,77% nos últimos 12 meses encerrados em setembro, segundo o IBGE, “também é usado na frota de veículos a gás que deve ser movida a outro combustível e, em geral, o escolhido é o etanol. E isso é Uber na cabeça: etanol com gás veicular”. Nas grandes cidades, a maioria dos veículos que utilizam o aplicativo usa gás veicular.
É uma legião imensa de pessoas que podem ficar sem nenhum sustento. Com a economia não reagindo, não há criação de novas oportunidade de emprego. E as perspectivas não são nada animadoras. Segundo previsões da equipe do Boletim Macro IBRE, a atividade econômica não deve apresentar bons resultados, mesmo com o avanço da vacinação. Para o ano que vem, as previsões são de um crescimento de 1,5% – há quem já sinalize crescimento menor do que 1%. Este ano, a previsão é que haja um crescimento de 4,9%.
Conforme a Carta do IBRE publicada na edição deste mês da Conjuntura Econômica “a volta da taxa de desemprego para o padrão anterior ao difícil período iniciado em 2015 pode levar alguns anos, mesmo em cenários de crescimento econômico bastante otimistas. A queda da taxa de desemprego para níveis próximos da média entre 1995 e 2019, de 9,7%, depende de uma aceleração muito forte da economia brasileira em relação ao padrão de crescimento recente. Estimativas da equipe do Boletim Macro do FGV IBRE mostram que, para que a taxa de desemprego caia para 9,8%, seria necessário um crescimento anual de 3,5% entre 2023 e 2026, ritmo difícil de imaginar dado o pobre desempenho recente. De forma mais precisa, um ritmo de crescimento de 1,5% ao ano reduziria a taxa de desemprego (com ajuste sazonal) para 11,6% em 2026; de 2,5%, para 10,8%; e de 3,5%, para 9,8%”.
É muito tempo. E a necessidade de crescimento robusto, por vários anos, bem acima do que estamos vivendo já faz tempo.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.