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Postado por Conjuntura Econômica
Redução de jornada: quem seria mais afetado?
Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro
O mercado de trabalho tem sofrido profundas mudanças mundo afora. O avanço de novas tecnologias, como a Inteligência Artificial (IA), o crescente uso de robôs em linhas de produção e a pandemia da Covid-19, que abriu espaço para o trabalho virtual, são algumas delas. Uma outra discussão vem ganhando importância, a da redução da jornada semanal de trabalho para quatro dias. Em alguns países experiências já vêm sendo feitas sem, ainda, resultados muito concretos, já que estão restritas a uma pequena parcela do mercado de trabalho como um todo.
Esse debate, o da mudança da escala de 6 dias trabalhados por um de descanso, já tem propostas de emenda constitucional (PECs) no Congresso Nacional para alteração da Constituição em favor da redução das horas trabalhadas semanalmente. Há dois lados dessa discussão. Quem defende a redução da jornada de trabalho diz que isso ajudaria a reduzir a exaustão física e mental, além de aumentar a qualidade de vida dos trabalhadores. Com mais tempo livre, essas pessoas poderiam dedicar-se à família, ao lazer, à prática de esportes ou aos estudos, o que poderia até mesmo resultar em ganhos de produtividade. Do outro lado, quem critica a medida chama a atenção quanto aos possíveis impactos negativos sobre o emprego e inflação dado o aumento nos custos operacionais que isso acarretaria para as empresas e a economia como um todo.
Bruno Ottoni, no próximo artigo que será publicado na Conjuntura Econômica de janeiro, com base em uma série de dados, faz uma avaliação dos impactos de uma possível mudança na jornada de trabalho sobre o mercado de trabalho.
• Entre o primeiro trimestre de 2012 e o terceiro trimestre de 2024, houve um crescimento acelerado do trabalho na jornada de 44 horas semanais, caindo durante a crise de crise de 2015, mas voltando a aumentar durante a pandemia do Coronavírus em 2020. No segundo trimestre de 2018, alcançou 48,6%, o maior valor da série histórica. Já no dado mais recente da série, o terceiro trimestre de 2024, o valor foi de 46,1%, demonstrando que o percentual de pessoas trabalhando 44 horas semanais permanece em patamar elevado.
Evolução da parcela de trabalhadores com carteira assinada que trabalham 44 horas semanais no emprego principal (2012-2024)
Fonte: PNAD Contínua Trimestral – IBGE. Elaboração própria.
• Por recortes da população, no terceiro trimestre de 2024 havia 41,8 milhões de trabalhadores com carteira assinada. Desses, 19,3 milhões (46,1%) trabalhavam habitualmente 44 horas por semana no emprego principal. Entre os homens, 48,6% estavam ocupados nesses postos, contra 42,8% para mulheres. Entre os negros o valor era de 47,7%, 3,5 pontos percentuais a mais que entre os brancos. Com relação aos mais escolarizados (superior completo ou mais) apenas 33,9% destes indivíduos trabalhavam 44 horas por semana, enquanto entre os menos escolarizados (médio incompleto ou menos) este percentual chegava a quase 50%, semelhante ao observado entre os mais jovens (de 24 anos ou menos). As jornadas mais longas também parecem estar associadas aos menores salários, 50,4% daqueles que ganhavam entre 1 a 2 salários mínimos cumpriam jornadas semanais de 44 horas.
• Entre os setores de atividade, o comércio, a agropecuária e a indústria registraram as maiores proporções de trabalhadores em jornadas longas, com 60,7%, 54,5% e 49,3%, respectivamente. Isso sugere que esses setores seriam mais vulneráveis a um aumento nos custos operacionais em uma eventual alteração na norma constitucional que reduza a jornada de trabalho. O setor que mais emprega é o de serviços (aproximadamente 19,2 milhões de indivíduos). Nele, cerca de 37,6% dos trabalhadores ocupam vagas de 44 horas semanais (aproximadamente 7,2 milhões de profissionais).
Com base em seu trabalho, Ottoni conclui que “as crises recentes que afetaram o mercado de trabalho brasileiro foram marcadas por um aumento no número de trabalhadores com jornadas de 44 horas semanais. Mesmo com a recuperação econômica, o patamar segue alto. Isso revela que o número de trabalhadores que seria diretamente afetado pela PEC pode superar os 19 milhões. Além disso, esses indivíduos possuem perfil vulnerável, sendo na maioria das vezes negros, com média ou pouca escolaridade, mais jovens e com rendimentos entre 1 e 2 salários-mínimos”.
Trabalhadores com carteira assinada que trabalham 44 horas semanais no emprego principal, no terceiro trimestre de 2024, por variados recortes.
Fonte: PNAD Contínua Trimestral – IBGE. Elaboração: Própria.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.