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Como enfrentar as emergências climáticas sem descuidar da responsabilidade fiscal

Por Claudio Conceição e Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Das enchentes que devastaram diversas cidades no Rio Grande do Sul no segundo trimestre deste ano às recentes queimadas que deixaram seus vestígios em 80% do Brasil, em forma de fumaça, os exemplos da vulnerabilidade brasileira diante das mudanças climáticas se tornam cada vez mais intensos.

Em artigo para a revista Conjuntura Econômica de outubro, que sairá nos próximos dias, Vilma da Conceição Pinto, diretora da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, e Juliana Damasceno, assessora especial do Ministério do Planejamento, destacam a importância de preparar o governo para dar uma resposta coordenada e eficiente ao desafio de lidar com as emergências ambientais já contratadas – o que passa, entre diversas áreas, também pelas regras fiscais.   

No artigo, as economistas lembram que o novo arcabouço fiscal e a meta de resultado primário “incluem cláusulas de escape que permitem a flexibilização de gastos além dos limites em situações excepcionais, como calamidades decorrentes de desastres naturais e pandemias”. Mas defendem a necessidade de se revisar se estas são suficientes para “cobrir a amplitude e a frequência crescente desses eventos”, identificar quais critérios seriam os mais adequados para melhor definir excepcionalidades, e, entre outras questões, se, “mais do que permitir a suspensão temporária dos limites fiscais, essas regras oferecem um caminho claro e eficiente para o retorno à normalidade fiscal após o choque”.

Como ponto de partida para essa análise, Vilma e Juliana trazem algumas observações presentes na literatura internacional. A primeira é de que “restrições eficazes precisam equilibrar três características fundamentais: flexibilidade, aplicabilidade e simplicidade”, ainda que se reconheçam trade-offs entre essas características. Elas lembram que:

“No Brasil, o regime de regras fiscais passou por reforma com melhorias em relação à regra anterior no que diz respeito a algumas dessas características. Destaca-se, nesse caso, a flexibilização do congelamento ao permitir o crescimento real das despesas, respeitadas as condições de: uma trava de 70% da variação real das receitas nos 12 meses anteriores, além de um intervalo fixo de no mínimo 0,6% e no máximo 2,5%.”

No caso de encaminhamentos orçamentários para enfrentar emergências climáticas, Vilma e Juliana destacam a importância de como são desenhadas as cláusulas de escape responsáveis por calibrar condições e contrapartidas, de forma a permitir uma resposta rápida do governo a esses choques, mas ao mesmo tempo possibilidade um retorno sustentável à regra, “prezando pelo equilíbrio intertemporal das finanças públicas”.

No caso brasileiro, Vilma e Juliana descrevem que:

“O Regime Fiscal Sustentável exclui da regra a totalidade dos créditos extraordinários (Art. 3°, § 2º, Inciso II da LC 200). Já a LRF traz exceções apenas para o caso de situações de calamidade pública (Art. 65 da LRF), de modo que a abertura de créditos extraordinários para atendimento de outras emergências deve estar contemplada na apuração da meta de resultado primário. A definição dos créditos extraordinários indica que quanto maior o volume de créditos abertos, mas não contemplados no planejamento orçamentário, menor será o espaço fiscal para as despesas não obrigatórias que foram previstas no orçamento. Assim, este deve ser um recurso a ser utilizado com cautela e em situações em que não seja possível antever na ocasião da elaboração da peça orçamentária.”

Elas lembram, entretanto, que além das regras do Regime Fiscal Sustentável e da Lei de Responsabilidade Fiscal, emergências climáticas podem suscitar medidas adicionais por parte do Judiciário e Legislativo. Evitar abusos nesse manejo, lembram é fundamental. Por isso, defendem a importância de se perseguir alguma previsibilidade e adequação orçamentária desses riscos, indicando que lançar mão apenas de soluções reativas fora do orçamento não é uma alternativa fiscalmente sustentável.

“O regime orçamentário brasileiro já prevê a reserva de recursos no orçamento sem uma destinação específica. As chamadas ´Reservas de Contingência’ são definidas como reserva de recursos globais, que podem ter natureza primária ou financeira, e que servem para atendimento de contingências fiscais e outras necessidades específicas”, destacam, lembrando que esse tipo de alocação “permite uma melhora no processo de planejamento orçamentário e reduz eventuais pressões durante a execução das despesas não obrigatórias.” 

Para além da evitável perda de vidas, o preço de socorrer é maior do que o de preparar, ressaltam as economistas, reforçando que “endereçar a resiliência e a estabilidade do país em um horizonte cada vez mais curto passa por tornar o arcabouço fiscal brasileiro também mais resiliente aos impactos das mudanças climáticas, sem sacrificar sua disciplina fiscal”.

Leia a íntegra do artigo.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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