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A hora do Nordeste está chegando?

Por Claudio Conceição, de Fortaleza

O Ceará, 12º PIB brasileiro, está engajado em uma grande aposta: as energias renováveis. Por suas características, o Estado reúne as condições necessárias para captação do vento e do sol, transformando-os em energia renovável.

Hoje o Estado já gera cerca de 47% de sua energia por fonte eólica, com 100 parques. Na gaveta, estão outros 26 projetos offshore (no mar), que aguardam licenciamento. Outros 22% da energia gerada no Ceará vem de parques solares: são 35 empreendimentos e há mais de 400 em construção. Ainda há termelétricas, que usam combustíveis fósseis, que representam algo ao redor dos 32%.

Mas uma outra grande aposta começa a ganhar musculatura há 50 quilômetros de Fortaleza, capital do estado. Mais especificamente, no Complexo do Porto de Pecém, onde um dos assuntos principais é o hidrogênio verde. Em agosto, foi assinado memorando de entendimento entre as empresas Vestas e Coema para a implantação de uma terceira planta de hidrogênio verde. O presidente Lula esteve no Porto, onde foi sacramentado o Marco Legal do Hidrogênio Verde.

Há uma grande euforia com as possibilidades de se gerar hidrogênio verde, exportando-o para a Europa, especificamente para o porto de Roterdã, na Holanda, um dos mais importantes do mundo, que controla 30% do Porto de Pecém. A Europa, com a guerra entre Rússia e Ucrânia, teve o fornecimento de gás interrompido. A Alemanha teve que buscar alternativas para sair da desconfortável dependência russa. E uma das apostas é o hidrogênio verde. A entrada dos holandeses na administração do porto alterou a gestão que ganhou mais eficiência, com ganhos de produtividade com o passar dos tempos. E abriu caminho para que o hidrogênio verde que será produzido aqui vá até Roterdã para ser distribuído na Europa, especificamente na Alemanha.

O Porto de Pecém, localizado no Distrito de Pecém, em São Gonçalo do Amarante, foi inaugurado em 2002 para servir como ponte exportadora de produtos siderúrgicos. Só que a siderúrgica que deveria lá se instalar na Zona de Processamento de Exportação (ZPE) , não chegou. Porto pronto, não tinha o que exportar.


Porto de Pecém.

A solução foi começar a buscar alternativas: o porto passou a exportar quase tudo que era possível. Grãos, produtos industrializados, alimentos, produtos siderúrgicos de outros estados. E receber produtos de outros países. Com o tempo, se transformou em um importante elo de ligação do Brasil com o exterior. Hoje é responsável por mais de 50% das exportações do Ceará. Só não exporta flores e carga viva.

Em 2008 as coisas ganharam novo fôlego com a inauguração da Companhia Siderúrgica do Pecém (CSP), que foi o empreendimento âncora do Complexo Industrial e Portuário do Pecém (CIPP), dentro da primeira ZPE do país. Hoje a siderúrgica já é responsável por cerca de 9% da produção de aço do país, exportando para mais de 24 países chapas e placas de aço para a indústria naval, automobilística e construção civil, entre outros. Recebe, também, produtos siderúrgicos de outros estados brasileiros que são enviados à Europa, China e demais países. Além de ser um dos destinos de produtos que vem lá de fora, especialmente da China.

Quinze anos após sua inauguração, em 2023, os grupos sul-coreanos Dongkuk e Posco, e a Vale, venderam a siderúrgica para a ArcelorMittal por US$ 2,2 bilhões.

A inauguração do porto e, depois, da siderúrgica, teve forte impacto em São Gonçalo do Amarante. Pousadas, comércio em geral, restaurantes, serviços médicos, dentistas, começaram a se instalar no município para atender o crescente aumento da população. O PIB começou a subir e ter maior importância dentro do Ceará.

Segundo levantamento dos pesquisadores Isadora Osterno, Thiago Freitas e Flavio Ataliba, do Centro de Estudos para o Desenvolvimento do Nordeste do FGV IBRE, em 2002, quando o Porto do Pecém foi inaugurado, a participação de São Gonçalo do Amarante no PIB do Ceará era de 0,22%. Foi avançando ao longo dos anos, ganhando maior impulso quando, em 2008, começou a funcionar a siderúrgica. Em 2021, o PIB local já representava 4,41% do PIB cearense. Houve um grande salto em relação a 2020. A explicação seria a melhoria na qualidade do aço que vem sendo produzido, agregando maior valor ao produto, além de uma diversificação da produção para outros setores.

A maior fatia do Valor Adicionado do município vem da indústria, com 74,3% – a grande maioria instalada na ZPE do Porto de Pecém – seguindo serviços, com (20,6%), a administração pública (4,4%) e a agropecuária (0,7%).

PIB de São Gonçalo do Amarante (Mil Reais)


Fonte: IBGE e Centro de Estudos para o Desenvolvimento do Nordeste – FGV IBRE.

 

Participação no PIB do Ceará (%)
São Gonçalo do Amarante


Fonte: IBGE e Centro de Estudos para o Desenvolvimento do Nordeste – FGV IBRE.

Apesar desse avanço, o município ainda tem problemas que o aumento das receitas não resolveu, ou o dinheiro não foi bem aplicado. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), conforme pesquisa feita pelo Centro do Nordeste, mostra que “dentre os 184 municípios do Ceará, São Gonçalo ocupa a 13ª posição, com o IDH de 0,665. Este índice reflete um nível moderado de desenvolvimento humano, sugerindo que o município apresenta desafios nas áreas de educação, saúde e renda em comparação com os municípios mais bem-posicionados, como Fortaleza e Sobral”. Mas não há dúvidas de que o porto e a siderúrgica melhoraram o IDH local, com a maior arrecadação de impostos.

Com a expansão do município, onde o salário médio de empregos formais era de 3,5 salários mínimos em 2020, segundo o IBGE, o comércio cresceu, atraindo gente de todos os lugares, expandindo a população. Isso deu maior impulso à atividade econômica local. Entre 2002, época da inauguração do Porto, até 2022, segundo o Censo do IBGE, a população local aumentou 46%, passando de 36.938 habitantes para 54.143, um aumento de 46,6%.

Estimativa da população de São Gonçalo do Amarante


Fonte: IBGE.

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No último dia 23 de agosto, fui conhecer o Complexo de Pecém – a revista Conjuntura Econômica de setembro trará reportagem sobre o que está se fazendo por lá. Depois de entrevistar o presidente do Complexo, o Hugo  Figueirêdo e dar uma volta pelas instalações do Complexo, nos levaram para almoçar.

Como não conhecia nada por lá, estava meio perdido. Pegamos uma estrada e a sensação era de que estávamos já há algum tempo dentro do carro, e o restaurante não chegava nunca. Depois de um tempo, seta para a direita: olhei e tinha um restaurante de beira de estrada, cheio de carros estacionados. Lugar simples, com mesas grandes e muita gente com macacões de empresas almoçando. Duas mesas antes da nossa, um grupo de policiais, com coletes a prova de balas, também almoçava.

Sentamos, pedimos água, refrigerantes. E, de repente, chega o prato: uma travessa de alumínio enorme, atulhada de enormes camarões fritos, empanados na farinha de pão, super-crocantes. Uma variedade enorme de legumes. E a atração principal: postas de um peixe que chamam de Galo do Alto, que vive em águas profundas, de uns 15 metros, e chega a pesar 15 quilos. É uma verdadeira iguaria. Quando frito, fica crocante por fora, molhado por dentro, no ponto ideal. Nunca havia comido peixe igual, tão saboroso. Mas quem foi que fez essa maravilha, pensei?

No final do almoço, chamaram o responsável pela cozinha do lugar. E chega o seu Martins, que é o dono e leva o nome do restaurante. Jornalista é um bicho curioso. Quis saber detalhes do peixe. Ele é pescado por jangadeiros, no anzol, especialmente à noite, me disse seu Martins. Não é fácil de achar.

“Os jangadeiros descobriram um navio afundado aqui perto. Parece que uma vez por mês, grupos de Galo Alto vão para lá, não se sabe a razão. E aí os jangadeiros fazem a festa. Comprei cinco que estão no congelador”, explica seu Martins.

Continuei perguntando como ele montou o restaurante, há quanto tempo estava lá, se só ele cozinhava. Um verdadeiro chato. E a história que me contou, fascinou.

Seu Martins trabalhou muitos anos no Rio de Janeiro. Na cozinha de grandes hotéis, como o antigo Intercontinental, o Cesar Park, onde aprendeu o ofício. Fez cursos e se tornou um verdadeiro chefe. Adorava ir jogar bola com os amigos no Aterro do Flamengo. E diz que o Rio é a melhor cidade do mundo para se viver.

Mas teve que voltar para Fortaleza, transferido para o Cesar Park, hoje Gran Marquise, um cinco estrelas na capital cearense. Saiu quando a cozinha foi terceirizada, segundo ele. E ao receber dinheiro de uma dívida, montou o restaurante que está sempre apinhado de gente. Em sua maioria simples, trabalhadores das usinas e empresas que fazem parte do cinturão do Complexo de Pecém.

Sobrou muita comida, já que a quantidade de camarões e Peixe Galo era enorme. Quentinha feita para ser levada para alguns funcionários do Porto.

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Mas voltando ao Porto, a administração está empenhada agora na sua maior aposta:  expandir um de seus dez berços – onde os navios atracam – para ser um hub de exportação de hidrogênio verde. Já há mais de 40 propostas para empresas se instalarem na ZPE para a produção de hidrogênio – seis já assinaram memorando de entendimento para início dos estudos de viabilidade econômica. Os investimentos somam cerca de US$ 30 bilhões.

Projetos de H2V em desenvolvimento no Ceará
Empresas com dimensionamento já anunciados


Fonte: Federação das Indústrias do Ceará; Complexo do Porto de Pecém.

Se irão conseguir gerar toda a energia que os estudos que estão sendo feitos apontam, é outra história. Esforços nesse sentido estão em andamento. A sensação é que a sociedade, ou grande parte dela, acredita que a hora do Ceará chegou. E com isso, irá carregar o Nordeste como um todo. O problema são os obstáculos: há necessidade de subsídios, de reduzir os custos de geração do hidrogênio verde, de montar um sistema logístico eficiente e de custo baixo, buscar mercados, enfrentar a concorrência de outros países, entre outras questões.

Mas a história completa do Complexo Portuário de Pecém e da aposta do Ceará e do Nordeste de que agora, afinal,  sua hora poderia estar chegando, a revista Conjuntura Econômica vai contar em sua edição de setembro. Junto, mostraremos os resultados dos debates do Seminário Nacional Caminhos e Obstáculos para a Universalização do Saneamento Básico, realizado em Fortaleza, no último dia 22, uma realização da Cagece, AESBE, com apoio da Conjuntura Econômica.

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Agradeço ao Arnaldo Santos, pesquisador do Centro de Estudos para o Desenvolvimento do Nordeste do FGV IBRE, a Daniela Telles, da Utilitas Pecem e ao Carlos Alberto Nunes, da Tecer – Terminais Portuários do Ceará – que tornaram possível a visita ao Complexo.

Meus agradecimentos aos pesquisadores Isadora Osterno, Thiago Freitas e Flavio Ataliba, do Centro de Estudos para o Desenvolvimento do Nordeste, que forneceram dados valiosos sobre São Gonçalo do Amarante.

Sem a colaboração acima, esse texto não seria possível.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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