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Postado por Conjuntura Econômica
A segurança pública na agenda eleitoral
Por Claudio Conceção, do Rio de Janeiro
A segurança pública é uma das maiores preocupações dos brasileiros. E não é para menos. Quem anda pelas ruas das grandes cidades sente a insegurança na pele. Há muito medo de ser assaltado. Esse quadro de insegurança tem se espalhado por países que, tempos atrás, não traziam preocupações à população. Recentemente, estive na Grécia e na Itália. A insegurança por lá também cresceu, só que de forma diferente do Brasil: o que se vê, com maior frequência, são furtos de celulares, carteiras e outros pertences. Não é comum assaltos à mão armada. Em Paris, onde ocorre as Olimpíadas, há centenas de relatos de furtos.
Por aqui, uma pesquisa do Atlas-Brasil de maio deste ano mostrou que 59,2% dos brasileiros elegeram a segurança como um dos principais problemas nacionais: é quase o triplo de dois outros itens que lideravam essa lista há bem pouco tempo: a economia e a inflação, que ficaram com 20,8%. E essa preocupação tem crescido. Em janeiro de 2023, quando o presidente Lula assumiu o seu terceiro mandato, era de 47%.
Ao guindarem a segurança pública como um dos principais problemas, os brasileiros afloram a sensação de vulnerabilidade muito aguda em relação a diversos tipos de crime. Levantamento do Suplemento da PNAD Contínua do 4º trimestre do ano passado aponta que 43% mostram um medo constante de serem vítimas de crime, no caso de assalto com violência na rua; 37% no de roubo ou furto de domicílio, 24% no de ser atingido por bala perdida, 20% no de agressão sexual e 17% no de violência policial.
Outro ponto relevante, quando se olha o que está ocorrendo em várias capitais com avanço de milícias, organizações criminosas super bem-estruturadas, como o PCC e o Comando Vermelho(CV), tráfico de drogas, é a falta de capacidade dos governos de lidar com um problema tão grave e que afeta a vida de milhões de brasileiros.
O que se reflete nas pesquisas: “a atuação do governo federal na segurança é mal avaliada pelos brasileiros. Em maio de 2024, segundo a pesquisa Atlas, 53% consideravam o desempenho do governo federal como ruim e péssimo, a pior avaliação entre seis áreas, como meio ambiente, relações internacionais e responsabilidade fiscal e controle de gastos. Já de acordo com pesquisa do IPEC de abril de 2024, 42% consideravam a atuação do governo do presidente Lula na segurança pública como ruim e péssima, número que sobe para 70% quando se inclui os que a apontam como regular”, como menciona a Carta do IBRE da edição de agosto da revista Conjuntura Econômica.
Com esse quadro, “o tema da segurança está mais forte do que nunca na mídia e entre os formadores de opinião, e naturalmente também na política, sendo apontado como questão crucial na arena eleitoral, e com destaque para a disputa para a presidência e os governos estaduais em 2026. Assim, é de esperar que o governo federal intensifique suas ações no setor de segurança, e a grande questão é saber o que fazer. Esta Carta buscará trazer dar algumas pistas sobre essa indagação, mas antes é preciso entender do que efetivamente se trata quando o assunto é a segurança pública no Brasil”.
Antes de entrar nos possíveis caminhos que poderiam ser trilhados para iniciar um processo de melhoraria na segurança pública do país, é bom lembrar que “os grandes problemas de segurança no Brasil são muito variados, e pedem enfoques e soluções diferenciados. Alguns dos temas mais importantes são os assassinatos, roubos (pedestres, veículos, cargas, residências etc.), extorsão, violência policial, violência de gênero e racismo. Outra distinção importante é entre o crime comum e o crime organizado. No caso deste segundo, o Brasil e a América Latina enfrentam um problema crônico de presença de grupos criminais armados, que muitas vezes disputam com o Estado o monopólio da força em vários territórios, como o tráfico e as milícias no Rio de Janeiro e em outras partes do Brasil”.
Alguns dos principais pontos abordados na Carta do IBRE, da qual participaram das discussões Manoel Pires, Carolina Resende, pesquisadores do FGV IBRE, e Joana Monteiro, professora da FGV EBAPE, além de Luiz Schymura, autor do texto final da Carta, e também pesquisador do FGV IBRE:
• O governo Lula tenta responder à angústia da sociedade em relação ao crime e a violência com algumas iniciativas. A ideia é aumentar a presença do governo central no tema, que tradicionalmente é visto – com exceção da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal – como tarefa dos Estados. O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, prepara uma proposta de emenda constitucional (PEC) que considera necessária para dar sólida base legal à ampliação da presença federal na segurança, sem ferir o pacto federativo.
• Manoel Pires, pesquisador associado do FGV IBRE, considera que a PEC proposta é necessária porque forçará – até por razões políticas – o governo federal a efetivamente entrar na área. Essa participação é algo de que diferentes governos federais tradicionalmente se esquivaram, preferindo deixar o problema espinhoso com os Estados, a quem o eleitorado tende a atribuir a responsabilidade pela segurança.
• Uma visão compartilhada por muitos sobre a segurança pública no Brasil é que a presença do governo federal na área deveria evoluir como ocorreu no caso da educação e da saúde, em que o papel de Brasília é de coordenação, consolidação de sistemas de dados, gestão de informação e complementação do financiamento (com viés de equalização entre Estados e municípios, como no caso do Fundeb).
• Carolina Resende, pesquisadora do IBRE, desde 2018 já existe o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), que tem como grande inspiração o Sistema Único de Saúde (SUS), que criou os alicerces para a provisão de saúde pública no Brasil. O problema, como acrescenta a economista Joana Monteiro, professora da FGV EBAPE – é que, na prática, muito pouco foi feito para estruturar a governança da segurança pública no Brasil.
• Em relação ao crime organizado, Monteiro nota que a abordagem dominante no Brasil é de que o enfrentamento aos grupos criminosos é uma “guerra às drogas”. É um enfoque que aposta no uso de força militar, e que tem eficácia muito baixa para reduzir o problema do combate ao crime organizado, acabando por gerar mais violência.
• O controle do crime organizado requer esforço de longo prazo de investigação e não tem fim, nem vencedor – especialmente considerando que esses grupos criminosos se diversificaram muito e não dependem apenas do tráfico internacional de drogas. A pesquisadora diz que é preciso reduzir a capacidade de coerção e o poder militar dos grupos criminosos, cortar o suporte político ao crime organizado e coibir a “governança criminal” – a imposição de regras de conduta, por parte da cúpula do crime organizado, à população dos territórios controlados e a outros criminosos.
• Para os pesquisadores do IBRE que participaram da discussão que deu base à Carta é a de que o Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSS), alimentado por uma fração da arrecadação das loterias federais, seja usado para estimular políticas públicas inovadoras. Com recursos de cerca de R$ 5 bilhões, o FNSS não faz quase nenhuma diferença em nível nacional quando seu emprego é, como vem ocorrendo, para a aquisição de coletes à prova de bala, armas, munições e veículos.
• Recente documento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública faz abrangente e densa análise do crime no Brasil, concluindo com oito recomendações, das quais Monteiro destaca três: 1) ampliar e fortalecer o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf); 2) aprovar no Congresso o projeto de Lei Geral de Segurança de Dados de Interesse da Segurança Pública, com o objetivo de organizar e regular a produção, gestão e compartilhamento de dados e evitar a insegurança jurídica que afete investigações criminais; e 3) promover mudanças constitucionais e legais para racionalizar as bases de dados de segurança das unidades da Federação, para melhorar a qualidade das informações, comparar implementação de políticas nas diferentes UFs e repassar verbas segundo critérios objetivos.
• Essas propostas vão ao encontro da visão de Monteiro de que a segurança pública no Brasil é totalmente desmembrada, e sofre de fortíssima desarticulação e descoordenação de dados e sistemas de informação. A pesquisadora aponta que o principal exemplo no mundo hoje de uso de dados no combate ao crime é o policiamento em “pontos quentes”, mapeados a partir de dados georreferenciados da sua ocorrência. A literatura acadêmica sobre crime confirma a eficácia do policiamento baseado na georreferenciação do crime (especialmente os crimes comuns, de rua, que demandam abordagem distinta daquela a ser empregada contra o crime organizado), incluindo um estudo da própria pesquisadora conduzido em Curitiba. No entanto, os mapas de pontos quentes no Brasil hoje são segmentados, sem nenhum órgão para reunir e organizar esses dados e abri-los a agentes da lei, ao Judiciário e aos Ministérios Públicos de todo o país.
• Prefeituras, que têm o papel de atuar no design urbano – isto é, tornar o espaço das cidades mais seguro com intervenções urbanísticas, muitas vezes pequenas – frequentemente não têm acesso aos dados georreferenciados dos crimes, que não são compartilhados pelos governos estaduais, que comandam as polícias (sobre esse tema, leia matéria da Conjuntura Econômica de fevereiro).
• Mas a dificuldade não se resume a autoridades que não compartilham dados. Há também a questão da falta de padronização das informações entre as 27 unidades da Federação, como definições diferentes de homicídio ou categorização distinta de roubos, o que é um entrave a estatísticas nacionais completas e abrangentes sobre crime no Brasil.
Leia a íntegra da Carta do IBRE de agosto.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.