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Os juros podem voltar a subir?

Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro

Depois que o Banco Central decidiu interromper a trajetória de cortes da Selic, a taxa básica de juros da economia, já se começa a falar de uma possível alta dos juros. Todos se lembram que o mercado de câmbio passou por um grande stress nos últimos dias do primeiro semestre, o que levou o pessoal de mercado a sinalizar que a Selic teria mais quatro altas ainda este ano e mais uma ou duas no começo de 2025.

Se o dólar continuar na faixa dos R$ 5,50, ficará difícil o Banco Central não voltar a subir os juros, acreditam muitos economistas.

O nosso grande problema continua sendo o fiscal. Depois de muito vaivém, o governo anunciou um corte de R$ 15 bilhões no Orçamento deste ano, uma tentativa de cumprir o arcabouço fiscal que prevê zerar o déficit primário em 2024, o que para grande parte dos analistas é praticamente inviável.

Só para termos uma ideia da dificuldade de cumprir essa meta:  a Instituição Fiscal Independente (IFI) – órgão do Senado que acompanha a execução das contas públicas – calcula que o governo precisaria fazer um esforço fiscal de R$ 57,7 bilhões para cumprir a meta de zerar o déficit público em 2024. Ou seja, os R$ 15 bilhões cortados ainda estão muito longe disso.

A história nos mostra que conter as despesas públicas é meio que uma miragem. Ainda mais em época de eleições, como ocorrerá este ano aqui no Brasil. “Toda a estratégia da política econômica baseia-se na expansão dos gastos governamentais. E o chamado arcabouço fiscal nada mais é do que uma demonstração do esforço da área econômica para dar um mínimo de sustentação ao objetivo central do governo, ou seja, gastar mais”, lembra José Júlio Senna, coordenador do Centro de Estudos Monetários do FGV, em sua coluna no Boletim Macro FGV IBRE de julho, já em circulação.

Senna, sinaliza que “ a retomada da expectativa de uma sequência de cortes de juros nos EUA tem trazido uma certa tranquilidade ao nosso mercado de câmbio. Existe a possibilidade, porém, de os juros da fed funds serem reduzidos num ritmo mais lento do que o previsto pelo mercado. Poderemos ter quedas a cada duas reuniões do Fomc” (Comitê Federal de Mercado Aberto que tem como objetivo estabelecer a política monetária do FED, o banco central dos EUA), “por exemplo, e não reduções consecutivas. Nesse caso, o efeito externo sobre o mercado de câmbio tenderá a ser mais modesto, ficando mais difícil compensar os efeitos de eventual frustração com o fiscal, especialmente se esta for expressiva. Pensando nessa possibilidade, talvez caiba imaginar que, nos próximos meses, apesar de baixa, existe uma chance de a Selic voltar a subir”.

Outra questão que não se tem controle é o que pode ocorrer nos Estados Unidos com a desistência de Joe Biden de concorrer a um segundo mandato. Por ora, as pesquisas que vêm sendo divulgadas mostram um empate técnico entre Donald Trump e Kamala Harris, a vice de Biden que, possivelmente, será a candidata democrata na disputa presidencial. Aumento de incerteza pode mexer com os juros, e isso pode ter impactos por aqui.

O que tem se observado nos Estados Unidos é que a trajetória da desinflação, após um segundo semestre de 2023 muito positivo, perdeu força no primeiro trimestre deste ano. Como lembra Samuel Pessôa, pesquisador do FGV IBRE, em sua coluna no Boletim Macro, “se olharmos a inflação acumulada em 12 meses, ela caiu 4,1 pontos percentuais entre fevereiro de 2023 e fevereiro de 2024. De fevereiro de 2024 até hoje, a queda foi de somente 0,3 ponto percentual. De fato, a inflação acumulada no primeiro trimestre de 2024 foi de 1,1%, um pouco maior do que a do primeiro trimestre de 2023, de 1%”.

Tanto Senna como Pessoa, em suas análises para o Boletim Macro, ressaltam que no segundo trimestre o movimento de desinflação retomado nos EUA, abriu espaço à precificação de corte na taxa básica de juros a partir de setembro.

Como se vê, o quadro é complexo. Como diz Senna: “há tempos sabemos ser enorme, frequentemente predominante, a influência de eventos nos mercados financeiros nos EUA sobre os preços de ativos no Brasil. Não há sinais de que será diferente desta vez. A própria queda recente do CDS Brasil tem sido largamente influenciada pelo recuo do CDS dos demais países emergentes, certamente é reflexo dos sinais de afrouxamento da política monetária do Fed”.

Outra questão que é sempre bom lembrar e que gera mais incertezas é a mudança na presidência do Banco Central e de mais dois diretores que terminam seus mandatos no final deste ano. Já se fala na antecipação de saída do atual presidente, Roberto Campos Neto, que vem sofrendo duras críticas do presidente Lula e de alguns integrantes do governo, pela forma como vem conduzindo a política monetária.

Em suma: há possibilidade de a Selic voltar a subir? É a pergunta de US$ 1 milhão.

Leia os artigos de José Júlio Senna e Samuel Pessoa no Boletim Macro FGV IBRE de julho.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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