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Postado por Conjuntura Econômica
O mundo está se tornando insuportável?
Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro
Sempre que um ano começa, a esperança de dias melhores é renovada. Depois de atravessarmos uma pandemia que deixou cicatrizes profundas na vida das pessoas, nutrimos a expectativa de que as coisas seriam mais suaves, com o mundo ficando menos perverso. Mas a racionalidade parece estar somente no dicionário.
O jornal Valor Econômico publicou, no dia 8 de janeiro, relatório da consultoria Eurásia onde se estima que nos próximos meses o mundo viva um “Annus horribilis” no que se refere à política mundial. Há vários fatores para que isso esteja no radar, com reflexos sobre a vida das pessoas.
A começar pela guerra da Rússia e Ucrânia. O conflito, que se arrasta por mais de dois anos, começou com uma grande movimentação militar de tropas russas na fronteira entre os dois países, entre março e abril de 2021 e depois de outubro de 2021 a fevereiro de 2022. Naquele mês, dia 24, a Rússia começou a bombardear e invadir a Ucrânia. Não há números exatos, mas estima-se que mais de 600 mil pessoas foram mortas e feridas no conflito. E estima-se mais de 5 milhões de refugiados. Todos esses números são estimativas, pois não há como confirmá-los.
A guerra desestruturou o abastecimento de gás e petróleo para a Europa, especialmente de gás para a Alemanha, além de reduzir a oferta de produtos importantes, como fertilizantes, trigo e alguns metais, elevando os preços. Isso afetou a economia de todo o mundo. E a guerra continua.
Essa semana, a Otan anunciou que vai começar a realizar operações militares na semana que vem, com a convocação de 90 mil soldados de países membros da aliança e da Suécia, que ainda não faz parte da Otan. As manobras, as maiores desde a Guerra Fria, irão trabalhar em um cenário de um “ataque russo”, segundo o comandante geral da Otan na Europa, general Chistopher Cavoli. A iniciativa acontece no momento em que a Rússia intensificou seus ataques aéreos em grandes cidades da Ucrânia, numa manobra de mostrar poderio militar, mesmo sem estar conseguindo avançar suas linhas na frente de batalha. Hoje, a Rússia controla algo ao redor de 20% do território ucraniano.
O aumento da tensão no Oriente Médio, depois do ataque do Hamas a Israel e dos incessantes bombardeios à Faixa de Gaza, estão longe de terminar. O conflito começou a se espalhar, com a entrada de novos atores, como o grupo xiita Hezbollah, do Líbano, aliado do Hamas, sunita, e, mais recentemente, dos xiitas houthis, no Iêmen, que começaram a atacar navios no Mar Vermelho, com seu grande arsenal de mísseis de médio e longo alcance. Por lá circulam cerca de 15% de navios mercantes do mundo. E a temperatura aumentou com os bombardeios norte-americanos e aliados contra os houthis. É um barril de pólvora que só falta acender o pavio para explodir.
Com as rotas do Mar Vermelho em risco, o tráfego marítimo teve que buscar alternativas, o que tende, se o conflito perdurar, a elevar os preços dos fretes. Mas como desgraça pouca é bobagem, uma seca no Canal do Panamá reduziu o fluxo de navios que por lá trafegam, o que representa algo ao redor de 7% do comércio mundial. O que também tende a empurrar o preço dos fretes para cima.
Esta semana, o Paquistão bombardeou base de separatistas em território iraniano, revidando ataque sofrido pelo Irã dois dias antes em seu território. A troca de ataques entre Irã e Paquistão é mais um capítulo da escalada da crise no Oriente Médio.
Também há a disputa entre as duas Coréias, com a do Norte não parando de disparar mísseis, numa tentativa de demonstração de força.
Se a inflação era a grande preocupação, ela perde protagonismo em termos de risco neste ano. Uma pesquisa recente junto a clientes do Goldman Sachs mostrou que há preocupações com o aumento das tensões geopolíticas. Em particular, a intensificação de conflitos em diversas regiões do Oriente Médio preocupa, pois é um risco para o comércio mundial e para a cadeia de suprimentos globais.
As eleições norte-americanas este ano, que podem levar Donald Trump de volta à Casa Branca – nas primárias de Iwoa para indicação do nome republicano ele conseguiu uma vitória esmagadora –, coloca quase todo o mundo em suspense. Uma possível vitória de Trump vai ampliar o protecionismo e tensionar ainda mais a questão geopolítica na disputa pela hegemonia mundial entre os Estados Unidos e a China.
Ou seja: este ano será marcado pela volatilidade e incerteza no cenário mundial.
Como me disse um amigo jornalista recentemente: ainda bem que estamos ficando mais velhos. O mundo vai se tornar insuportável. Espero que ele esteja errado.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.