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Sorte, impulso fiscal ou arrumação macroeconômica? O que tem feito a economia crescer?

Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro

O PIB do primeiro semestre pegou de surpresa os analistas. Depois de crescer 1,8% no primeiro trimestre, principalmente pelo ótimo desempenho da agropecuária e da cadeia que a cerca, como transportes, além da indústria extrativa, a atividade desacelerou para 0,9% no segundo trimestre, o que já era esperado pelo menor efeito da agropecuária, mesmo assim praticamente o dobro do que era a previsão do mercado.

Os mais recentes números de alta frequência que estão sendo divulgados sinalizam que a economia está melhor. Em artigo publicado na Folha de S. Paulo em 9 de setembro Samuel Pessoa, pesquisador do FGV IBRE, pergunta: Lula tem sorte? Nos dois mandatos anteriores do atual presidente (2003-2010), os ventos externos foram muito favoráveis, com alta das commodities e uma forte expansão da economia chinesa, um dos principais compradores de matérias-primas do Brasil. Só como exemplo: em 2017 os chineses foram responsáveis por quase 79% das nossas exportações de soja, 54% de minério de ferro e 44% de petróleo.  Durante os oito anos do governo Lula, a economia brasileira cresceu a uma taxa média ao redor de 4% ao ano: 3,5% no primeiro mandato e 4,6% no segundo.

Nos dois mandatos de Dilma (2011-2016), o PIB cresceu menos nos quatro primeiros anos (2,4%) e recuou 3,4% até o impeachment. Com isso, a média de expansão na era Dilma foi de apenas 0,4%. Com Michel Temer, que assumiu após a queda de Dilma em 2016, o PIB avançou a uma média de 1,6% de 2016 a 2018. Em seu governo foram aprovadas medidas importantes, como a Reforma Trabalhista, e foi costurada a Reforma da Previdência, aprovada no governo seguinte, de Jair Bolsonaro, que teve um crescimento médio do PIB de 1,5%, entre 2019 e 2022. É importante ressaltar, nesse caso, que a pandemia teve reflexos negativos sobre o crescimento em todo o mundo.

PIB

Variação anual e média anuais por governo


Fundação Getúlio Vargas - Centro de Contas Nacionais - diversas publicações, período 1947 a 1989; IBGE. Diretoria de Pesquisas. Coordenação de Contas Nacionais. Projeção 2023 Boletim Macro FGV IBRE.

Mas agora a China está crescendo menos, e mesmo assim a economia brasileira parece ganhar um pouco de fôlego, depois de crescimentos pífios nos anos recentes.

No artigo, Samuel lança mão de um trabalho dos cientistas políticos Daniela Campello e César Zucco, da FGV EBAPE, do Rio de Janeiro, “Sucesso do presidente e da economia mundial”, publicado no Journal of Politics, uma das melhores revistas científicas. Sem entrar em muitos detalhes do estudo, que merece ser lido dada as suas originais e importantes conclusões, os autores afirmam que o “resultado eleitoral da América do Sul depende muito das condições externas”. Para Samuel, “a eleição presidencial no continente sul-americano tem um componente de sorte maior que em outras paragens. Mas e a economia, por que Lula assume com ela melhor”?

No seu entendimento, houve um processo de arrumação da macroeconomia brasileira, iniciado em 2015, do qual Lula está colhendo os frutos. “O ciclo internacional condiciona um ciclo doméstico de arrumação e desarrumação macroeconômica. Foi assim em 2003 e parece ser o caso em 2023... Não há sorte. Há um ciclo internacional interagindo com o ciclo doméstico de política econômica”, finaliza Pessoa em seu artigo.

Há muitas explicações, e dúvidas, das razões da economia estar alçando voos maiores. Tenho a sensação de que muitas coisas que os analistas projetam, e estão sendo derrubadas pelos números, podem não estar sendo captadas. O mundo está mudando rapidamente, com o avanço de novas tecnologias, novas formas de trabalho, de captura de dados. Por aqui, as dificuldades por que passa o IBGE, com redução de pessoal e verbas para pesquisas, é outro elemento que pode estar contribuindo para aumentar as dificuldades de se fazer projeções mais certeiras sobre a atividade econômica.

Leia a Carta do IBRE de setembro: É hora de criar um sistema integrado de estatísticas e de geoinformação no Brasil.

O Boletim Macro FGV IBRE deste mês revisou para cima o crescimento do PIB deste ano: de 1,8% para 2,5%. E o governo também jogou para cima o PIB, estimando um crescimento de 3,2%. Esse é o mesmo número que a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) projeta para o crescimento brasileiro em 2023, quase o dobro de sua estimativa anterior. Já o Boletim Focus tem ampliado suas projeções do PIB, que já batem na casa dos 2,9% este ano.

Na última terça-feira, o Banco Central (BC) divulgou o IBC-Br – Índice de Atividade Econômica -, que indica alta de 0,44% em julho sobre o mês anterior mas, apenas, 0,7% em relação a julho do ano passado. Já o Monitor do PIB do FGV IBRE apresentou uma queda de 0,3% em julho em relação a junho, com crescimento de 1,8% sobre o mesmo mês do ano passado. Ou seja: há sinal de desaceleração da atividade econômica, depois dos bons resultados do primeiro semestre, apesar das diferenças nas projeções.

Embora os ventos pareçam estar mais favoráveis, embora muita gente continue achando que Lula é um sortudo, o crescimento da atividade econômica não se espraiou por todos os setores, continuando bastante desigual, o que aumenta as incertezas sobre os próximos meses.

Como mostra o Boletim, “o crescimento do PIB de 2022 e 2023 (...) tem diferenças substanciais. No ano passado, mesmo com a atividade desacelerando ao longo do ano, a contribuição para o crescimento de 2,9% foi explicada, em grande medida, por atividades cíclicas, que dependem mais da política monetária. O restante foi explicado por atividades denominadas ‘exógenas’, entre elas agropecuária, indústria extrativa, serviços públicos e atividades imobiliárias”.

Para este ano, com a projeção de um PIB de 2,5%, em torno de 60% dessa taxa é explicada pelo excelente desempenho da agropecuária e da indústria extrativa. No que se classifica de atividades cíclicas, que tem surpreendido os analistas pelo seu desempenho.

O Boletim cita, pelo menos, dois exemplos para ilustrar esse quadro:

• O primeiro está relacionado aos impactos positivos tanto da agropecuária e do setor extrativo em outras atividades. Na indústria de transformação, a indústria de alimentos, bem como o setor de derivados do petróleo e biocombustíveis, são os grandes destaques positivos. Além disso, o setor serviços, como transportes, têm sido beneficiado pelo excelente desempenho da agropecuária.

• O segundo ao aumento do gasto público e das transferências de renda, bem como pelo uso de poupança acumulada durante o período de isolamento social. Algo que chama atenção é a aceleração do consumo das famílias no segundo trimestre (cresceu 0,9% em relação ao primeiro trimestre), bem como do consumo do governo (0,7% em relação ao primeiro trimestre).

A rearrumação macroeconômica, citada por Samuel, mais o impulso fiscal, acelerado em 2022 por Bolsonaro para turbinar a economia no ano eleitoral, com programas de transferência de renda, corte de impostos, e reforçado por Lula com aumento de gastos – aumento do salário mínimo, política de transferências de renda, subsídios para tornar mais acessíveis alguns bens, aumento do número de beneficiários do INSS com a redução das enormes filas e tempo para obtenção da aposentaria, entre outros –, têm levado a esses bons resultados. Aqui, vale um alerta: se os gastos continuarem sem respaldo de aumento de receitas – em agosto elas recuaram 4,14% em termos reais sobre mesmo mês de 2022. É a terceira queda consecutiva, o que mostra perda de fôlego das receitas –, vai aumentar a pressão sobre as contas públicas.

Na edição de ontem (21), a Folha de S. Paulo publicou matéria informando que o INSS informou a equipe econômica que vai precisar de um reforço em seu orçamento da ordem de R$ 3,2 bilhões este ano para poder pagar os benefícios previdenciários e compensações devidas a Estados e municípios. O aumento de concessões de benefícios, com o programa de redução das filas no INSS, ampliou as necessidades de recursos em pouco mais de R$ 1,6 bilhão. Como é uma despesa obrigatória, o governo tem que adequá-la dentro dos limites orçamentários previstos para este ano. E isso pode significar novos bloqueios de verbas, além dos R$ 3,2 bilhões já bloqueados dos ministérios até julho para evitar o descumprimento das regras fiscais.

Ou seja: a questão fiscal é o principal problema econômico que a equipe do ministro Haddad tem enfrentado.

Na outra ponta, o BC manteve o ciclo de afrouxamento monetário, iniciado em agosto, cortando a taxa de juros básica da economia em 0,5 ponto porcentual, em sua reunião da última quarta-feira (20/9). Com isso, a Selic baixou para 12,75% ao ano, o menor patamar desde junho de 2022, quando também estava na mesma faixa de hoje. O BC, em sua decisão unânime, também sinalizou um novo corte em sua próxima reunião, que acontece nos dias 31 de outubro e 1 de novembro. Juros mais baixos ajudam a economia a crescer. Mas o fiscal ainda é um grande desafio para colocar a economia nos trilhos.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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