Desoneração da folha e o custo das meias-entradas

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Vetada em sua integralidade pelo presidente Lula no final de novembro, a prorrogação da desoneração da folha de pagamentos, medida que hoje vale para 17 setores, ainda é um tema em suspenso na concorrida agenda legislativa deste final de ano. Parlamentares já sinalizaram a intenção de derrubar o veto; do lado do governo, o ministro Fernando Haddad afirmou a disposição de negociar uma alternativa para esses setores. O líder do Executivo no Congresso, Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), também apontou a disposição em discutir o tema.

A expectativa é de que a prorrogação da desoneração por mais quatro anos, até 2027, volte à pauta nos próximos dias. Fernando de Holanda Barbosa Filho, pesquisador do FGV IBRE, defende o fim dessa medida. “Estudos mostram que é uma política cara, que o custo de cada emprego contemplado pela política muitas vezes é maior do que o salário pago ao trabalhador”, afirma.

A desoneração permite ao setor contemplado substituir o recolhimento previdenciário de 20% sobre a folha de salários pelo pagamento de 1% a 4,5% sobre o faturamento, variando conforme o setor. Aprovada em 2011, ela entrou em vigor em 2012 contemplando quatro setores; em 2015, foi estendida para 57 e em 2017 passou a valer para os atuais 17 – que incluem atividades como tecnologia de informação, call centers, construção civil, comunicação, transporte metroviário e rodoviário.

Setores que mais empregam em 2022
(em milhão de pessoas)


Fonte: Ipea, com dados da PNAD Contínua/ IBGE.

Um dos levantamentos mais recentes sobre o impacto da (leia aqui)  é de autoria de Marcos Hecksher, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Em seu estudo, para o qual usou dados da PNAD Contínua do IBGE, Hecksher mostra que as atuais atividades contempladas com essa vantagem não são as que mais empregam por qualquer ponto de vista que se observe: seja avaliando por atividades que mais concentram trabalhadores, entre as que mais geraram empregos, ou mesmo entre as mais intensivas em trabalho – ou seja, as que mais precisam de trabalhadores para gerar o mesmo valor adicionado. Neste último caso, uma exceção é a construção civil, que precisa de 1/3 mais trabalhadores do que a média geral.

Em recente entrevista à TV Senado, Hecksher lembrou que a motivação inicial dessa desoneração foi oferecer uma medida compensatória à forte valorização do real à época, o que poderia comprometer a competitividade internacional de setores exportadores. “Hoje o dólar está na casa dos R$ 5, o que não justificaria por esse ponto de vista”, lembra. O assessor especializado na Diretoria de Estudos e Políticas Setoriais, de Inovação, Regulação e Infraestrutura do Ipea também destacou que, nos dez anos findos em 2022, a desoneração custou R$ 130 bilhões aos cofres públicos. “Se a medida barateia a contratação para alguns, não significa que ela seja gratuita para o país. Alguém terá que pagar mais imposto, ou o governo terá que cortar mais gasto”, afirma. Sem essas medidas, o resultado é desequilíbrio fiscal e aumento de juros, comprometendo o crescimento do país.

Variação de ocupados contribuintes da Previdência entre 2012-2022
(em milhão de pessoas)


Fonte: Ipea, com dados da PNAD Contínua/ IBGE.

Entre os setores que mais ampliaram o emprego entre 2012 e 2022, nenhum é beneficiado pela política de desoneração, aponta Hecksher. Especialmente entre aqueles que contribuem para a previdência que foram atividades de saúde, comércio, educação, e serviços de alimentação. Entre os que reduziram vagas, entretanto, encontram-se setores desonerados. No caso da construção, que é o primeiro em redução de postos Hecksher destaca que o setor sofreu mais fortemente com o impacto da Lava Jato, seguido de crise econômico, que provocou a interrupção de obras.

No agregado dos 17 setores, entretanto, a participação no total de ocupados que contribuem para a previdência caiu de 17,9% para 16,2%, destaca o pesquisador. “Pode-se ainda pensar que a política colaborou para mitigar uma queda maior no emprego nesses setores. Nesse caso, entretanto, outros estudos já foram cuidadosos em demonstrar que esse efeito de poupar demissões foi pequeno perante o custo do programa”, afirmou.

Setores atualmente contemplados com a desoneração da folha

Para Hecksher, o caminho mais virtuoso para lidar com o custo do emprego no Brasil é debate-lo no âmbito da reforma tributária. “Esse é o momento de debater como corrigir distorções em favor de alguns setores em prejuízo de outros. Tanto a reforma de impostos indiretos quando a dos impostos diretos – incluindo o imposto de renda – nos dão a oportunidade de buscar inovação que beneficiem a todos”, afirmou.

Barbosa, do IBRE, defende que o tema deve ser atacado em uma nova reforma trabalhista. “Reduzir custo do emprego é uma medida relevante. Desde que se faça de forma horizontal e fiscalmente sustentável. Mas não esse debate posto no atual cenário”, diz. Para Barbosa, a retomada do debate sobre a Carteira Verde Amarela no Congresso – que desoneraria o emprego de jovens e trabalhadores acima dos 50 anos, proposta no governo anterior – tampouco é uma medida eficaz. “Deixar o meio do gruo etário descoberto não nos ajudará a melhorar esse panorama.”

 

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