Debate sobre nova reforma da Previdência foi antecipado pela mudança no salário mínimo, afirmam especialistas em webinar
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Postado por Conjuntura Econômica
Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro
Fabio Giambiagi, pesquisador associado do FGV IBRE, e Paulo Tafner, diretor-presidente do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social, estão entre os especialistas que, mesmo reconhecendo a importância da reforma da Previdência de 2019, não esqueceram os temas que ficaram de fora e que teriam que ser retomados no futuro, estimando uma volta desse debate em algum momento próximo de 2030. Mas a volta da regra de reajuste do salário mínimo que permite ganhos reais - inflação mais PIB de dois anos atrás - antecipou essa necessidade, defenderam nesta quarta-feira em webinar do FGV IBRE com a Folha de S. Paulo, moderado por Adriana Fernandes, repórter especial e colunista da Folha.
“A reforma de 2019 não foi feita para reduzir a despesa do INSS, mas reduzir a velocidade do aumento. Com a atual regra do salário mínimo, superposta às tendências demográficas em curso, os efeitos são devastadores, afirmou Giambiagi. Tafner ressaltou que o Censo realizado em 2022 mostrou não só uma população total menor que a projetada, “mas também que dos cerca de 11,5 milhões a menos identificados pelo Censo, cerca de 60% estão concentrados nos grupos jovens, o que tem impacto importante na trajetória do mercado trabalho, portanto, da Previdência”, disse, destacando a sustentabilidade do sistema brasileiro depende do equilíbrio entre o número de pessoas em idade ativa e o número de beneficiários da previdência. O economista indicou que a taxa de fecundidade brasileira está em 1,54 filhos por mulher, apontando a uma “implosão demográfica” em que “já na década de 2030 a população começará a atingir o máximo, e logo declinará. “São desafios que o Brasil terá que enfrentar de forma lúcida, para superar essas dificuldades com inteligência”, defendeu, ressaltando que os problemas serão maiores do que os imaginados na reforma de 2019.
Tafner também ressaltou que, apesar do atual bom momento do trabalho formal, a tendência é de aumento da participação de modelos como o trabalho intermitente e o de plataformas digitais, alimentando um novo contexto do emprego formal negativo para o financiamento da Previdência, cuja base de financiamento no Brasil é fundamentalmente o emprego formal.
Giambiagi e Tafner - que neste mês lançaram o livro A Reforma Inacabada: o Futuro da Previdência Social no Brasil (editora Alta Books) - defenderam no webinar que esse concerto passa necessariamente por equacionar a questão do salário mínimo. “Essa foi uma restrição autoinfringida pelo governo”, afirmou Giambiagi, indicando que a mudança de regra de reajuste não estava na pauta de reivindicações dos eleitores em 2022. “O grande anseio nesse momento era pela recuperação do emprego. Não havia uma demanda nacional por aumento do salário mínimo. Em relação à crença de que o salário mínimo é a demanda número 1 ou 2 da população brasileira, quero lembrar que o presidente Bolsonaro ficou quatro anos sem dar aumento real salário mínimo e ele teve em torno de 49% dos votos”, defendeu o pesquisador, destacando que a proposta de volta da regra não foi discutida. “Hoje o governo está descobrindo aquilo que todo mundo que acompanha o tema sabia desde o primeiro dia: de que essa regra é absolutamente inconsistente com o arcabouço fiscal”, afirmou Giambiagi. “Mesmo aqueles de defendíamos a regra geral do arcabouço, de que o crescimento do gasto fosse 70% do crescimento da receita, apontávamos que havia uma contradição”, afirmou, defendendo que uma desvinculação dos benefícios previdenciários do salário mínimo precisa de forte aval político desde o início para ser colocada à mesa, levando em conta ainda o debate da constitucionalidade dessa medida. “O que hoje se discute como alternativa - de desvincular apenas benefícios temporários - é irrelevante. Alguém acredita honestamente que, passando a desvincular o auxílio reclusão do salário mínimo, a trajetória fiscal dos próximos 20 anos vai ser muito diferente da atual?”, questionou.
Giambiagi defendeu que uma proposta politicamente viável, “pois depende apenas do presidente”, é uma volta atrás na atual regra de reajuste do mínimo - caminho também apoiado por Tafner. “Por lei ordinária, eventualmente até por MP, ele encaminharia uma proposta para o Congresso sacramentando o valor de 2025, porque entendo que o orçamento vai ser elaborado logo, e a partir de 2026 em diante o salário mínimo passa a ser indexado à inflação. Tenho certeza absoluta de que isso teria uma receptividade excelente por parte do mercado, que interpretaria o seguinte: se o próprio PT está aprovado uma lei desta natureza, no dia em que tiver novo governo não vai este que vai aumentar. E isso que pairou como uma espécie de espada de Dâmocles sobre o futuro da despesa do INSS nos últimos 20 ou 30 anos desapareceria.”
No evento, Tafner também defendeu a necessidade de revisão dos mínimos constitucionais para despesas com saúde e educação, destacando que a transformação da demografia do país - com cada vez menos crianças e cada vez mais velhos - demandarão uma alocação diferente de recursos. “Essa vinculação reflete o país da Constituição de 1988. Ficamos escravos do passado, e isso também vale para a questão previdenciária”, afirmou.
Giambiagi e Tafner também alertaram que a falta de uma postura mais incisiva do governo em relação a esses temas e seu impacto fiscal, ao contrário de beneficiar a população, a penalizar via câmbio, juros, inflação e menos crescimento.
Reveja o webinar Uma Nova Reforma da Previdência.
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