Conter o preço da gasolina a todo custo pode comprometer crescimento do país no longo prazo, diz André Braz
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Postado por Conjuntura Econômica
Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro
O poder corrosivo da inflação é implacável com a renda das famílias, e também com a imagem de um governo em ano eleitoral. Evitar a ideia de leniência diante de um elemento tão sensível para o bolso do eleitorado é algo de se esperar, mas os meios nem sempre justificam os fins. Desde o II Seminário de Análise Conjuntural, economistas do FGV IBRE têm alertado sobre as escolhas definidas pelo Executivo e o Congresso visando conter o aumento do preço da gasolina, derivado de um contexto internacional do qual não se tem domínio. Essa análise começa pela determinação de um teto para o ICMS, debate que foi desvinculado do contexto da reforma tributária, e cuja compensação para a perda de arrecadação de estados foi negociada via PEC (16/22), sob a condição de se zerar o ICMS do diesel, GNV e gás de cozinha de julho a dezembro deste ano. E, na sequência, a apresentação de um projeto de lei pelo governo, que autoriza a venda de excedente de petróleo e gás a que tem direito nos contratos de partilha, antecipando uma receita futura incerta, desvinculando-a de despesas com saúde e educação.
Após o anúncio pela Petrobras no dia 18/6, de reajuste da gasolina e do diesel vendido para as distribuidoras – respectivamente, de 5,18% e 14,26% –, a companhia voltou a ser alvo do governo, com questionamentos sobre sua governança, o que levou ao pedido de demissão do presidente da estatal José Mauro Coelho, que também sai do Conselho da empresa, e deverá ser substituído por Caio Paes de Andrade, atual secretário de Desburocratização do Ministério da Economia. “É preciso cuidado ao se questionar a gestão de uma empresa de economia mista, expondo-a a objetivos de curto prazo de um governo, sob o risco de depreciar a imagem da companhia diante de investidores nacionais e estrangeiros”, afirma André Braz, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor da FGV.
Em conversa para o Blog da Conjuntura Econômica, Braz reforçou a advertência de que focar na redução preço da gasolina a todo custo é uma medida fora do contexto socioeconômico brasileiro, “em que o carro próprio ainda é um bem de luxo, e o uso de um automóvel como fonte de renda pode contar com outras alternativas de combustível, de acordo ao preço em cada região do país”, afirma. “Quando, por exemplo, o governo aventa o uso de parte dos dividendos que cabe ao governo para conter o aumento da gasolina em detrimento do investimento em educação, está escolhendo a alternativa que menos dará retorno ao PIB no longo prazo”, diz. A análise se soma a outros argumentos já apontados por pesquisadores da Economia Aplicada do FGV IBRE, como o de que o barateamento da gasolina é um incentivo na contramão da busca por uma transição energética que privilegie fontes renováveis. “São fatores importantes para o desenvolvimento econômico de uma país, mas cujos resultados demoram mais do que os quatro anos de um ciclo de governo”, ressalta Braz. Para países como o Brasil, em que o cobertor é curto para cobrir um grande corpo de necessidades, Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro FGV IBRE, sinaliza que o melhor seria pensar em transferências temporárias e focadas na camada da população mais vulnerável.
Braz recorda que a gasolina é o segundo item de maior peso no orçamento familiar, com 6,9%, seguido da tarifa de energia elétrica, com 4%. “Em 2021, ambos foram responsáveis por 50% da inflação de 10% no acumulado do IPCA para o ano”, lembra, ressaltando anda seu papel para o espalhamento da inflação. Paulo Picchetti, coordenador do IPC Brasil do FGV IBRE, lembra que o coeficiente de difusão da inflação se encontra em 74,8%. “Além de historicamente elevado, esse percentual mostra que, em bom português, mais de três quartos dos cerca de 320 componentes da pesquisa de preços registram aumento”, ilustra.
Na inflação de janeiro a maio registrada pelo IPCA, de 4,78%, a gasolina responde por 12,5%. No acumulado de 12 meses até maio, de 11,73%, a gasolina respondeu por 16,68%, “acumulando aumento de 28,7% na bomba”, completa Braz. A energia, em contrapartida, tem trabalhado a favor do consumidor, com o fim da bandeira de escassez hídrica em abril, o que contribuiu para uma queda de 17% somente nesse mês. “No acumulado em 12 meses até maio, a energia elétrica contribui com 2% da inflação; no acumulado de 2022, de janeiro a maio, por sua vez, ela ajudou a conter a inflação em cerca de 0,13 ponto percentual”, compara. Braz alerta, entretanto, que o balanço final do papel da conta de luz na inflação ainda dependerá do regime de seca este ano, que começa com a chegada do inverno. “A expectativa do próprio Banco Central é de que o ano termine com bandeira amarela na conta de luz. Mas o inverno ainda não mostrou sua cara, e pode ser que esse quadro seja pior”, diz.
A estimativa de Braz é que o IPCA feche 2022 em 8,5% a 9,2%, dependendo de como se opere a redução de ICMS sobre combustíveis. Ele reforça que o cenário é complexo, mas que por isso mesmo deve ser tratado com muito critério, “para não penalizar outros investimentos que são prioridade para um país desigual como o nosso”, afirma. “Vemos que a preocupação com o preço dos combustíveis é global, e até o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, agora prevê uma redução de impostos federais sobre a gasolina. Mas estamos falando de um orçamento muito maior do que o nosso, de uma sociedade muito mais dependente de carro. Precisamos estar atentos às nossas prioridades, pensando em um crescimento econômico sustentável e inclusivo”, conclui.
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