Contas externas: olho na balança comercial e nos criptoativos
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Postado por Conjuntura Econômica
Por Solange Monteiro, do FGV IBRE
Em conversa para o Blog da Conjuntura em outubro do ano passado, Manoel Pires, atual coordenador do Centro de Política Fiscal e Orçamento Público (CPFO) do FGV IBRE, destacava a tendência, no Brasil, de se minimizar a importância do ciclo externo na capacidade de crescimento do país, devido a um traumático passado em que a questão externa era um problema. Em 2023, o país fechou com superávit comercial histórico de US$ 98,9 bilhões, déficit em conta corrente de US$ 30,8 bilhões, ou -1,4% do PIB, e um aumento dos ativos de reserva em pouco mais de US$ 21 bilhões.
Ainda que continue não apresentando qualquer risco de restrições, o panorama das contas externas no primeiro quadrimestre mostra que 2024 tende a uma dinâmica menos favorável. Em abril, a conta corrente registrou déficit de US$ 25 bilhões, elevando o resultado em 12 meses para déficit de US$ 35,3 bilhões, ou 1,6% do PIB. Livio Ribeiro, pesquisador do IBRE, sócio da consultoria BRCG, destaca que o resultado foi pior do que o próprio mercado esperava. “Vai se confirmando um cenário de aumento desse déficit e, ainda que não haja restrição externa ativa, o equilíbrio entre necessidades e disponibilidades de recursos ficará mais tênue, tanto em 2024 quanto em 2025”, prevê. Ainda permanece um resultado moderado para padrões históricos, reforça, estando o risco concentrado no canal de financiamento, mais do que no aumento do déficit em si.
Em análise publicada o Boletim Macro de maio, Ribeiro lembra que, se grande parte da surpresa do ano passado ocorreu no saldo comercial, este deverá ser menor em 2024. O resultado de 2023, observa, foi marcado por um “descasamento entre o comportamento dos fundamentos do comércio exterior (grosso modo, diferencial de crescimento entre o mundo e o Brasil, termos de troca e taxa de câmbio) e o efetivo resultado comercial”, o que levou a um resultado maior do que esses fundamentos permitiriam. Neste ano, lembra, a perspectiva é de uma contribuição menor da agropecuária, e o mesmo se deve esperar do petróleo. Apesar da crescente contribuição para o superávit comercial brasileiro – graças à mudança de patamar da produção de petróleo nacional com o pré-sal, que que deverá chegar em seu pico em 2029, como aponta levantamento de Bráulio Borges, focado em calcular a contribuição desse aumento para a arrecadação pública (veja aqui) –, esse crescimento de produção tende a ocorrer em ritmo inferior, diz Ribeiro.
O pesquisador ressalta que a partir dos resultados de maio esses resultados tendem a se agravar, não só reflexo da safra menor que em 2023, como pelos efeitos ainda não contabilizados das enchentes no Rio Grande do Sul. “A produção agropecuária sofrerá, há cadeias industriais relevantes que enfrentarão, pelo menos, um longo inverno logístico, e os gastos com a reconstrução do estado devem pressionar os investimentos no decorrer do ano, o que, tipicamente, se traduz em maior absorção de bens do exterior”, afirmou no Boletim. Ribeiro estima que o superávit comercial de 2024 fechará pouco abaixo de US$ 90 bilhões, cerca de 10% abaixo de 2023, ainda sujeito a revisões negativas. Para esse resultado, também colabora um panorama de importações com um ainda fraco desempenho dos combustíveis – “considerando uma manutenção da política de subsídios da Petrobras” – e alguma recuperação das compras externas a partir de maio, seja via consumo ou investimentos, “depois de um desempenho no primeiro quadrimestre do ano virtualmente igual ao observado em 2023”.
Criptoativos ganham espaço entre brasileiros
(valores em US$ bilhões)
Fonte: BCB, Siscome.
Em sua análise da conta corrente e balanço de pagamentos, Ribeiro ressaltou a crescente diferença entre o saldo comercial compilado pelo MDIC (Siscomex) e o calculado pelo Banco Central para fins de balança comercial (BPM6), observada em especial a partir de 2020. Ribeiro projeta que este ano essa diferença será de US$ 22 bilhões; em 2018, era de US$ 3,2 bilhões. “Caso confirmado, será um recorde histórico”, diz. Um dos destaques nessa evolução, aponta, é o aumento da importação de criptoativos – tema de análise que Ribeiro publicará em breve.
Levantamento internacional aponta o país entre as economias mais ativas, por exemplo, na adoção de criptomoedas. No mais recente Chainalysis Global Cripto Adoption Index, que congrega dados até o segundo trimestre de 2023, o Brasil está em 9º lugar entre 155 países analisados. Para elaborar esse ranking, a Chainnalysis analisou dados de tráfego de 13 bilhões de interações na internet, rastreando cinco categorias de atividade. Esses dados ainda foram ponderados pela paridade do poder de compra (PPP) per capita, dando mais peso ao de menor PPP per capita, valorizando os lugares onde há maior adoção “por pessoas comuns”.
Ranking de países com maior adoção de criptomoedas
(entre segundo tri de 2022 e 2023)
Fonte: Chainalysis Global Cripto Adoption Index.
O estudo mostra que a América do Norte é responsável por 24,4% dos valores movimentados pelas corretoras de criptomoedas, mas também uma queda nessa adoção em escala mundial desde o segundo trimestre de 2022 – com exceção de países de baixa e média renda, com Índia e Nigéria liderando o ranking, e Ucrânia em quinto lugar.
Na América Latina, Brasil é o mais bem-posicionado, seguido de Argentina (15º) e México (16º). O perfil de adoção, indica o estudo, varia conforme o país. Enquanto na Argentina se destaca a demanda por stablecoins – no caso, USDT – indicando uma tendência de busca por proteção à inflação e desvalorização da moeda, no Brasil há uma maior adoção de Bitcoin e altcoins, mais usadas quando o interesse é por investimentos de longo prazo e especulativos.
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