Consolidação do mercado voluntário de créditos de carbono alimenta valorização da floresta em pé

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Marcada para acontecer em dezembro em Montreal, no Canadá, a Conferência da Biodiversidade da ONU (COP 15) deverá reforçar as linhas do campo dentro do qual o candidato que assumir a presidência brasileira deverá conciliar seus planos de política ambiental com a agenda climática e as expectativas globais sobre o país. Os últimos anos foram marcados por uma avaliação negativa diante do aumento do desmatamento da Amazônia, que influenciou as relações internacionais brasileiras em outras áreas de ação além da ambiental. E, na COP 15, esse escrutínio não deverá ser menor. 

A parte meio cheia desse copo é que a definição de um Marco Pós-2020 prevista no encontro, com metas para a conservação e uso sustentável de recursos naturais, poderá reforçar o caminho pavimentado na COP 26, no ano passado - com a regulamentação do artigo 6 do Acordo de Paris -, para a instauração de um mercado global de créditos de carbono, especialmente aqueles voltados a ações envolvendo uso do solo. E, nesse contexto, o Brasil está no centro do debate positivo.  Junto a Indonésia, República Democrática do Congo e Índia, detêm 53% do potencial de desenvolvimento de soluções no campo florestal; dessa participação, 20% correspondem ao Brasil. “Existe um mercado muito atraente formado por empresas que não conseguem fazer a descarbonização de sua atividade no ritmo necessário, e precisam comprar crédito para cumprir metas de neutralizar emissões. E, quando se trata do campo florestal, estamos diante de um enfoque diferente, que trata de preservação e de um tipo de reflorestamento em que não basta plantar eucaliptos, mas restaurar biomas, focado na preservação da biodiversidade”, afirmou Winston Fritsch, conselheiro emérito do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), em recente webinar do Cebri.

No Brasil, o mau uso do solo representa três quartos das emissões de gases de efeito estufa, sendo metade derivada pelo desmatamento e degradação de florestas. Em nível mundial, essa rubrica é responsável por 8% das emissões de gases do efeito estufa. Rafael Chaves, diretor de Relacionamento Institucional e Sustentabilidade da Petrobras, presidente do Conselho do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), ilustra essa participação ressaltando que as emissões provocadas pelo desmatamento e a degradação ambiental no mundo equivalem às emissões da circulação de carros e caminhões no globo. “Comparando, fica óbvio que o custo social e econômico de soluções com base na natureza é muito mais baixo. Mas essa regulação é uma espécie de bem público que o mercado sozinho não consegue precificar adequadamente”, diz. “Uma pessoa com uma motosserra no Pará corta uma árvore e ao vendê-la logo sabe o preço daquela madeira. Para precificar a preservação, é preciso do avanço regulatório, para resolver um problema de mercado que não se resolve sozinho”, diz.

Entre os exemplos de negócios que apostam no avanço do mercado de carbono é o da re.green, focada na restauração de ecossistemas nativos com técnicas que vão desde o plantio de espécies a outras como a recondução à regeneração de florestas eliminando bloqueios, dependendo das condições e uso anterior da terra. Atualmente, a empresa atua em projetos na Mata Atlântica e na Amazônia. “Temos áreas de prospecção ativas em diversos estados, tanto através de compra de terras quanto com parcerias com detentores de grandes áreas, pois temos flexibilidade de capital”, diz Thiago Picolo, CEO da empresa, indicando que a meta da re.green é restaurar 1 milhão de hectares em 12 anos. Para isso, a empresa também conta com um viveiro próprio, no interior de São Paulo, para dar lastro de produção de mudas nativas, que é referência para a montagem de uma rede de viveiros nas regiões em que atuarem. “Na Bahia, já firmamos contrato com cinco viveiros de pequeno e médio portes com esse objetivo”, conta Picolo.

Para o executivo, o sucesso do mercado voluntário de créditos de carbono se dará com a garantia de projetos de qualidade. “Estudo junto a McKinsey aponta que entre 2019 e 2021 o número de empresas globais com compromisso de zerar sua pegada de carbono saiu de pouco menos de 500 para mais de 2000. Mas ainda que se observe um aumento do engajamento, ainda há poucas que efetivamente atuam na compra de créditos. Nosso papel também é educar esse mercado sobre as soluções que existem”, diz.

Outro exemplo é o da empresa Bosky, criada este ano com foco em projetos de conservação de florestas nativas, que geram créditos conhecidos como REDD+ (Redução de Emissões por Desmatamento ou Degradação Florestal). O foco da empresa também é investir em projetos de grande porte - “uma das reclamações de investidores estrangeiros ainda é escala”, diz André Chiarini, CEO da Bosky - e em tecnologias que aprimorem a qualidade e deem mais agilidade na quantificação, inventário e monitoramento desses ativos. “Entre elas, está o uso de blockchain, que provê uma camada extra de credibilidade no rastreamento do processo como um todo, garantindo uma execução de créditos sem duplicidade, e a tokenização, casando o lastro com uma distribuição mais pulverizada”, diz Chiarini. Um dos desafios nesse campo, diz o executivo, é a mudança da na lei de gestão de florestas em vigor, que não permite a exploração de receitas com crédito de carbono nas concessões florestais federais. “É um contrassenso. Se observarmos, hoje boa parte dos players nessas concessões é voltado à exploração de madeira. Com o REDD+, podemos entrar nessas concessões explorando o uso múltiplo da floresta, evitando perda de biodiversidade, com projetos que incluem conservação, aumento de estoque de carbono e manejo sustentável”, diz. Chiarini defende a aprovação do PL 5518, que permite ao concessionário acesso a comercialização de créditos de carbono da área concedida, além de outros pontos como acesso ao patrimônio genético da floresta para fins de pesquisa e desenvolvimento.

Enquanto a mudança da legislação não chega, Chiarini deposita sua expectativa no campo de ação do BNDES. Primeiramente, na lista de concessões de 30 parques e florestas operada pelo banco que podem abarcar projetos de crédito de carbono, as quais pretende disputar, e cujos leilões podem começar em 2023. “Esses projetos de concessão somam uma área equivalente a uma Portugal e meia. Podem gerar uma massa de recursos para apoiar outras iniciativas com dificuldade de escalar mercado. Mas, para que isso aconteça, a questão regulatória é muito”, diz Fritsch.

Outra iniciativa do BNDES celebrada pelos atores desse mercado é o projeto Floresta Viva, voltado à restauração de biomas brasileiros e recuperação de bacias hidrográficas lançado no final de 2021. O modelo de financiamento do projeto une recursos não-reembolsáveis do BNDES com o de instituições apoiadoras, com meta de R$ 500 milhões de investimento em sete anos, com até 50% de recursos providos pelo banco. O potencial do projeto é de restaurar até 33 mil hectares de área, removendo 9 milhões de toneladas de carbono da atmosfera. Um dos parceiros dessa iniciativa é a Petrobras, que anunciou um aporte de R$ 50 milhões em projetos do programa, gerido pelo Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio). “Para a Petrobras, é importante atuar do lado da demanda, mas também da oferta”, diz Chaves, indicando ainda outros projetos da companhia como o financiamento de cisternas na região da caatinga em apoio à agricultura familiar e de preservação de florestas na região amazônica com um projeto de sustentabilidade de famílias locais com a extração de castanhas, dentro de um orçamento que hoje totaliza R$ 120 milhões. “O Brasil tem vocação para ser líder em soluções com base na natureza. É um mercado que está nascendo, portanto, é preciso considerar a perspectiva temporal, em que as soluções ainda estão se desenvolvendo. Mas não podemos perder essa perspectiva”, conclui.

 


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