“Conscientização sobre comportamento de usuários do transporte público ainda pode fazer diferença para controle da Covid-19”

Rafael Martins de Souza, pesquisador do FGV CERI

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Desde que a pandemia de Covid-19 chegou ao Brasil, há pouco mais de um ano, as decisões sobre medidas de distanciamento social para conter o contágio não foram fáceis de se tomar. Rafael Martins de Souza, pesquisador do FGV CERI, aponta que o alto nível de polarização presente nesse debate fez com que muitos ajustes finos, que poderiam tornar o isolamento mais eficaz, foram pouco explorados. “Na área de mobilidade urbana, o que observa é que mesmo municípios em que os governos se mostraram mais proativos carecem desse aprimoramento”, afirma.

Souza, que também é professor de Data Science no mestrado profissional da FGV EPGE, ressalta, de partida, que o transporte público tem sido uma das atividades de controle mais complexo, onde as desigualdades frente à pandemia são mais patentes.  Ele cita estudo publicado em junho de 2020 pelos pesquisadores Tainá Bittecontourt e Pedro Logiodice, ambos da USP e do Centro de Estudos Metropolitanos, que apontou como a reorganização das linhas de ônibus no início da pandemia prejudicou mais os grupos com maior tempo de deslocamento e dependência desse transporte. Eles demonstraram, por exemplo, que na Zona Leste da capital paulista a demanda por ônibus reduziu menos do que na região central da cidade, para um percentual similar de corte na frequência das linhas, o que resultou em uma lotação muito próxima da vista antes da pandemia, e muito longe de garantir a distância dos 2 metros recomendada pelos órgãos de saúde. A recomendação dos pesquisadores no estudo é de que, para garantir segurança ao usuário, a coordenação desse transporte deveria ser diferenciada. Promovendo, em alguns trechos e horários, um aumento, e não redução, da frequência horária mínima.

“Medidas nesse sentido implicam buscar outras fontes de financiamento além da tarifa paga pelo usuário para equilibrar financeiramente a operação – em geral, aportes do poder público. Os quais, para serem eficientes, precisariam ser bem dimensionados de acordo a cada caso, de cada prefeitura”, descreve Souza. Mas ele aponta que as iniciativas para mitigar o risco de contágio nesse transporte não param por aí. “Pesquisadores do MIT John M. Bush e Martin Z. Bazant realizaram um estudo em que demonstram a importância de que campanhas de informação e monitoramento para convivência em ambientes fechados incluam, além do uso de máscaras e álcool em gel, orientações como a de evitar falar e cantar”, afirma, lembrando que o contágio pelo novo coronavírus se dá por via aérea.

Para mostrar o impacto dessa medida, os pesquisadores, junto ao engenheiro químico Kassim K, desenvolveram um simulador que indica em quais condições vários tipos de ambiente fechado – de ônibus e vagões de trem a salas de aula e restaurantes – estariam seguros do contágio de Covid-19. No aplicativo, que conta com versão em português, é possível configurar ambiente (definindo área total, tipo de ventilação, umidade relativa), cepa do vírus (por enquanto, de Wuhan e do Reino Unido), faixa etária das pessoas, tipo de máscara usada e, não menos importante, seu comportamento – se está com ou sem máscara, calado, falando, se exercitando ou cantando.

Os resultados são expressivos. Tomando como exemplo um vagão de metrô, 25 pessoas estariam seguras por 34 horas se conversassem usando máscaras. Se estiverem sem máscaras, cantando, esse tempo cai para 2 minutos. Tomando como base o respeito à diretriz de segurança de manter 2 metros de distância – o que equivaleria a uma lotação de 16 pessoas por vagão –, a diferença de tempo em segurança entre um comportamento e outro seria de 2 dias no primeiro caso e 3 minutos no segundo.

“Esse é um tema pouco explorado no Brasil, mas que ainda é importante para o controle da pandemia”, afirma Souza, ressaltando os esforços para que a normalização de atividades não promova novas ondas de contágio. “Países como Japão e França são exemplos de bons resultados com a adoção dessas medidas complementares. Ao evitar conversações próximas, eles eliminaram um dos três ‘c’ da transmissão do vírus (closed spaces, crowded spaces, closed contact situations), reduzindo o risco”, conclui.

Comportamento colabora para conter contágio
Condições em que ambientes estariam seguros


Exercício leva em conta adultos de 15-64 anos e a variante Sars-CoV-2 do Reino Unido. Fonte: https://indoor-covid-safety.herokuapp.com/?units=metric&lang=pt-br.

 


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