Conheça o projeto de água de reúso que abastecerá o hub de hidrogênio do Complexo do Pecém

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Na Conjuntura Econômica de setembro, que será lançada esta semana, contamos a história de como o Ceará está se organizando para se transformar em um hub de produção de hidrogênio verde (H2V), produzido a partir da quebra de moléculas de água em hidrogênio e oxigênio usando eletricidade de fontes renováveis. Produzir H2V em escala é uma tarefa que o mundo todo está aprendendo sobre a marcha, diante da necessidade de reduzir a emissão de gases do efeito estufa para controlar o aumento da temperatura do planeta. Nessa corrida, muitos países buscam se tornar competitivos, seja para atrair indústrias que precisam descarbonizar sua produção, seja para se converter em exportadores desse insumo. Por seu amplo potencial de geração de eletricidade de fontes renováveis, o Brasil, especialmente o Nordeste, está entre os mais bem-cotados.  

A produção de hidrogênio verde (H2V) não existe sem a garantia de fornecimento abundante de H2O. Estima-se que, para cada quilo de H2V produzido, são necessários em torno de nove litros de água. No hub do Complexo Industrial do Porto do Pecém (CIPP), a previsão é de que essa demanda seja equacionada a partir da água de reúso, a cargo da empresa Utilitas, que hoje atua no complexo cuidando do armazenamento e adequado lançamento ao mar de efluentes tratados das empresas Arcelor, EDP Eneva e Crusoé Foods.

O projeto inicial prevê o uso dos efluentes sanitários da capital Fortaleza e dos municípios Maracanaú e Caucaia, suficientes para garantir uma demanda de 1,6 metro cúbico por segundo, equivalente à produção de 450 mil toneladas de hidrogênio verde por ano. Daniela Telles, gerente técnica e comercial da Utilitas, afirma que esse projeto de reúso foi idealizado em 2017, bem antes do H2V entrar no radar do Pecém, quando uma seca severa na região levou a uma crise hídrica e à redução do fornecimento de água para a indústria local. “Na época, entretanto, esse plano não prosperou”, conta.

Mas tê-lo pronto em mãos em 2021, quando o H2V entrou na pauta do estado, possibilitou chancelar rapidamente a garantia de abastecimento de água em condições competitivas, algo desafiador em uma região semiárida. Um dos diferenciais do projeto é a proximidade geográfica entre a captação dos efluentes e a estação de tratamento, prevista para ser instalada no anel viário da região de Caucaia. Essa localização também está a menos de meio quilômetro do reservatório da Companhia de Gestão de Recursos Hídricos (Cogerh) que receberá a água de reúso tratada, de onde, por sua vez, será bombeada para o Complexo do Pecém. “Usaremos os 40 km de tubulação que já abastece o Pecém de água de açude, e que hoje opera com apenas 1/5 de sua capacidade instalada”, diz Telles.


Daniela Telles, da Utilitas: além de evitar a concorrência direta com o abastecimento da população,
a água de reúso tem a vantagem operacional de permitir um aumento gradual da demanda de plantas industriais.

“Quando somos consultados por outros estados sobre projetos como esse, nem sempre é possível encontrar a mesma conjunção de variáveis positivas, o que acaba encarecendo um projeto”, afirma Ricardo Popov, gerente de novos negócios da GS Inima Brasil, empresa que junto à Marquise Infraestrutura adquiriu participação na Utilitas em julho deste ano, dando musculatura ao projeto. No currículo da GS Inima está desde 2017 o controle do Aquapolo, maior planta de água de reúso na América do Sul, que abastece o polo Petroquímico de Capuava e indústrias na região do ABC Paulista. A GS também foi a responsável pelos estudos que serviram de base para a licitação da usina de dessalinização que será construída na Praia do Futuro, em Fortaleza, como apoio ao fornecimento de água potável à população. Em junho, o governo do estado anunciou uma mudança na localização dessa planta – a cargo do consórcio SPE – Águas de Fortaleza, com investimento previsto de R$ 3,2 bilhões –, demandada por as empresas de telecomunicação para evitar riscos de interferência nos cabos de fibra ótica submarinos que são responsáveis por grande parte do tráfego de dados do Brasil.

Duplo impacto

Tirar o projeto de reúso do papel demandará um investimento estimado em R$ 1 bilhão. Desse valor, cerca de R$ 600 milhões serão desembolsados pela Utilitas para a construção da estação de produção de água de reúso (Epar) no anel viário e também de outra planta, dentro do complexo, que realizará o chamado polimento dessa água, adequando-a às características exigidas por cada empresa contratante. Atualmente, a Utilitas tem três memorandos de entendimento firmados com empresas com projetos de H2V no Pecém: Fortescue, FRV e Casa dos Ventos. “Estamos agora elaborando o estudo de viabilidade ambiental (EVA), que será avaliado pela Secretaria de Meio Ambiente do estado, e esperamos receber a licença prévia do projeto até abril do ano que vem”, afirma a gerente da Utilitas. “Para o projeto conceitual, recebemos a consultoria da empresa norte-americana Worley, responsável por parte dos principais projetos envolvendo hidrogênio verde no mundo, e estimamos levar seis meses para chegar ao projeto básico.”

Neuri Freitas, presidente da companhia de saneamento do Ceará (Cagece), que detém 15% da Utilitas, ressalta que além de garantir o fornecimento para as plantas de H2V sem concorrer com o abastecimento de água potável da população, o processo de reúso traz outros benefícios, como a redução do descarte de efluentes de esgoto no mar e nos rios. “Há uma população ribeirinha que vive de sua pesca, por exemplo, assim que evitar esses efluentes é uma questão de saúde pública”, reforça Telles, indicando ainda a vantagem operacional de se escalar gradualmente a operação, tornando-a financeiramente mais vantajosa em projetos como os do hub de hidrogênio verde. “Trata-se de um desenho modular, que permite começar com uma vazão baixa e aumentá-la conforme a demanda. No caso da dessalinização para uso industrial, por sua vez, iniciar com pequenos volumes se tornaria muito caro, pois a estrutura de captação de água do mar e retorno de rejeitos precisa apontar à vazão final esperada.”

A Utilitas hoje estuda a extensão do reúso para até três vezes a capacidade inicial, e não descarta projetos de dessalinização para as plantas de H2V. “Há inclusive consulta de empresas sobre a possibilidade de contar com as duas fontes, como um backup”, conta Freitas. “O importante, neste momento, é que a empresa tem competência para desenvolver projetos em ambas as frentes, conforme a demanda”, afirma.

Confira a íntegra do especial na Conjuntura Econômica de setembro.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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