Comércio e inflação: dois lados da desaceleração mundial e seus reflexos no Brasil

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

O Indicador de Comércio Exterior (Icomex) e o IGP-10 do FGV IBRE divulgados, respectivamente, dias 19 e 16/9, ilustram os reflexos da conjuntura externa na economia do país e o diagnóstico de que, diante da permanência de um cenário de alto nível de incerteza, projeções sobre a evolução dessa influência continuam desafiadoras. “Os caminhos da política monetária nos Estados Unidos, a continuidade da guerra na Ucrânia e a crise energética na Europa, bem como as dúvidas sobre o dinamismo da atividade econômica na China alimentam a singularidade da atual conjuntura mundial”, afirma o economista André Braz, do FGV IBRE.

O Icomex aponta que o saldo da balança comercial acumulado até agosto (US$ 43,9 bilhões) foi o menor que o registrado no mesmo período de 2021 (US$ 52 bilhões). Tal resultado se explica pelo pior desempenho no valor das exportações – resultado de aumento de 17,4% em preços e de 1,3% em volume, enquanto as importações cresceram mais nos dois campos: respectivamente, 28,1% e 3%. O Icomex mostra que, nas exportações da agropecuária, a variação de preço e volume no acumulado do ano até agosto variaram 39% e -3,4% e as da indústria extrativa, -0,7% e -8,7%. Os resultados do comércio exterior brasileiro continuam fortemente dependentes da China, que representa 68% do superávit da balança comercial brasileira até agosto. Além da dinâmica da atividade chinesa, também está no radar dos pesquisadores do IBRE possível influência da guerra para as vendas brasileiras à China, especialmente de petróleo. O Icomex aponta que de janeiro a agosto a participação do petróleo nas exportações brasileiras à China caiu de 49,2% para 37,7%, mesmo registrando aumento de 1,2% no total da pauta exportadora brasileira. Isso, aponta o Icomex, sugere a possibilidade de algum desvio, que ainda em análise pelos pesquisadores do FGV IBRE, e devem ser apresentados no Icomex de outubro.

Variação (%) de volume e preço das exportações brasileiras
(jan-ago-22/ jan-ago21)


Fonte: Icomex FGV IBRE.

O outro lado dessa moeda da conjuntura externa está na inflação. Especificamente no caso da China, André Braz indica, por exemplo, que o baixo dinamismo do mercado imobiliário do país pode abrir mais espaço para a desaceleração do Índice Nacional dos Custos da Construção (INCC), que dos indicadores que formam o Índice Geral de Preços (IGP) do FGV IBRE é o que apresenta a inflação mais pesada em 12 meses – no IGP-10 divulgado na semana passada, o INCC marcou 11,16% em 12 meses, contra 8,39% do Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA) e 6,19% do Índice de Preços ao Consumidor (IPC). “O mercado imobiliário segue apresentando um desaquecimento preocupante no país, o que tende a reduzir o consumo de materiais e fazer com que esses preços caiam a nível internacional”, diz.  Isso pode ajudar a reduzir custos de materiais no Brasil. Livio Ribeiro, pesquisador associado do FGV IBRE, afirma que apesar de um ciclo intenso de investimentos públicos chineses em infraestrutura o setor imobiliário residencial registra queda tanto em vendas quanto em investimento em novas obras. O que sugere que, mesmo na possibilidade de uma volta da confiança dos consumidores para adquirir um imóvel, a tendência a baixos estoques não permitiria uma reação imediata. “Governos subnacionais têm lançado iniciativas para estimular o mercado, como flexibilização de regras na aquisição de imóveis, mas sem resultado significativo até agora”, afirma.

Índice Geral de Preços e Componentes (IGP-1) setembro – variações (%) – itens selecionados


Fonte: FGV IBRE.

O resultado do IGP-10 de setembro (-0,9%) ainda foi fortemente influenciado pela queda dos combustíveis – no campo do IPA, a gasolina automotiva (-9,53%) e o óleo diesel (-6,7%) e, no IPC, a gasolina (-9,66%) e o etanol (-9,36%). A exceção foi o segmento de passagens aéreas, que com a conjugação de aumento de preços da querosene de aviação em julho e aumento da demanda por viagens aéreas levaram o preço das passagens a registrar alta de 25,14% no mês no IPC. “Por outro lado, vimos um recuo importante da inflação de alimentos, repercutindo tanto um período favorável para os preços de produtos in natura como a desaceleração da demanda de grandes economias mundiais”, diz. A soja em grão foi um dos destaques, com -1,44% no mês, depois de registrar queda de 2,14% em agosto. “Começamos a ver um recuo de preços da carne bovina, devido ao recuo do preço de rações, bem como a queda no preço do leite longa vida (-5,9%, contra aumento de 17,1% em agosto), que foi o grande vilão do período em função da seca e a pouca captação de leite.

No caso do IPA, o segmento de bens intermediários ainda se mantém pressionado, com inflação de 19,26% em 12 meses, apesar do recuo de -1,72% no mês. “Reflete a atividade de setores acumularam uma inflação grande, a partir das matérias-primas, e que registraram seu auge entre agosto e setembro 2021, com taxa acumulada de 70% – sustentada por gargalos na estrutura produtiva e encarecimento das commodities –, que são repassados para bens intermediários e bens finais. Ainda que seja segmentos que já mostrem sinais de normalização, esse efeito custa mais a chegar no setor intermediário”, diz Braz.

O economista do FGV IBRE reforça que, ainda que a tendência para a evolução de preços seja favorável ao consumidor, há muita incerteza nesse caminho de desaceleração global, capturada pelos Barômetros Globais do FGV IBRE. “Temos guerra, trajetória dos juros nos Estados Unidos, estre outras variáveis que, conforme a combinação, tendem a influenciar a performance da economia brasileira de formas diferentes”. “A corrente de comércio já foi afetada, é possível termos efeitos cambiais adiante, e as dúvidas quanto ao cenário chinês – em que qualquer novo brote de Covid pode ter reflexos econômicos importantes –, pode ameaçar qualquer previsão para o cenário de preços adiante”, diz.

Barômetros Globais: Indicadores Coincidentes Regionais


Fonte: KOF, ETH Zurich e FGV IBRE.

 

China: investimento e mercado imobiliário (AsA)


Fonte: NBS. Elaboração: BRCG.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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