A colaboração de pesquisadores do FGV IBRE na análise do pacote fiscal do governo federal
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Postado por Conjuntura Econômica
Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro
Após muita expectativa, na semana passada o ministro Fernando Haddad anunciou o pacote de corte de gastos do governo federal visando à sustentabilidade do arcabouço fiscal. A decepção do mercado e de especialistas foi patente, e a esperança de que o anúncio revertesse os reflexos da preocupação com a trajetória das despesas públicas se derreteu, gerando o efeito contrário, com o dólar se valorizando ainda mais frente ao real, fechando a semana em R$ 6, recorde em valor nominal.
Os pesquisadores do FGV IBRE contribuíram para a análise do pacote nos principais meios de comunicação do país. Em linhas gerais, a avaliação foi de que as medidas apresentadas foram na direção correta – ainda que menos intensas que o esperado. O principal fator que minou a confiança em torno ao pacote foi a inclusão da ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda Pessoa Física para R$ 5 mil.
Em entrevista para podcast O Assunto, da jornalista Natuza Nery, Braulio Borges afirmou que a perspectiva de contenção de R$ 70 bilhões em 2025/26 e R$ 327 bi até 2030 não foi totalmente desprezível. “Não é um pacote composto só de pente-fino, medidas das quais que não se consegue monitorar bem o resultado. Olhando isoladamente, foi razoável. O problema é que foi ofuscado por uma medida em certa medida contraditória. Ampliar a faixa da isenção de IRPF custa caro - de R$ 35 bilhões a R$ 45 bi de redução de arrecadação - e não está claro como será financiado”, afirmou. Borges lembrou que a proposta de taxar rendas acima de R$ 50 mil é meritória, pois vai na direção de ampliar a progressividade do sistema. “Mas essa correção deveria ser revertida para pagarmos as contas, não para conceder isenção para quem ganha até R$ 5 mil. As pessoas esquecem que quem ganha mais de R$ 6 mil por mês está entre os 10% mais ricos da população. Com isso, não se está beneficiando os mais pobres, porque na prática 80% dos contribuintes no Brasil não vão pagar imposto.” Além disso, descasamento entre a medida de isenção e a fonte de compensação – lembrando que aumento de tributos não é tema fácil de passar no Congresso – só piora a percepção de risco.
Para Borges, a combinação dos dois anúncios reflete certa incompreensão de uma ala do governo de que, ao gerar mais insegurança quanto à trajetória das despesas – e, consequentemente, da dívida pública – cria-se uma conjuntura que prejudica a própria camada mais pobre da população. “Dólar alto eleva a inflação, encarece a cesta básica, faz com que o BC tenha que subir juros e mantê-lo mais alto por mais tempo. É preciso compreender que responsabilidade fiscal é necessária inclusive para a responsabilidade social, para preservar poder de compra dos mais pobres, que são os que mais sofrem quando a inflação sobe.”
Outro fator destacado nas análises foi o de que, além de ser um pacote insuficiente para estabilizar a dívida pública como proporção do PIB, é baixa a probabilidade de que a economia prevista pelo governo se concretize. Além do impacto de fato de cada medida, há o temo de tramitação do pacote. Ao Valor Econômico (todos os links para conteúdos externos podem estar restritos a assinantes dos referidos meios), Manoel Pires, do Centro de Política Fiscal e Orçamento Público (CPFO), ressaltou que, como parte das medidas depende de PEC, o processo legislativo tende a ser mais moroso. Além disso, este ano há na fila de votação a LDO e a regulamentação da reforma tributária na fila. Em 2025 haverá eleição dos presidentes das casas legislativas e das lideranças das comissões, o que joga o início de tramitação para meados de março. “Com isso o impacto fiscal das medidas no ano que vem será bem menor do que foi anunciado, além da natural possibilidade de o Congresso diminuir esse efeito. Provavelmente, em abril o governo discutirá algumas outras medidas de complementação de reforço fiscal.”
Em entrevista ao repórter Luiz Gerbelli para O Estado de S. Paulo Armando Castelar avaliou que a visão – equivocada – do governo pode ter sido a de “comprar tempo” com o pacote anunciado, apoiada na avaliação de baixo risco de que uma crise mais séria aconteça antes das eleições de 2026. Mas avaliou que, se nenhum esforço adicional for feito, há espaço para uma piora dos ativos brasileiros, o que significaria maior desequilíbrio macroeconômico. “Na verdade, o que é surpreendente - e muito se debateu sobre isso ao longo deste ano - é por que uma coisa que era evidentemente insustentável demorou tanto tempo para afetar os preços de uma maneira mais significativa. Só nos últimos meses é que a gente começou a ver essa escalada do dólar, por exemplo”, disse. Mas Castelar lembrou que tampouco o cenário externo se mostrará favorável para garantir essa margem de manobra desejada pelo governo. “Tem um ambiente externo que não ajuda. Há bastante dúvida sobre que o Donald Trump vai fazer”, afirmou.
Em artigo publicado na Folha de S. Paulo, Samuel Pessôa destacou a tendência do círculo mais próximo do presidente Lula em interpretar a reação de preços do mercado como “conspiração de um grupo de traders para desestabilizar o governo”. “O mercado reagiu muito positivamente ao bom desempenho do governo e do ministro Haddad em 2023. Assim, não passa no teste de realidade a ideia de que há um complô do mercado contra o Executivo nacional”, afirmou. “Adicionalmente, mesmo que houvesse um cartel de traders contra a política econômica do atual governo, o mundo é muito grande. Há inúmeros fundos de investimento que poderiam aproveitar as oportunidades de ganho que há no Brasil hoje. O real está muito desvalorizado. Provavelmente uns 30%. A bolsa está baratíssima. Por que o mundo todo não corre para ganhar dinheiro aqui? Claramente os operadores do mundo também enxergam riscos grandes”, destacou, defendendo que tal leitura conspiratória não será boa companheira do governo em suas pretensões de reeleição.
Ao Estadão, Castelar reforçou a tendência de o câmbio pressionar ainda mais os preços. “Muita gente já está prevendo uma inflação de 5% ou mais no ano que vem. O desafio do Banco Central ficou mais complicado. O mercado está precificando uma Selic batendo em 14,5% até o final do ano que vem. Politicamente é não trivial”, disse. “Obviamente, o que o Banco Central precisa fazer para controlar a inflação é segurar a demanda e o que esse pacote fiscal sugere é que esse governo não quer segurar a demanda.”
Em suas contribuições, Borges ressaltou que a medida referente à isenção do IRPF, além de promover incerteza sobre sua compensação, chega em um momento de economia superaquecida (tema da Conjuntura Econômica de outubro), no qual a pauta não deveria conter medidas de estímulo fiscal. “O momento atual não é o mesmo de anos atrás, quando precisamos enfrentar o choque da pandemia, e superar a recessão de 2015/16. Hoje precisamos esfriar a economia para garantir um crescimento sustentável. Risco de expansionismo fiscal em um quadro de desemprego baixo pode gerar mais inflação, juro mais alto, afetando decisões de investimento das empresas, que é o que gera capacidade de crescimento futura”, afirmou.
A Conjuntura Econômica de dezembro publicará em detalhes as análises e recomendações dos pesquisadores da área fiscal, em colaboração para essa desafiadora agenda do governo.
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