Brasil e Estados Unidos: duas histórias sobre a taxa de participação no mercado de trabalho
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Postado por Conjuntura Econômica
Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro
Uma das características particulares do choque sanitário de Covid-19 pandemia foi o aumento significativo das pessoas que saíram da força de trabalho. Redução da oferta de emprego, medo de contágio, mudança na rotina dos lares e transferências governamentais para proteger as famílias estão entre os principais motivos que levaram pessoas no mundo todo a deixar de buscar uma atividade remunerada.
Com o avanço do controle da pandemia em alguns países, e a adaptação de muitas atividades econômicas para funcionarem sob algum nível de isolamento social, a tendência é de que essas pessoas voltem ao mercado de trabalho. Mas em muitas economias esse ritmo tem sido mais lento do que se estimava. No Boletim Macro de junho, esse tema é tratado em dois momentos. José Júlio Senna, chefe do Centro de estudos Monetário do FGV IBRE, mostra que nos Estados Unidos a taxa de participação registrada em maio ainda estava 2,3 pontos percentuais abaixo da verificada antes da pandemia, registrando 61,6%. No período mais crítico da crise sanitária, chegou a 60,2%. Essa recuperação parcial, em descompasso com a retomada da demanda, tem colaborado para pressões salariais que se refletem na inflação. Para Senna, entretanto, esse é um efeito temporário. Ele considera que as três principais forças que atrasam a volta das pessoas ao mercado de trabalho – o medo de contágio; o ensino remoto, que demanda que pais apoiem seus filhos nas aulas; e o generoso seguro-desemprego concedido pelo governo federal às pessoas financeiramente mais atingidas pela crise – tendem a arrefecer no decorrer dos próximos meses. Com o avanço da vacinação, pessoas terão menos receio de retomar suas atividades e as escolas poderão programar sua abertura plena. E o seguro-desemprego terminará em setembro, “eliminando, assim, importante força inibidora da oferta de trabalho”, escreve Senna.
Taxa de Participação mensal do Brasil e Estados Unidos (EUA), em %
Fonte: PNADC mensalizada e Federal Reserve Bank of St. Louis; https://fred.stlouisfed.org/series/CIVPART.
No caso do Brasil, onde a recuperação da atividade ainda não se refletiu na oferta de trabalho no mesmo ritmo, a PNAD Contínua demonstra que no primeiro trimestre deste ano o contingente de pessoas de 14 anos ou mais que estava fora da força de trabalho ainda era 13,7% maior do que no primeiro trimestre de 2020. Na seção Em Foco do Boletim, o pesquisador do FGV IBRE Daniel Duque analisa os fatores que influenciam nesse resultado atualizando um exercício de elasticidade da oferta de trabalho das famílias de acordo com condições do mercado de trabalho e transferências de renda, cuja primeira versão foi publicada em abril de 2020.
Duque demonstra que a ausência do auxílio emergencial no primeiro trimestre de 2021 eliminou o efeito da ajuda governamental entre a população fora da força de trabalho. Mas que, ainda assim, este ano – levando em conta até março, com base na “mensalização” da Pnad Contínua –, a taxa de participação permaneceu praticamente estável em relação ao final de 2020, quando os valores e a cobertura do auxílio já haviam sido reduzidos. O pesquisador considera que, no segundo trimestre, o impacto da nova rodada de auxílio na decisão das pessoas de prorrogar a busca por emprego deverá ser 30% menor do que no final do ano passado, devido a seu menor valor.
Em seu texto, Duque também observou a pressão que a pandemia ainda exerce sobre a oferta de trabalho das mulheres. Ele identificou que, enquanto para mulheres sem criança no domicílio o efeito da pandemia passou a ser zero em termos estatísticos no primeiro trimestre de 2021, para mulheres em cujo domicílio há ao menos uma criança a taxa de participação observada foi 3,1 pontos percentuais menor em relação aos homens.
Na conclusão geral, Duque aponta que, ainda que prevaleça uma tendência a estabilidade, há um viés positivo para a taxa de participação no segundo trimestre do ano, para o qual contribuem especialmente o aumento da vacinação e a reabertura de escolas, que ajudam a puxar a oferta de trabalho das mulheres para cima.
Taxa de Participação “autônoma” em relação ao primeiro trimestre de 2020
Fonte: Elaboração Própria com PNADC e PNAD Covid-19.
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