“A barra hoje é muito mais alta para BCs e governos voltarem a socorrer o mercado”, afirma Roberto Campos Neto
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Postado por Conjuntura Econômica
Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro
Em apresentação no evento de inauguração da nova sede da Escola de Economia de São Paulo (FGV Eesp), o presidente do Banco Central Roberto Campos Neto afirmou que o panorama externo aponta a um cenário de manutenção da volatilidade. Para Campos Neto, a forte reação aos sinais de uma possível recessão nos Estados Unidos foi a precificação de que, na conjuntura atual, a probabilidade de bancos centrais e governos irem ao socorro dos mercados agora é menor.
Campos Neto lembra que o quadro fiscal dos países está pior do que antes da pandemia. “Se tomarmos EUA, Europa e Japão, que representar dois terços da dívida soberana mundial, vemos que além de essa dívida ter ficado 25% maior desde a pandemia, o custo de rolagem é ficou três vezes maior, saltando de 1% para pouco menos de 4%”, disse, apontado que isso gera um efeito acumulado em liquidez que já começa a se refletir na capacidade de financiamento de países de baixa renda.
No caso dos Estados Unidos, destacou que a tendência é de manutenção de uma política expansionista, independentemente do candidato vencedor, ainda que seja mais acentuada com Donald Trump. Os cálculos sobre o impacto de medidas como aumento de tarifas de importação e de mudança na política migratória apontam um resultado fortemente inflacionário, acrescentou Campos Neto. Estudo do Peterson Institute, por exemplo, indica que a deportação de 1,5 milhão de imigrantes levaria a um impacto de 0,5 ponto percentual na inflação em 2026, posteriormente decrescente. Em campanha, o candidato chegou a mencionar a deportação de 7,5 milhões. Há também reflexos no crescimento. O mesmo instituto aponta que um aumento nas tarifas de importação de 60% par a China e 10% aos demais países poderia implicar um impacto de até 1,8 ponto percentual no PIB americano. “Já os últimos movimentos dos BCs na compra de muitos títulos resultaram em grandes perdas no balanço com a alta dos juros. Na Suíça, por exemplo, chegaram a perder 17% do PIB com a compra de títulos privados. Isso faz com que a barra para uma futura intervenção similar seja bem mais alta. Isso é um dos motivos que levam a crer em mais volatilidade para frente”, afirmou.
O presidente do BC afirmou que a inflação nas principais economias continua na rota de convergência à meta, ainda que em ritmo mais lento, destacando ainda uma menor sincronia nos ciclos de quedas de juros, o que também contribui para um aumento da volatilidade. “Será preciso atravessar os ruídos olhando para os fundamentos”, diz. Campos Neto também sugeriu atenção ao efeito do forte desmonte de carry trade com a alta de juros no Japão, que levou à vertiginosa queda da Bolsa na primeira segunda de agosto. “Pegou-se muito dinheiro emprestado no Japão para fazer investimentos em outros países entendendo que a taxa era muito baixa e a moeda estável, numa arbitragem que achavam que se sustentaria por mais tempo. Mas estudos mostram que dois terços desse carry trade já foi desarmado, mas não vamos ainda quanto foi feito por instituições não-financeiras”, disse, destacado que o que se viu foram perdas acentuadas.
Quanto à China, Campos Neto alertou para os impactos que um aumento de barreiras tarifárias poderá representar para o crescimento dessa economia, na qual as exportações ganharam maior relevância. “Essa mudança de modelo do consumo para a exportação, com uma política industrial voltada para a eletrificação, dependerá da reação comercial dos demais países, como já vimos nos Estados Unidos e Europa, com aumento das tarifas de importação”, afirmou, indicando estimativas que apontam um impacto de até 2,5 ponto percentual no PIB chinês, resultante de barreiras tarifárias. “Isso tem forte implicação para os preços de commodities e nas economias emergentes”, alertou.
Sobre o Brasil, Campos Neto destacou que a inflação acima da meta e a expectativa desancorada ainda são fatores de preocupação, mas defendeu que a mensagem do BC, “inequívoca e consensual”, é de realizar essa convergência. “Independentemente de quem seja o presidente, isso está sedimentado”, afirmou. “Temos feito o máximo possível para mostrar um grupo coeso e técnico, pois o BC agirá sempre de forma técnica. Obtivemos autonomia para isso.” Ele ainda afirmou que, no campo fiscal, o BC reconhece o esforço de ajuste feito pelo governo, mas que é preciso observar a dinâmica para frente. “Se esse esforço for mostrado de forma mais clara, o prêmio de risco tende a diminuir”, afirmou, dizendo que o quadro fiscal “às vezes não é tão bom quanto parece, mas as vezes também não é tão ruim”. “Tem muito exagero no que tem sido dito. Mas o Brasil precisa fazer um esforço extra, olhando o médio prazo, para fazer com que as pessoas acreditem que teremos convergência de dívida.”
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