Aprimoramento de práticas ESG também é preocupação do setor de saneamento

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Nos últimos anos, a pauta ESG – que envolve a preocupação ambiental, social e de práticas de governança – chegou ao mercado financeiro com força, pautando decisões de investimento e ganhando espaço em uma das frentes basilares para sua consolidação rumo a um mundo ambientalmente sustentável, que também preza pelo bem estar social e negócios tão saudáveis quanto. Em nível global, esse mercado já alcançou o trilhão de dólares. No Brasil, a consultoria Natural Intelligence (NINT) aponta que em 2021 as operações emitidas no país com rótulo sustentável somaram R$ 86 bilhões, ante R$ 29 bilhões em 2020. Outro levantamento, feito pela Morningstar, ilustra que, dentro da indústria de fundos, mais da metade dos valores movimentados em 2020 no país se deu a partir de produtos criados em menos de um ano da data da captação. Apesar desses bons sinais, é um mercado que ainda está em formação, e que depende do aprimoramento contínuo das definições em torno de práticas ESG para consolidar seus resultados. Bem como para criar resiliência a um contexto macroeconômico mais desafiador adiante, especialmente nas grandes economias, onde sinais de desaceleração econômica são considerados diante do possível risco de investidores saírem à busca de portfólios mais conservadores. 

A preocupação quanto ao aprimoramento desse mercado é transversal e inclui mesmo os setores naturalmente relacionados a valores ESG, como o saneamento, cuja atividade está diretamente relacionada à entrega de melhorias ambientais e sociais. E que no Brasil promete ser um grande atrator de investimentos nos próximos anos, para cumprir a meta de universalização dos serviços de água e esgoto presente no marco legal aprovado em 2020. “Claro que a agenda de saneamento é extremamente fundamental para qualquer padrão de desenvolvimento. Mas as companhias e concessionárias de saneamento também podem fazer uma entrega de impacto positivo com práticas arcaicas, defasadas, que podem ser negativas do ponto de vista de gestão de governança, de risco ambiental e climático. Ou seja, é preciso ter cuidado em diferenciar as entregas de efetividade, eficácia e resultado da agenda de saneamento daquilo que é o que se espera de práticas de gestão adequadas à realidade do setor”, afirma Nabil Kadri, chefe do departamento de Meio Ambiente do BNDES, responsável pela gestão do Fundo Amazônia.

Em webinar promovido pelo FGV Ceri  na semana passada, com moderação do pesquisador Luiz Firmino, do Ceri, Kadri ressaltou que empresas de saneamento com práticas de gestão e processos mais bem desenhados, transparentes e funcionando em geral têm mais facilidade em conseguir interface com o setor financeiro para a captação de recursos. “Hoje o mercado é extremamente exigente com relação a boas práticas ESG. Isso significa financiamento a custos mais baixos, com melhores fontes, condições e prazos”, reforça Marilene Ramos, diretora de sustentabilidade da Águas do Brasil. A empresa é uma das mais  antigas concessionárias de saneamento privadas do país, com concessões no Rio de Janeiro desde 1998. No ano passado, dobrou sua área de cobertura ao vencer o leilão do Bloco 3 da estatal de saneamento Cedae, que envolve 19 municípios fluminenses e 22 bairros da zona oeste da capital. “Com essa ampliação, a empresa identificou a necessidade de reforçar sua área de sustentabilidade, implementando um plano estruturado de ação ESG”, diz Marilene. “Na medida em que a organização e as nossas concessionárias são percebidas como empresas que atuam dentro desses parâmetros, a relação com consumidores, o entendimento do serviço que prestamos e a retribuição com o pagamento das contas se dá em uma relação de maior respeito. Ainda que se trate de uma atividade monopolista – já que o cliente não tem opção entre prestadores de serviço de água e esgoto para sua casa ou empresa – é importante cuidar dessa relação”, afirma.

A abrangência de áreas que podem fazer parte de uma ação é ampla, e por isso os especialistas alertam para os cuidados que devem ser tomados na hora da estruturação de um plano ESG. “O nome técnico para essa abordagem é materialidade. Cada setor e empresa tem que ter cuidado de fazer sua matriz de materialidade, ou seja, identificar quais os temas têm mais aderência ao seu negócio, maior probabilidade de ocorrência e maior risco no segmento em que está atuando”, descreve Kadri. “Sem fazer essa avaliação, corre-se o risco de se perder em tantos assuntos e ter problema da paralisia”, diz. Ou, ainda o risco de ser acusada de greenwashing, no sentido de esconder um problema propagando ações sustentáveis em outras áreas do ESG. “Por exemplo, é muito importante trabalhar princípios de igualdade de gênero, mas não se pode investir toda a estratégia da empresa nessa temática se ela está poluindo a Baía da Guanabara. É preciso identificar corretamente onde colocar mais energia institucional, pois é onde tem maior impacto. Isso poupa tempo, recursos e vai otimizar resultados”, afirma

“Muitas vezes, as melhores práticas para uma empresa de celulose não são as mesmas que para uma de saneamento. E nem sempre as consultorias estão capacitadas a ler cada segmento adequadamente”, reforça Marilene. Ela cita iniciativas como a criação do ABES ESG Index, da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental, cuja metodologia pode servir como base de avaliação das práticas de companhias de saneamento que operam no Brasil. “É uma iniciativa importante lançada este ano. Ainda pode ser aprimorada, mas já nos permitirá submeter as empresas a uma mesma metodologia, avaliar com uma mesma régua, sem precisar se valer de padrões importados que nem sempre se adequam à nossa realidade”, afirma. 

Com base nas tendências de projetos que hoje obtêm financiamento sob o selo verde, Kadri afirma que há duas tendências principais que ajudam a identificar as expectativas dos investidores no setor. “A primeira delas é a opção de alguns agentes financeiros e investidores em optar por certos tipos de projetos específicos”, diz, exemplificando o caso europeu de investimento em produção de gás em estações de esgoto. “Outra tendência grande, não só de crédito direto, mas quando se fazem emissões de títulos com selo de ou títulos verdes, green bonds, que invariavelmente vão exigir que práticas estejam sendo executadas, algumas certificações, relatorias, transparência.”

Para Marilene, no Brasil um ponto de partida na área ambiental do tripé ESG é a dedicação à questão das perdas e da vulnerabilidade às mudanças climáticas em termos do impacto sobre a disponibilidade hídrica. “O setor de saneamento brasileiro é um dos que mais perdem água no mundo. Depois de tratar a água, processo que consome produtos químicos e mão de obra, ainda há uma perda de 40% dessa água captada. O próprio marco legal impõe a meta de se reduzir esse percentual a 25% até 2033”, diz. No pilar social, Marilene ressalta a importância de uma política adequada para os trabalhadores – tratando de diversidade, saúde e segurança no trabalho, entre outros – mas também o trabalho de educação ambiental e sanitária em comunidades pobres atendidas, garantindo a estas uma tarifa social compatível com sua capacidade de pagamento. “É importante que o caminho da universalização não seja limitado pela falta de capacidade de pagamento por um serviço”, ressalta. Ela lembra que contratos de concessão em geral estipulam um percentual da população assistida com direito a tarifa social. “Quando o percentual é maior, temos que garantir seu enquadramento a essa tarifa, e depois negociar reequilíbrio de contrato. E ainda há casos de comunidades em que sequer a tarifa social pode ser cobrada”, diz.

No campo da governança e compliance, Kadri indica que um bom começo para se estruturar um plano de ação é atentar às normas ISO referenciais a governança corporativa, lembrando que são feitas para atender a empresas em geral. “Os padrões de desempenho do IFC, é braço de apoio privado do Banco Mundial, são internacionalmente reconhecidos e podem ser um bom aporte”, diz. Além das diretrizes que constam nos novos documentos que surgem, como o ABES ESG Index, que colaboram para a consolidação desse arcabouço de práticas para as empresas do setor.

 


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