“Apesar de o Brasil se apresentar como líder nas questões climáticas, falta uma estratégia única”, diz Cristiane Alkmin Schmidt
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Postado por Conjuntura Econômica
Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro
A expansão das queimadas no Pantanal – de acordo ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), até 23 de junho registrou-se 33% mais focos de incêndio na região do que em 2020, que foi o pior ano –, somam-se evidências de que o Brasil não avançou em seu preparo para enfrentar eventos extremos, que tendem a ser mais frequentes por conta das mudanças climáticas. Para além de sua vantagem comparativa global como produtor de energia renovável, consolida-se o diagnóstico de que em muitas frentes, entre as quais a prevenção, o país ainda não tem uma política clara para liderar a imperativa agenda para frear o aquecimento global.
Em artigo publicado na Conjuntura Econômica de junho (leia aqui), a economista Cristiane Alkmin Junqueira Schmidt, ex-secretária adjunta de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, e ex-secretária de Economia de Goiás, defendeu que falta ao Brasil uma estratégia única que promova a consistência e governança necessárias para um plano nacional de combate às mudanças climáticas. Parte desses tropeços, ilustra, não são exclusivos do país, citando exemplos como a persistência dos subsídios a combustíveis fósseis – em 2022, de acordo ao FMI, foram US$ 7 trilhões em nível mundial – além da volta de medidas protecionistas, como a intensificação da guerra comercial entre Estados Unidos e China, com a elevação de tarifas de importação para produtos como carros elétricos e chips para painéis solares produzidos na China. Tal como debatido com Luciana Costa, diretora do BNDES, em entrevista à Conjuntura Econômica, ainda que o mundo inteiro esteja exposto aos efeitos do aquecimento global, a transição energética tem suscitado uma reação mais competitiva do que comparativa entre os grandes atores nesse tabuleiro, devendo resultar em passos atrás nessa corrida em que todos já partiram atrasados.
Cristiane lembra que, diferentemente do que acontece em boa parte do mundo – que necessita reduzir a participação de fontes não-renováveis na matriz energética, o Brasil já tem predominância das renováveis: enquanto as matrizes energética e elétrica do Brasil são compostas por 48% e 84% de renováveis, lembra, no mundo estes números são de 15% e 34%. Mas há desafios na substituição da matriz em muitas indústrias que hoje funcionam, por exemplo, a carvão e diesel, além da clara necessidade de “políticas peremptórias que devem alvejar o desmatamento, as queimadas e as políticas adaptativas”, afirma. “O país possui uma miríade de leis descoordenadas, sem metas e estratégias bem definidas e com resultados duvidosos”, aponta, citando, entre outras, a Política Nacional do Meio Ambiente, a Política Nacional sobre Mudança do Clima, a Política Nacional de Resíduos Sólidos, a Política Nacional de Recursos Hídricos, a Política Nacional de Saneamento, a Política Energética Nacional e a Política Nacional da Biodiversidade. “Além disso, conforme o Observatório do Clima, observa-se 25 projetos de lei no Parlamento questionáveis. É o caso do PL 364/2019, que elimina a proteção da vegetação nativa, do PL 1282/23, que libera obras de irrigação em áreas de proteção, do PL 3334/2023, que reduz de 80% para 50% a reserva legal na Amazônia, e do PL 2159/2021, que torna o licenciamento ambiental auto declaratório.”
Não é só. Cristiane ainda lembra que a transição ecológica também deve estar presente nas diretrizes, por exemplo, relativas à urbanização, e que não se limitam à mobilidade urbana. “Há que se adaptar a infraestrutura das cidades, tornar as edificações mais limpas e ter uma urbanização sustentável. Em vez disso, nota-se loteamentos ilegais, ausência de leis de zoneamento ecológicos, com plano de adaptação climática que indique remoção de casas, obras em encostas, dragagem, novos gabaritos para construção, planos de gestão de risco”, enumera. Para ilustrar, cita levantamento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) indicando que 10 milhões de brasileiros vivem em áreas suscetíveis a desastres, “sendo que 25% moram em locais de alto risco e de vulnerabilidade, onde encostas e margens de rios são tomadas por moradias precárias”. Além disso, menos de 2% dos municípios têm planos de ação.
Nessa lista de preocupações, Cristiane ainda acrescenta o necessário avanço na cobertura dos serviços de água e esgoto, destacando que “em uma das cidades-sede da COP30, que ocorrerá em 2025, Ananindeua (PA), moradores recorrem a poços artesianos, tendo o município apenas 43% das pessoas têm saneamento adequado, segundo o Instituto Trata Brasil e dados do SNIS”. Também, as políticas ambiental e urbanística do Micha Casa Minha Vida (MCMV), do governo federal, destacando exemplos de projetos passados em que, devido à localização escolhida, conjuntos habitacionais abriram espaço para problemas de saneamento, degradação de mananciais e aumento de invasões, deteriorando as condições de vida daquela população.
“A verdade inconveniente é que o país, apesar de se apresentar mundialmente como líder no tema, não faz o básico para a população e o jogo político tem se sobreposto às vidas dos brasileiros”, afirma Cristiane. Para virar esse jogo, defende, será preciso melhor coordenação, guiada por uma estratégia única.
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