A agenda da mobilidade urbana nas grandes cidades brasileiras
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Postado por Conjuntura Econômica
Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro
Uma das agendas mais complexas para os prefeitos de grandes cidades brasileiras é a do transporte público coletivo, que combina o imperativo por soluções menos poluentes, atendendo à agenda de combate às mudanças climáticas, com uma perda de passageiros que se agravou depois da pandemia e compromete o equilíbrio operacional do sistema. A Conjuntura Econômica de fevereiro, que irá ao ar esta semana, trata desse e outros desafios que deverão surgir na agenda de debate das eleições municipais. A matéria aponta, por exemplo, que no caso dos ônibus um levantamento da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) em nove capitais brasileiras mostra, por exemplo, que em 2022 o volume de passageiros transportados por esse modal (calculado por um índice de passageiros equivalentes transportados por quilômetro) ainda estava 24,4% abaixo de 2019. Mesmo com sinais de lenta recuperação da demanda em 2023, as projeções são de um nível de passageiros transportados ainda abaixo do pré-pandemia. A frota também encolheu: na última década, encolheu 25%, atingindo o menor nível desde abril de 2013, ano marcado por movimentos sociais cujo estopim foram exatamente as reivindicações por redução de tarifas e melhorias no transporte público.
“Ainda não sabemos quanto dessa perda se deve ao aumento do trabalho e estudo remotos. Mas também há uma parte da população que migrou para o transporte individual, especialmente o motorizado, que não voltou”, diz Ciro Biderman, diretor do FGV Cidades, que exerceu como chefe de gabinete da Companhia de Trânsito de São Paulo (SPTrans) de 2013 a 2015. Biderman aponta que esse quadro tornou o equilíbrio do sistema ainda mais complexo, com um aumento de municípios que passaram a subsidiar esse transporte de forma permanente. De acordo à NTU, de 2.703 municípios atendidos por serviços organizados de transporte público por ônibus em todo o país, em 2023 foram identificados 63 sistemas – que que atendem 163 municípios, devido à abrangência metropolitana – que operam subsídios definitivos. Somente no ciclo 2021–2022, esse número havia saltado de 25 para 51 sistemas. Em todos os casos, a fonte de recursos são os orçamentos municipais ou estaduais. Diferentemente de outros países que contam com subsídios para transporte coletivo, a NTU ressalta que no Brasil não há a exploração de fontes extratarifárias para amortizar esse custo – como a exploração de estacionamentos rotativos, tipo de subsídio cruzado via taxação da utilização do transporte individual motorizado. A NTU defende o avanço de um sistema de subsídio, e propostas de um novo marco legal para o setor prevêem uma separação tarifária que abriria espaço para a adoção do mesmo de forma mais ampla. Há outros projetos que tratam do tema, como o da PEC 25/2023, que institui o Sistema Único de Mobilidade (SUM) e prevê gratuidade nos transportes públicos coletivos, que seriam financiados pela taxação sobre o uso do transporte individual motorizado.
Planejamento multimodal e metropolitano
“Subsídios podem até ser necessários, mas não trarão os passageiros de volta; isso quem faz é a oferta de um transporte de qualidade”, diz Biderman. Para ele, equacionar esse desafio demanda um planejamento adequado e integrado entre municípios, em caso de regiões metropolitanas - importante até mesmo para as decisões relacionadas a outra demanda urgente dentro da mobilidade urbana: a ambiental. “Antes mesmo de tratar, por exemplo, do incentivo aos carros elétricos, é preciso recuperar a participação do transporte coletivo”, defende.
Para ilustrar, Biderman destaca estudo da FGV Cidades elaborado com dados de pesquisas sobre origem-destino de passageiros em São Paulo que compara as emissões diárias de dióxido de carbono equivalente (CO2e) de diferentes modais. Enquanto automóveis, táxis e motos, ou seja, o transporte individual motorizado (TPI) representavam 33,4% das viagens e 75,4% das emissões em carbono equivalente, os ônibus eram responsáveis por 23,7% das emissões e 27,1% das viagens. “Fazendo uma conta simplista podemos dizer que um aumento de 1% no total de passageiros no TPI gera um aumento de 2,26% nas emissões de gases do efeito estufa, enquanto um aumento de 1% no transporte por ônibus gera um aumento de 0,87% das emissões. Portanto, deslocar 1% de passageiros do TPI para o ônibus geraria uma redução líquida de 1,38% nas emissões”, compara o texto. “Nesse estudo, tratava-se de uma frota de ônibus movida a diesel – tampouco se tratava de diesel verde ou frota elétrica. Isso deixa claro que ampliar a adesão ao transporte coletivo produz um ganho muito maior do que o de eletrificar automóveis de passeio”, diz.
Biderman afirma que uma tendência que também poderá ser explorada pelos municípios futuramente é a de integrar o transporte por aplicativo ao sistema de transporte público. “É um arranjo que já começou a ser testado na Finlândia e está em estudo em Berlim, Alemanha. Consiste em trazer a lógica do aplicativo, não necessariamente as empresas de transporte por aplicativo, para o sistema público”, diz. “Dessa forma, uma pessoa que tomou um transporte por aplicativo como última milha e depois pegou um ônibus terá desconto na passagem, e ambos estarão integrados”, explica, indicando que isso implica, de partida, uma mudança no sistema de bilhetagem.
“Há um estudo sendo concluído para Porto Alegre (RS), com a alteração na bilhetagem – que contempla essa lógica de viagem integrada, com pagamento via celular –, mas que ainda não chegou ao segundo passo, de incluir o transporte por aplicativo”, diz Biderman, defendendo o potencial do sistema. “A mobilidade urbana mudou, e o serviço que precisamos oferecer hoje precisa de mais flexibilidade do que o que conseguimos oferecer”, diz, indicando que há experiências que incluem ônibus sob demanda – em que as paradas são mais flexíveis, com o passageiro indicando por celular sua localização, e o embarque acontecendo mais próximos de onde o passageiro está. “Ainda falta comprovar os limites desse modelo, mas considero que o futuro é nessa direção”, conclui.
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