Retomada do trabalho inclui algumas tendências promissoras

Luiz Guilherme Schymura, pesquisador do FGV IBRE e doutor em Economia pela FGV EPGE

Muitos analistas, mirando a queda do desemprego, a alta da população ocupada (PO) e a elevação do salário real ocorridas recentemente no Brasil, apontam que o mercado de trabalho nacional passa por um momento aquecido. Economistas do FGV IBRE (Fernando de Holanda Barbosa Filho, Fernando Veloso, Paulo Peruchetti e Janaína Feijó) que lidam com o tema, no entanto, chamam a atenção para o fato de que, para além do momento ciclicamente intenso do mercado de trabalho, há novidades bastante positivas, como o aumento da formalização e um melhor perfil educacional dos trabalhadores explicando parte relevante da elevação real da renda.

A taxa de desemprego brasileira caiu fortemente após a pandemia, surpreendendo mesmo os mais otimistas. Em particular, a taxa de desemprego saiu de 14,8% no trimestre móvel encerrado em abril de 2021 para 7,9% no trimestre móvel encerrado em março de 2024.

Embora parcela dessa redução da taxa de desemprego tenha decorrido do recuo da taxa de participação, o aumento da população ocupada (PO) tem sido um aspecto bastante positivo do mercado de trabalho. A PO caiu de 94,7 milhões no trimestre até fevereiro de 2020, logo antes da pandemia, para um mínimo de 82,6 milhões no trimestre até agosto de 2020, mas voltou a subir e registrou 100,2 milhões no trimestre até março de 2024.

Para obter uma visão mais apurada do grau de aquecimento do mercado de trabalho, os economistas do IBRE utilizaram a razão entre PO e PIA. Por essa ótica, o mercado de trabalho brasileiro no período 2012-2014, com relação à PO-PIA, que atingiu um pico de 58,5% no trimestre móvel encerrado em dezembro de 2013, estava mais aquecido do que no período atual, cujo pico foi de 57,6% no último trimestre de 2023. No trimestre de janeiro a março de 2024, a razão foi de 57%.

Indo além da geração de postos de trabalho, os pesquisadores chamam a atenção para a alta recente dos empregos formais, um desdobramento bastante positivo do mercado de trabalho nacional. Além dos empregos com carteira assinada dos trabalhadores domésticos e do setor privado, a categoria formal considerada nesta Carta inclui militares, servidores estatutários, servidores públicos sem carteira, trabalhadores por conta própria com CNPJ e empregadores com CNPJ. Já a categoria informal é composta por empregados sem carteira no setor privado, empregados domésticos sem carteira, trabalhadores por conta própria sem CNPJ, empregadores sem CNPJ e trabalhadores familiares auxiliares.

Após a queda drástica da PO provocada inicialmente pela pandemia, os empregos informais, que haviam sido os mais afetados pelas quarentenas, foram os de maior recuperação. Porém, em seguida, entre meados de 2021 e meados de 2022, os empregos formais e informais dividiram o protagonismo e, daí em diante, o grande destaque ficou por conta dos postos de trabalho formais. Dessa forma, em março de 2024, enquanto o número de empregos informais estava 4,9% acima do nível pré-pandemia (fevereiro de 2020), os formais cresceram 9,4% no mesmo período.

Essa configuração de saída da pandemia contrasta fortemente com o ocorrido após a recessão de 2014-2016, quando a retomada foi puxada pelos empregos informais, enquanto a perda de postos de trabalho durante a recessão se deu mais no setor formal. Segundo os economistas do FGV IBRE, havia uma tendência de “demissão formal e contratação informal”, mas esse quadro mudou radicalmente na saída da crise da pandemia, com o novo protagonismo dos empregos formais.

O crescimento da população ocupada entre o quarto trimestre de 2016 e o quarto trimestre de 2019, aproximadamente três anos após o fim da recessão de 2014-2016, foi de 5,9%. Deste salto, 4,1 pontos percentuais (p.p.) foram por conta das ocupações informais, e apenas 1,9 p.p. por conta das formais. Nesse período as ocupações com carteira assinada, particularmente, contribuíram negativamente para o crescimento total do emprego em relação ao quarto trimestre de 2016.

Considerando o período pós-pandemia, no primeiro trimestre de 2024 a população ocupada era 4,7% maior do que no quarto trimestre de 2021. Esse avanço da PO foi explicado integralmente pelo avanço do emprego formal, predominantemente com carteira assinada.

O bom desempenho do mercado de trabalho também pode ser percebido nos dados do Caged do Ministério do Trabalho, base de dados dos contratos de trabalho com carteira assinada (CLT). Tomando-se os números dos primeiros trimestres de cada ano, percebe-se que, em 2024, o mercado de trabalho formal tem surpreendido positivamente. Enquanto no primeiro trimestre de 2021 foram geradas 806 mil vagas, em 2022 e 2023 esse número baixou para 621 e 537 mil vagas, respectivamente. Já em 2024 foram criadas 719 mil vagas somente nos três primeiros meses do ano – número superior ao observado no ano passado, período de normalização do mercado de trabalho, e ao observado em 2022, período de saída da crise causada pela pandemia de Covid-19.

Na visão dos economistas do FGV IBRE, o fato de a reação do emprego formal acontecer não muito depois de promulgada a reforma trabalhista de 2017 é um possível indício de que a mudança foi bem-sucedida no propósito de estimular o mercado de trabalho. Eles lembram que estudo de 2022 de Raphael Corbi, Rafael Xavier Ferreira, Renata Narita e Danilo Paula de Souza, pesquisadores da USP e do Insper, indicou expansão do emprego formal em função da redução do número de processos na Justiça do Trabalho decorrente da reforma trabalhista. Especificamente, os custos advocatícios das empresas em litígios trabalhistas foram transferidos para o trabalhador que entrou com a ação na Justiça, caso este tenha sido derrotado.

Os economistas do IBRE também analisaram a evolução do saldo do Caged desde 2020 por tipo de contrato, e não acharam evidência de que o dinamismo do trabalho formal esteja acontecendo nos novos tipos de contrato criados pela reforma trabalhista. O contrato intermitente, por exemplo, representou apenas 2,9% do saldo formal de empregos no primeiro trimestre de 2024. Assim, permanece como hipótese mais provável que o impulso da reforma trabalhista ao emprego formal esteja ligado à redução de custos das modalidades tradicionais de contratação já existentes quando a mudança foi promulgada (como a referida transferência de custos para trabalhadores que perdem ações).

Uma última evidência de expansão do mercado de trabalho formal apresentada pelos pesquisadores do FGV IBRE é o aumento dos pedidos de seguro-desemprego que, no acumulado em 12 meses, saltaram de um mínimo de 5,877 milhões em julho de 2021 para 7,2 milhões em março de 2024. Pode parecer paradoxal, mas o seguro-desemprego é pró-cíclico no Brasil, e os pedidos aumentam quando a economia se aquece. A razão é que, quando os trabalhadores percebem que o mercado de trabalho está robusto, há tendência a pedirem demissão para buscar melhores oportunidades. Evidentemente, há um problema de desenho do programa, mas isso seria tema para um outro artigo. De qualquer maneira, como o seguro-desemprego só existe para o emprego formal, o sinal de aquecimento só pode se dar em relação a esta parcela do mercado de trabalho.

A parte final da análise da conjuntura atual do mercado de trabalho pelos economistas do FGV IBRE foca nos rendimentos. O rendimento habitual real do trabalho subiu de um mínimo de R$ 2.756 no trimestre outubro-dezembro de 2021 para R$ 3.123 no primeiro trimestre de 2024, uma alta de 13%. Nesse último trimestre, o crescimento do rendimento habitual real em 12 meses foi de 4,7%, com alta de 4,0% ante o mesmo trimestre do ano anterior.

Os economistas do FGV IBRE, no entanto, verificaram que parte importante da elevação recente dos salários deriva de mudança na composição educacional da população ocupada. Tomando-se o quarto trimestre de 2023 contra o quarto de 2022, 37,4% da alta da renda real derivou da melhora educacional. Dessa forma, nem toda a alta da renda provém do aumento do salário real em si para um trabalhador do mesmo nível de educação, mas pode refletir também o fato de que em média os trabalhadores ampliaram a escolaridade.

Num exercício contrafactual em que a composição educacional dos trabalhadores é fixada sempre no mesmo padrão (isto é, a PO não se torna gradativamente mais escolarizada), o rendimento habitual médio seria de R$ 2.888 no quarto trimestre de 2023. Já os indicadores oficialmente divulgados, incluindo a melhora educacional, apontam R$ 3.031,62 no quarto trimestre de 2023.

Em conclusão, nota-se que a recuperação do mercado de trabalho no período pós-pandemia exibe alguns aspectos muito positivos, como o protagonismo do mercado formal – numa evolução notável ante a recuperação pós crise de 2014-2016, puxada pelas ocupações informais – e a melhora da composição educacional da mão de obra, levando à ampliação da renda. Parte desses avanços pode estar ligada à reforma trabalhista de 2017, e essa questão, incluindo mensuração e maior detalhamento dos efeitos, se constitui numa importante agenda de pesquisa econômica sobre o mercado de trabalho nacional.

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O texto é resultado de reflexões apresentadas em reunião por pesquisadores do IBRE. Dada a pluralidade de visões expostas, o documento traduz minhas percepções sobre o tema. Dessa feita, pode não representar a opinião de parte, ou da maioria, dos que contribuíram para a confecção deste artigo.

Publicada na edição de maio de 2024 da revista Conjuntura Econômica.

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