Edição de dezembro de 2023

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Nota do Editor

O PIB do terceiro trimestre não trouxe grandes surpresas. Já se esperava que a economia fosse desacelerar. O crescimento de 0,1% divulgado pelo IBGE ficou acima das expectativas do mercado que apontavam, em média, um recuo de 0,3%, bem acima do que projetava o Boletim Macro FGV IBRE, de menos 0,1%. Com o resultado e as revisões feitas nos números dos dois últimos anos, o Boletim estima um crescimento do PIB este ano de 2,9%. Mas tudo vai depender do que vai acontecer neste último trimestre que não tem ido muito bem das pernas.

Com o investimento que não para de cair – recuou mais 2,5% neste terceiro trimestre –, e uma tímida melhora nos indicadores de produtividade, como mostra o Observatório da Produtividade Regis Bonelli, o que tem mantido o PIB em patamar positivo, depois da surpreendente contribuição da agropecuária no primeiro semestre?

Uma vez mais, o consumo das famílias que avançou 1,1%. Para isso contribuíram: a melhora no mercado de trabalho que, na verdade, ainda traz muitas dúvidas entre os economistas que se debruçam sobre o assunto; a renda, turbinada pelos programas sociais, como o Bolsa Família; a queda da taxa de juros, embora ainda permaneça em patamares elevados; os programas de renegociação das dívidas de consumidores, especialmente dos mais pobres. Também deu uma mãozinha o consumo do governo que avançou 0,5%.

Como o investimento desaba, fica difícil prever se a economia continuará crescendo no próximo ano a taxas necessárias para absorver a mão de obra, reduzir as desigualdades, inserir o país nas cadeias globais de produção.

Não vamos mais ter a grande contribuição da agropecuária. Pelo contrário: secas e chuvas em excesso, já comprometem safras de soja e podem atrasar o plantio do milho – a chamada safrinha, que na verdade representa 70% do milho produzido. A questão fiscal ainda é uma enorme pedra no sapato, quadro que pode piorar com as eleições do próximo ano, quando sempre se gasta mais do que se arrecada. O grande risco é que o governo lance mão de instrumentos para turbinar a economia, como subsídios, isenções, aposta em projetos que não deram certo no passado. Aí, a responsabilidade fiscal vai para o espaço. O risco-país sobe, carregando a tiracolo a inflação, os juros, a incerteza.

Outro flanco que o governo quer ressuscitar é a indústria. O governo Lula tem planos de impulsionar o setor industrial que perdeu enormes fatias no PIB ao longo dos últimos anos, como um dos instrumentos para ajudar a engordar a atividade econômica. O que é louvável, já que nesse mundo globalizado, que, na verdade, não sei quanto tempo vai durar, não podemos ficar presos só como exportadores de commodities, com uma indústria cada vez mais sucateada, com raras exceções. No ano passado, o Brasil liderou as exportações mundiais de alimentos industrializados em volume, superando os Estados Unidos, graças à produção agrícola. Os dados são do FGV IBRE, do Icomex e da Abia (com o título Commodities fortalecem a indústria e Brasil vira “supermercado do mundo”, a Folha publicou extensa matéria sobre o assunto do jornalista Fernando Canzian no último dia 10 – acesso só para assinantes).

Quando participo de encontros com economistas, geralmente se faz uma comparação com o processo de industrialização ocorrido na Coreia do Sul, que deu resultado, com as várias tentativas que fizemos por aqui, todas praticamente fracassadas. Fica difícil elencar os exemplos que deram certo. Sempre citam os mesmos: Embraer e Embrapa. Na Coreia do Sul, além do programa de industrialização ter prazos e regras rígidas – ao contrário do que foi feito por aqui –, e de uma forte interação entre universidade e iniciativa privada, o país investiu fortemente na educação e tem um nível de poupança da ordem de 34%, duas vezes maior que a nossa que anda pela casa dos 17% do PIB. São universos completamente diferentes. Perdemos nossa competitividade comparativa, pela baixa produtividade do trabalho.

Lembro disso pelos lamentáveis resultados do Pisa, principal avaliação básica feita no mundo para a área de educação, que foram divulgados pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), referentes a 2022. Sete a cada dez estudantes brasileiros não conseguem fazer contas simples, equações consideradas elementares, calcular distância entre dois locais. O baixo desempenho dos alunos brasileiros em matemática é de 73%, ante os 31% dos países da OCDE.

Também ficamos muito mal na fita em português e ciências. Metade dos estudantes tem dificuldades para entender o que lê e 55% não compreendem os conceitos mais elementares de ciências. Estamos entre os 20 piores num ranking de 81 países.

E as notícias ruins na educação não param. O IBGE divulgou uma série de dados sobre o nível educacional da população brasileira, referentes ao ano passado: dois em cada cinco brasileiros, entre 25 a 64 anos, não concluíram a educação básica obrigatória, o que representa 41,5% da população. É mais que o dobro da média dos países da OCDE, que em 2021 foi de 20,1%. Nessa mesma faixa etária, apenas 20,7% concluíram o ensino superior.

Entre os 25 e 34 anos, o percentual de quem concluiu o ensino superior foi um pouco maior, de 23,4%, mas ainda bem abaixo da média da OCDE em 2021, que foi de 46,9%, e inferior à de alguns dos países latino-americanos, como México, Colômbia, Chile. E há 10,9 milhões de jovens, de 15 a 29 anos, que não estudavam nem estavam trabalhando no ano passado, o que representou 22,3% da população estimada para essa faixa etária, da ordem de 48,9 milhões de pessoas.

Outro ponto que nos afasta do caminho de um crescimento sustentável e menos desigual, é a área do saneamento básico. Há um programa de universalização do tratamento da água e do esgoto até 2033, mas os recursos disponíveis são insuficientes. Pelo programa, seriam necessários R$ 90 bilhões por ano para se atingir a universalização na data prevista. No Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC, uma das apostas do governo para turbinar a economia, estão reservados algo ao redor dos R$ 15 bilhões. É o que mostra reportagem de Solange Monteiro, desta edição.

E os números são horríveis: hoje, quase 35 milhões de pessoas vivem sem água tratada e quase 100 milhões não têm acesso a tratamento de esgoto. Nas regiões mais pobres, especialmente no Norte, a situação é ainda pior: apenas cerca de 14% da população tem acesso a tratamento de esgoto – no Sudeste este percentual sobe para 82%, seis vezes mais –, e 43% de quem mora no Norte do país tem água tratada. No Sudeste esse percentual sobe para 91%.

É como se vivêssemos em dois países, com profundas desigualdades que se acentuam com o passar dos anos.

E assistimos, impassíveis.

 

Claudio Conceição

 


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