“Teremos que passar pelo purgatório do crescimento baixo para controlar a inflação”

Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro FGV IBRE

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Como espera o início de 2023 do ponto de vista econômico?

Os dados que têm chagado confirmam a desaceleração da economia que esperávamos, comum quarto trimestre mais fraco que o terceiro. Ontem mesmo, o Caged apontou a essa redução de ritmo no mercado de trabalho (os dados de novembro apontam uma geração líquida de 135 mil vagas formais, contra 162 mil em outubro). Isso cria certa pressão do ponto de vista político, quanto à expectativa do novo governo gerar um bom resultado.

Vale lembrar que parte dessa história melhor de 2022 também vem da revisão do PIB de 2021, e fatores temporários que explicaram uma aceleração. Dados do mercado de crédito, por exemplo, mostram esse cenário mais desafiador (a expansão do crédito em 12 meses reduziu 1 ponto percentual em novembro, para 14,7%, e a inadimplência entre pessoas física manteve-se estável em 5,9%, de acordo ao Banco Central).  Internacionalmente, a novidade na conjuntura de desaceleração já esperada é a onda de Covid na China e a decisão do governo em reduzir as medidas de isolamento, trazendo mais incertezas no campo econômico não apenas no campo da demanda, como ficará o mercado de commodities e seus efeitos nos preços, como do ponto de vista da oferta, posto que o processo de acomodação das cadeias produtivas segue incompleto.

O Boletim Macro IBRE de dezembro traz uma revisão para cima da projeção do PIB de 2023, para uma leve alta, de 0,2%. O fator que levou a essa alta pode trazer novas revisões positivas adiante?

Nossa revisão se concentrou essencialmente na atividade do agronegócio, além de levar em conta que em 2022 o PIB acaba mais alto. Apesar de a desaceleração já estar encaminhada, ainda há alguns setores que ainda mostram espaço para crescer, como os serviços públicos, que ainda estão se regularizando, e mesmo a construção civil. No agregado, não é uma visão negativa da economia, mas de certa estagnação para 2023. No primeiro trimestre, será o agro que ajudará o PIB e não ser negativo já de largada. Algo muito parecido com o que aconteceu em 2017, que também registrou um primeiro trimestre forte puxado por esse setor. Caso isso se confirme, também vai ajudar a conter os preços dos alimentos. Mas, saindo o agro de cena, poderemos ter trimestres com PIB negativo.

Quando olhamos para o segundo semestre, vemos um cenário mais em aberto, mais dependente das políticas que forem se conformando. Minha perspectiva é que os juros ainda se mantenham altos, por conta de um fiscal ainda se encontrando. Não só pela PEC da Transição, mas acho que o novo arcabouço fiscal que será definido tende a ser mais expansionista.

Isso é algo ruim? Não necessariamente. Se for acompanhado da busca por mais eficiência no gasto público – como redução de subsídios –, tende-se a evitar um déficit muito alto, acomodando o efeito negativo. Minha visão, por ora, é cautelosa. Não acho que as políticas serão um desastre, tampouco austeras. O ideal, como disse, é que também haja uma preocupação em ampliar o espaço fiscal, não com um aumento aleatório de tributos, mas com redução de incentivos e revisão de políticas.

E há outra questão importante, que é a reforma tributária. Imagina se o novo governo já começa com a aprovação dessa reforma, tal como aconteceu com a reforma previdenciária no atual governo? Isso alimentaria uma perspectiva de médio prazo muito favorável. Seria uma outra forma de o governo amenizar um quadro mais negativo no campo fiscal. Mas, como disse, ainda sigo cautelosa.

É otimista com a direção que o governo pode dar para esses temas?

Minha preocupação é sobre como será o entendimento do novo governo do cenário macro, o entendimento de que a economia está desacelerando por questões necessárias, de controle da inflação. E que, para ser eficiente no campo social é preciso ser mais cuidadoso com os demais gastos para evitar um aumento do déficit público. Em seus pronunciamentos, o futuro ministro da Fazenda Fernando Haddad demonstra consciência da necessidade de se ancorar o fiscal e controlar o déficit. A pergunta é saber o que fará, e se as medidas serão consistentes com a política monetária. Considero que a escolha de Simone Tebet para o ministério do Planejamento será um bom contraponto. Poderá servir para calibrar políticas mais heterodoxas, alinhadas com o PT tradicional, e que marcam a trajetória de outros nomes da Fazenda, como Guilherme Mello. Ter Geraldo Alckmin na Indústria também colabora para isso.

Veja, em se confirmando o fim da redução de PIS/Cofins e Cide sobre os combustíveis, já teremos uma alta de preços contratada para o início do ano. Se essa medida for prorrogada, entrará para o grupo de problemas fiscais. Esse é só um exemplo das várias decisões a serem tomadas sob um contexto de desaceleração econômica que precisaremos enfrentar, pois os dados já mostram a dificuldade de hoje se gerar crescimento sem produzir inflação. Teremos que passar pelo purgatório do crescimento baixo para controlar a inflação.

Como sempre temos dito, não há atalho para o crescimento sustentado. Crescer mais depende de um conjunto de fatores a serem aprimorados. No primeiro mandato de Lula, havia frutos de reformas prévias a serem colhidos, um cenário mundial favorável, o desenvolvimento de um mercado de crédito que ainda não havia. Hoje, ao contrário, temos um cenário de restrições, e será preciso saber lidar com ele, visando a uma melhora adiante.

 


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