“Recuperação do mercado de trabalho deve desacelerar junto com o PIB”

Bruno Ottoni, pesquisador associado do FV IBRE, pesquisador do IDados

 Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Qual o seu balanço da recuperação do mercado de trabalho em 2021 e perspectivas para 2022?

Houve de fato boa geração de emprego tanto formal quanto informal, mas muito por conta da recuperação do tombo que tínhamos sofrido no primeiro ano da pandemia. Quando olhamos os números do Caged de forma mais detalhada, vemos a geração de 2,7 milhões de empregos com carteira assinada em 2021. Esse número chama a atenção. Na PNADC, entretanto, fica claro que a geração de emprego formal foi em menor quantidade do que a de emprego informal. Infelizmente, essa maior geração de emprego informal compromete a qualidade da recuperação.

Para 2022, a tendência é de ainda tenhamos uma recuperação, mas em menor ritmo do que em 2021. Em primeiro lugar, porque o emprego – especialmente o formal – costuma andar em linha com a atividade econômica, e as projeções de crescimento para este ano não são animadoras. Além disso, grande parte do mercado já se normalizou, ainda que não se possa esquecer também que o total de pessoal dentro da força de trabalho também permanece um pouco abaixo do nível pré-pandemia, ainda que menos do que em 2021.

A estimativa com a qual trabalhamos na IDados, levando em conta a mediana de projeções do Focus de final de janeiro (crescimento do PIB em 0,3% e Selic em 11,75%), é de um crescimento da população ocupada em 1,2 milhão de pessoas. Levando em conta uma projeção para 2021 de crescimento de 4,3 milhões, é uma desaceleração forte. E a maioria dessas vagas, em torno de 700 mil, ainda deverão estar concentradas no setor informal. Com pouco dinamismo na economia, não se pode prever uma melhora na composição do emprego.

É preciso deixar claro, entretanto, que há muita incerteza associada a esses números. Trata-se de um ano complexo, de eleição, e há muitas medidas populistas sendo discutidas que podem alterar o quadro fiscal, da política monetária, e que obviamente podem impactar a economia e o emprego.

Uma preocupação dos empresários no campo do trabalho, expressada pelo presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) ao Blog da Conjuntura Econômica, é a de retrocesso na reforma trabalhista, como tem sido defendida pelo pré-candidato Lula. Como avalia esse debate?

Na verdade, a gente ainda não fez uma avaliação de impacto da reforma trabalhista. Portanto, é difícil saber se ela funcionou ou não, em que medida preservou ou criou empregos, ou apenas abriu caminho para uma substituição de contratos. É preciso lembrar que a reforma foi uma alteração enorme no conjunto de leis do mercado de trabalho do Brasil. Então uma dimensão pode estar funcionando bem, outras não. E não temos informação suficiente a respeito. É um problema comum no Brasil fazer reformas sem avaliação anterior e não monitorá-las depois, e com isso muitas vezes acabamos voltando atrás de mudanças legislativas muito mais por questões políticas que de avaliação de desempenho, ou quanto às mudanças acarretaram do ponto de vista do mercado de trabalho. Infelizmente, a tendência é essa.

Como essa discussão deveria ser encaminhada?

Primeiro é preciso avaliar, antes de tomar qualquer decisão. O fato de que desde 2017, quando a reforma entrou em vigor, a economia brasileira estar em um processo de recuperação e logo enfrentar um novo choque não impede de se fazer exercícios com grupos de controle em busca de se uma mensuração de impactos. Acho que isso não acontecerá, da mesma forma que tampouco considero que o PT reverteria toda a reforma.

Quais pontos da reforma considera positivos?

A parte da ampliação do tipo de contrato trabalhista – incluindo contratos intermitentes, de tempo parcial – me parece positivo, pois aumenta o cardápio de opções disponíveis. Tem gente que argumenta que o número de empregos intermitentes e de tempo parcial desde a reforma trabalhista foram poucos, que o desemprego continua alto, portanto essas medidas não tiveram efeito. Quando as pessoas dizem isso, elas esquecem que ainda existe muita incerteza jurídica por trás desses contratos de trabalho. Até hoje o STF não julgou as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Adins) contra o emprego intermitente, e acho que a insegurança jurídica trazida por essa indefinição pode estar inibindo o uso desse tipo de contrato. Se, quando for julgado, o STF o avaliar inconstitucional, isso poderá implicar uma dívida enorme para o empregador, para honrar todos os valores pertinente a um contrato CLT que ele não pagou. Então, a despeito de eu achar a inclusão desses contratos interessante, e de fato haver potencial de com eles se estimular o emprego fora, com o que temos até agora ainda não é possível tirar uma conclusão definitiva.

Outro exemplo de que a falta de uma jurisprudência clara sobre aspectos da reforma pode prejudicá-la é a questão dos honorários de sucumbência. A reforma obriga que o trabalhador que entrar com ação trabalhista contra empregador e perder pague os honorários do advogado do empregador. Em 2021, o STF reverteu parcialmente essa regra, ao definir que pessoas pobres, que tem direito à justiça gratuita, estão excluídas dessa obrigação. Advogados especialistas com os quais conversei sobre essa decisão avaliam que essa derrota, na verdade, foi quase completa, porque o corte de renda para definir esse direito à justiça gratuita não é claro, o que acabaria liberando muita gente. Nesse caso, considero importante que se defina mais claramente quem tem esse direito.  

Em resumo, por mais que se possa considerar medidas como potencialmente positivas, só uma avaliação de impacto poderá separa as regras estão funcionando de fato das que só precarizam o trabalho. E é nessa direção que temos que caminhar, antes de defender qualquer nova mudança.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

Subir