“Quanto mais identificarmos o 5G como habilitador de desenvolvimento socioeconômico, maiores as chances de crescermos de forma sustentável”

Fabio Rua, co-fundador do Movimento Brasil, País Digital, diretor de Relações Governamentais da IBM para Brasil e América Latina

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Qual sua avaliação sobre o resultado do leilão 5G?

O leilão demorou, teve uma série de idas e vindas, o processo de elaboração do edital, avaliação pelo Tribunal de Contas (TCU) para garantir a lisura de todos os termos que estavam lá colocados para o certame, mas no final teve muito sucesso. Não só pelo valor arrecadado, com um ágio importante, mas por incluir digitalmente muitos municípios que antes não tinham acesso sequer à rede 4G, e agora passarão a ter – claro que num prazo mais alongado, até 2029. Veja, quem hoje está no 3G está excluído digitalmente, pois é uma tecnologia que habilita a troca de mensagens, uma conversa mais alongada ou outra, mas não o streaming para se assistir a um vídeo, ou o acesso a um jogo eletrônico. E não é só pela questão do lazer, mas principalmente pelas oportunidades comerciais que podem surgir do acesso a uma banda que permita uma velocidade maior de conexão. Ainda no leilão foram incluídas as escolas do ensino básico, que ao longo do tempo vão ser equipadas, ou habilitadas a receber uma conectividade melhor.

E a ampliação do acesso nas estradas, pois um dos pontos importantes é a cobertura do campo, que se relaciona ao nosso maior tesouro do ponto de vista comercial, que ainda é o agronegócio. Por mais tecnológico que seja, hoje o agronegócio ainda é, de certa forma, desconectado. Então a obrigatoriedade prevista no edital de se propiciar uma cobertura nas principais estradas brasileiras, que são margeadas por áreas agrícolas, deve beneficiar essa atividade, fazendo toda a diferença na sensorização dos campos, no uso de equipamentos monitorados a distância, na precisão da previsão meteorológica. O 5G é um habilitador do desenvolvimento tecnológico. Sem o 5G, é como pilotar uma Ferrari numa estrada esburacada; com o 5G, é estar nessa mesma Ferrari numa Autobahn na Alemanha. A diferença é abissal.

Do ponto de vista regulatório, considera que estamos preparados para explorar esse potencial trazido pelo 5G?

Em linhas gerais, tenho esperança e otimismo de que tudo que está sendo estruturado seja implementado. É possível que sofra atraso, pois só quando se começa a cavar um buraco é que se descobre o que tem no fundo dele. Mas é um caminho que não tem mais volta, que vai abrir portas para todo e qualquer empreendedor que quiser explorar essa tecnologia. Do ponto de vista regulatório, acho que precisamos acordar. Temos um Congresso ainda analógico de certa forma, que não está identificando o que precisa ser feito para potencializar o uso dessas tecnologias. Dou um exemplo. Estamos falando agora da construção de um marco para a inteligência artificial (IA). Esse marco foi construído meio que a toque de caixa, é bem principiológico, dá a segurança jurídica necessária para que as empresas possam operar. Mas está olhando a inteligência artificial sob a ótica da ética, da transparência, do acesso, da democratização, sem incluir o ponto de vista de negócio, de como a IA pode impulsionar o desenvolvimento de uma nova indústria no país.

Em geral, a tecnologia de certa forma é vista pelo governo – não apenas este, mas de modo geral – como um tema de ciência, e não como um tema de impacto econômico, social, geopolítico, geoestratégico. E acho que isso precisa mudar. Quando mais a gente identificar o 5G e outras tecnologias como grandes habilitadores de desenvolvimento socioeconômico de nosso país, maiores as chances de crescermos de forma sustentável. Acho que estamos no caminho, mas precisamos fazer a lição de casa. Algumas tarefas já estão sendo feitas. Acho que a preocupação do Brasil com a proteção de dados, a privacidade, a discussão dos últimos anos que fez com que criássemos um arcabouço para dar segurança jurídica aos investimentos é uma delas. Toda a transformação digital que está sendo feita no governo brasileiro, que é notável, também dá a indicação de que o Brasil dá passos no caminho certo. Mais ainda falta mudar algumas mentalidades, incluir a tecnologia como prioridade estratégica de Estado, e fazer com que a população não só tenha acesso a ela, mas seja educada para utilizar o que há de melhor, que lhe trará mais benefícios, o que transcende em muito a função recreativa dessa tecnologia.

Quais segmentos devem largar na frente na exploração do 5G, e quais considera que terão mais dificuldade – seja ela regulatória, de modelo de negócio, ou outra?

Os setores que usam tecnologia de forma intensiva são os que vão se beneficiar mais diretamente, e imediatamente. Fala-se muito, por exemplo, da indústria 4.0, mas antes da implementação do 5G ela é só um rascunho de um capítulo de um livro inspirador sobre o futuro. A indústria 4.0 passa a funcionar na presença de uma tecnologia habilitadora. Ter um 5G numa planta industrial, independentemente do que ela produza, é fundamental para que se possa sensorizar melhor os equipamentos, transmitir dados com maior velocidade, com menor latência na transmissão dessas informações. Com o 5G, a chance de uma conexão como a que usamos nesta videoconferência ficar instável e cair é zero. Se hoje o 4G leva 60 a 90 milissegundos na transmissão dos dados, no 5G os dados serão transmitidos com menos de 1 milissegundo de diferença. É praticamente nada. Então, com o 5G os processos produtivos ganham uma estabilidade fora do comum. Não há engasgos no meio do processo. Isso vale par ao setor de saúde também. Hoje falamos de telemedicina para consultas, mas usar a medicina para executar procedimentos médicos, cirurgias por computadores, demanda estabilidade de rede para garantir a precisão dos robôs.

No setor de serviços, a computação em nuvem passa a habilitar não só a troca de dados de forma segura como a análise desses dados de forma muito mais rápida, precisa e sofisticada. O céu é o limite para o que a Inteligência Artificial poderá atingir em termos de transformação digital, de processos, educação. Pense no mundo das startups e como muitas hoje patinam. Você perguntou sobre dificuldades, e historicamente no Brasil temos algumas restrições ao desenvolvimento de novos empreendimentos – seja de crédito, de regulamentação, do próprio governo na aquisição de produtos e serviços oriundos de empresas iniciantes que não tem portfólio de clientes comprovado. E muitas empresas “tech” – seja uma health tech, legaltech, fintech – até hoje talvez não tenha conseguido mostrar a que vieram porque não conseguem trafegar seus dados com a segurança e sofisticação que uma rede como essa traz para eles.

Sou mentor no BrasilLAB, que é uma aceleradora de projetos de govtechs. Vejo projetos sensacionais. Desde garantir a auditoria externa de uma compra pública ao mesmo tempo em que o processo está em avaliação, a muitas iniciativas no campo da educação. O governo brasileiro está fazendo um processo bastante ambicioso de transformação digital, e tem utilizado muitas govtechs para apoiar essa transformação dos serviços. Porque, em última análise, o que eles precisam é facilitar os processos e chegar ao cidadão de uma maneira mais didática. A experiência que um cidadão espera do governo é uma experiência que, historicamente, o governo não dá. E tem muitas govtechs utilizando plataformas e aplicações novas para ajudar nesse processo de uma melhor prestação de serviço. E, com o 5G, várias poderão alcançar mais escala para viabilizar seus projetos.

Estudo de pesquisadores do FGV IBRE mostra que a falta de infraestrutura básica – energia elétrica, internet e computador – reduz em quase 8 pontos percentuais o grupo de trabalhadores com potencial de trabalhar de suas casas, como aconteceu na pandemia. Como ampliar esse movimento em torno do 5G para uma agenda que trate de inclusão digital – da qual também faz parte a educação?

No Brasil, temos o problema de que muitas pessoas não sabem como dirigir aquela Ferrari que mencionei no início desta conversa, e parte delas por sequer ter acesso à estrada. Em alguns estados, cerca de 30% da população ainda não está conectada, e isso é muita coisa. Veja, a sociedade brasileira que é extremamente interessada no consumo de informações que vêm do mundo digital. Somos hiperconectados e hiperexpostos. Gostamos de aparecer e compartilhar. Mas será que fazemos isso de forma produtiva? Acho que não. E para mudar isso não precisamos de grandes treinamentos em programação, mas sim tirar a educação de empreendedorismo de um formato tradicional e passar para o digital. Ou seja, vou ensinar a abrir um negócio, ensinarei a abrir um negócio digital. O digital first é uma forma de ampliar o horizonte dos empreendedores que tem que estar em qualquer treinamento de empreendedorismo, administração de empresas ou habilitador de desenvolvimento profissional. Além disso, também é importante estimular o engajamento das pessoas na educação, sua visão de longo prazo.

Em que a agenda do Movimento Brasil, País Digital colabora para essa transformação?

Nosso slogan é contribuir para que transformemos o Brasil em uma nação cada vez mais digital e menos desigual, pois temos claro o abismo digital presente no país. Em cinco anos de atividade, atingimos mais de 2 milhões de pessoas com educação, informação, buscando eliminar a visão de que tecnologia é coisa para técnico. Percebemos que tendo esse tripé de apoio – sociedade civil, governo e setor privado –, podemos trabalhar e prol do desenvolvimento de um ambiente econômico e social que faça uso da tecnologia e com isso se reduza a desigualdade. Nossa principal linha de ação é compartilhar informações através de nossas redes. Por exemplo, temos uma área de cidadania digital com cursos e materiais para formar cidadãos na interação com o mundo digital. Temos educação sobre segurança cibernética, mostrando as eventuais precauções a se tomar para se ter uma vida mais segura no mundo digital. Compartilhamos também iniciativas do governo e de empresas, para prover acesso da população a tecnologias e plataformas gratuitas, além de iniciativas em parceria com universidades. É um movimento que produz e compartilha informações para levar ao cidadão um nível de conhecimento que o permita identificar as oportunidades que a tecnologia pode trazer para a sua vida.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

Subir