“Produtividade dependerá das escolhas do novo governo”

Fernando Veloso, coordenador do Observatório da Produtividade Regis Bonell

Por Claudio Conceição e Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Aumento da produtividade é essencial para o crescimento brasileiro de longo prazo, e será destaque da cobertura do Blog durante 2023. Começamos com os principais trechos da entrevista de Fernando Veloso, coordenador do Observatório da Produtividade Regis Bonelli, publicada na Conjuntura Econômica de janeiro:

Os indicadores produzidos pelo Observatório de Produtividade Regis Bonelli apontam que no terceiro trimestre de 2022 tanto a produtividade do trabalho quanto a produtividade total dos fatores (PTF) estavam abaixo do nível pré-pandemia – respectivamente, em 0,1% e 3,2% –, quando calculados pelas horas efetivamente trabalhadas. Ainda que, depois de um salto em 2020, a produtividade brasileira retomasse a tendência de queda que já era observada em 2019. A que se deve esse resultado?

Não há uma resposta única, pois nos últimos 5 anos houve avanços e retrocessos. No campo dos avanços, podem-se citar reformas como a trabalhista, muita coisa no sentido de aumentar a competição no mercado de crédito – com o fortalecimento de garantias, aprovação da TLP (taxa que adequou os juros cobrados nas operações do BNDES aos juros de mercado), cadastro positivo, o open banking – que agora evoluiu para o open finance (sistemas que dão ao cliente a liberdade de compartilhar seus dados financeiros em busca de melhores ofertas de crédito) –, aumento da participação do setor privado no mercado de capitais. No caso da reforma trabalhista de 2017, tanto a mudança da CLT como a legalização da terceirização foram importantes. Novos marcos legais para os setores de saneamento, gás, ferrovias, navegação de cabotagem também foram importantes. Assim como a autonomia do Banco Central, aprovada em 2020.

Mas também houve pioras. A primeira foi no campo macroeconômico – e aí não se trata apenas dos últimos anos, pois em 2019, antes da pandemia, ainda convivemos com resquícios da crise que começou em 2014. Nem a economia brasileira, nem a sociedade se recuperaram completamente da crise fiscal aguda que tivemos, seguida de recessão. Desde então, os indicadores sociais pioraram, com aumento de pobreza e desigualdade. A informalidade no mercado de trabalho passou a subir. E o nível de incerteza aumentou de forma permanente a partir de 2015, mas precisamente a partir de setembro, quando o Brasil perdeu o grau de investimento da S&P.

A segunda se concentra no campo microeconômico, com retrocessos em reformas em particular nos últimos dois anos, na linha de aumentar privilégios, incentivos a setores específicos. Criação de pisos nacionais para categorias da saúde e perdão de dívidas para empresas são alguns exemplos, entre outras discussões que continuam acesas no Congresso. Veja os exemplos do Simples e do MEI. Antes mesmo de lançarmos Anatomia da produtividade, em 2017, tínhamos publicado em 2016 o livro Causas e consequências da informalidade no Brasil, com duas avaliações sobre o Simples, e uma sobre o MEI. Todas apontavam que, apesar de estes serem programas bem-intencionados no sentido de simplificar a tributação, reduzir a carga tributária das pequenas empresas, não tinham tido sucesso em termos de formalização do emprego. Ou seja, tinham formalizado pouco, a um custo fiscal muito alto. A tendência que vemos, entretanto, é de se aumentar o alcance desses programas. Atualmente tramita no Congresso um projeto que amplia o limite de faturamento bruto para enquadramento nesses regimes. O PLC 108/21 aumenta o limite para MEI dos atuais R$ 81 mil ao ano para R$ 145 mil. E, no caso do Simples, de R$ 4,8 milhões para R$ 8,7 milhões.

São questões como essa que estão na raiz do baixo crescimento da produtividade brasileira. Na tentativa de proteger determinados setores, alimentamos proteções que minam a competitividade e fazem com que empresas pouco produtivas permaneçam no mercado. Para aumentar a produtividade, é preciso que os fatores de produção sejam deslocados a empresas mais produtivas. Mas todos esses regimes especiais que temos impedem que isso ocorra, exatamente por criarem condições favoráveis a empresas de baixa produtividade. 

Como avaliar o impacto da reforma trabalhista do ponto de vista da produtividade? E o recente aumento dos trabalhadores por conta própria? Há muitas críticas quanto a uma tendência de pejotização.

O mecanismo básico de aumento de produtividade é empresas mais produtivas crescerem, o que implica contratarem mais e investirem mais capital. Conceitualmente, a reforma trabalhista colabora para que empresas mais produtivas possam contratar com menos insegurança jurídica e mais flexibilidade. Muitas vezes as empresas não contratam porque a complexidade da legislação e o risco de processos na justiça trabalhista encarecem e criam insegurança.

A legalização da terceirização, por exemplo, pode ajudar na medida em que permite às empresas se concentrarem em sua atividade fim, já que dificilmente farão tudo com eficiência, contratando serviços de outras empresas. Mas é preciso destacar que, se a reforma colabora para a redução dessa incerteza trabalhista, o cenário fiscal criou outra fonte de incerteza. Empresas têm receio de contratar se não conseguem projetar a demanda futura por seu produto ou serviço, se temem uma recessão.

No caso da pejotização, esse é um quadro que ainda temos que compreender melhor. De fato, de acordo com os últimos dados da Pnad Contínua (trimestre encerrado em outubro) o número de trabalhadores por conta própria com CNPJ hoje é cerca de 30% maior que antes da pandemia. Não sabemos que parte desse aumento é fruto de terceirização – o que pode ser positivo – e o que é pejotização. No caso de por conta própria formalizado motivado pela intenção de contornar a legislação trabalhista ou para pagar menos imposto, não é um modelo que em geral associamos a aumento de produtividade. Ao contrário, porque muitas vezes é mais eficiente esse trabalhador estar empregado na empresa.

Mas ainda não temos uma resposta clara. Recentemente, o FGV IBRE lançou a Sondagem do Mercado de Trabalho (leia mais na Carta do IBRE de dezembro). Um dos resultados aponta que grande parcela dos trabalhadores por conta própria gostaria de trabalhar numa empresa privada ou pública, principalmente por duas razões: direito a benefícios e um salário fixo. A princípio, isso sugere que o chamado empreendedorismo dos trabalhadores por conta própria se dá muito mais por necessidade do que por vocação. Mas precisamos nos aprofundar nesse tema. O primeiro resultado reúne 3 meses de pesquisa. Veremos o que as próximas divulgações nos dirão.

Em recente entrevista à Conjuntura Econômica (leia aqui), Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro FGV IBRE, destacou uma perda, nos últimos anos, do aspecto técnico no debate de políticas públicas, o que inclui o tema produtividade. Acha que poderemos retomar esse tema com mais vigor a partir de 2023?

Acho que sim. Com a pandemia, outros assuntos mais urgentes vieram à tona, como a proteção social. Mas a tendência é que fique cada vez mais claro para as pessoas que, sem aumento de produtividade, os salários não aumentarão, e o padrão de vida ficará estagnado. Não deixa de ser desafiador colocar o tema na pauta do debate público de forma mais concreta. Além do fato de que buscar aumento de produtividade é lidar o tempo todo com a questão de captura de interesses, que é algo politicamente difícil. Mas o interesse que a produtividade desperta na mídia, em eventos, na sociedade em geral, mostra que esse tema veio para ficar. 

Levando em conta o aumento da estrutura do novo governo – com o anúncio de 37 ministérios –, onde a produtividade deveria se encaixar?

Em se tratando de arranjo administrativo, considero que o mais adequado seria criar uma comissão de produtividade. Comissões de produtividade, aliás, foram uma de nossas motivações ao criar o Observatório da Produtividade. No livro Anatomia da produtividade, a então pesquisadora do FGV IBRE Luiza Azevedo tratou sobre o tema. Regis Bonelli chegou a ir ao Chile para conhecer a comissão desse país. Na época, além de Chile, Austrália, Nova Zelândia e México eram os principais países com comissões instaladas. A França instituiu a sua em 2018 e, no ano passado, foi a vez do Reino Unido. E o que são essas comissões? São órgãos de governo, ou totalmente independentes, com autonomia para realizar diagnósticos e formular propostas para o aumento da produtividade de um país. Mas esse trabalho tem sempre que estar relacionado à agenda de governo. Por exemplo, um dos temas que hoje se discute é a reforma tributária. Isso certamente seria um assunto central da comissão de produtividade, promovendo debates, estudos técnicos, ouvindo governo e sociedade civil de forma independente. Como já destaquei, um dos grandes obstáculos quando se trata de aumento de produtividade é a captura de políticas por grupos de interesse, que compromete a competição. Então, essa comissão ajudaria na criação de uma agenda mais horizontal, simplesmente olhando para o que é melhor para o país.

A partir do que conversamos até agora, pode-se observar que a produtividade envolve um universo amplo de temas – do crédito ao mercado de trabalho, passando pela educação. Uma comissão de produtividade também ajudaria a coordenar essa agenda de políticas pulverizadas dentro do próprio governo. Ao observar o novo governo fazendo várias mudanças na organização ministerial e das agências, pensaria seriamente em criar uma comissão de produtividade para o Brasil.

No curto prazo, quais as frentes que o novo governo deverá privilegiar pensando no aumento da produtividade?

Em primeiro lugar, é importante garantir um bom encaminhamento da questão fiscal. Considero ruim se a decisão for abandonar o teto, pois acho que, nesse ambiente em que estamos, dificilmente teremos uma regra melhor. E sem uma situação fiscal minimamente equacionada e primeiro passo não há muita perspectiva de melhora da produtividade. Esta só virá se as empresas tiverem confiança de que terão demanda, de que poderão contratar.

Um setor importante para o Brasil hoje é sem dúvida o ambiental, no qual o país tem tudo para se tornar uma potência mundial. O mundo inteiro gostaria de investir nesse segmento no Brasil, dado suas vantagens comparativas. Participei das discussões sobre a regulamentação do mercado de crédito de carbono no Brasil, a partir do projeto de lei (41/22), cuja relatoria estava a cargo do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), e há outros no Congresso. É um tema importante para o país. Por outro lado, há riscos de retrocesso, como no caminho das concessões de serviços de saneamento. Espero que o atual marco seja preservado, e a atração de investimentos ao setor continue.


Leia a íntegra da entrevista na Conjuntura Econômica de janeiro.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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