“Para nós, perspectiva até o final do ano é de estabilização de custos, com viés de queda”, afirma executivo da Saint-Gobain Canalização

Gustavo Siqueira, CEO na América Latina da Saint-Gobain Canalização, presidente do Conselho do Instituto Trata Brasil

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

O primeiro semestre foi desafiador para Gustavo Siqueira, CEO para América Latina da Saint-Gobain Canalização. Com ordens de compra que não se concretizaram, devido ao atraso de obras de saneamento pressionadas pelo aumento de preços de materiais, o executivo afirma não ter sido fácil assumir a decisão de manter a produção de tubos de ferro fundido, entre outros materiais fabricados pela filial da companhia francesa no Brasil, que tem quase a totalidade de seu faturamento concentrada no setor de água e esgoto. “Meu chefe me perguntava: é crise? Respondia: não, é temporário”, conta, em conversa para o Blog da Conjuntura Econômica. Para este semestre, Siqueira espera estabilização de preços de insumos – entre eles, minério de ferro e carvão vegetal –, e a retomada de obras que garantam um aumento de ao menos 20% no faturamento da empresa este ano em relação a 2021. “O fato é que vivemos um período de incerteza, em que pese que o mercado de saneamento brasileiro já vive outro momento, independentemente da variante política. Não faltará demanda nos próximos anos. Mas ainda precisamos de alguma estabilidade para planejar mais a médio e longo prazo”, diz.

No ano passado, a Saint-Gobain Canalização cresceu 14% em relação a 2021. Qual a perspectiva para 2022?

Hoje, 95% do faturamento da Saint-Gobain Canalização – que é uma empresa à parte da Saint-Gobain que detém marcas como Quartzolit, Brasilit e Telha Norte – vêm de obras de água e esgoto. E, em cinco anos, praticamente triplicará, saindo de R$ 400 milhões em 2017 para uma projeção de mais de R$ 1,1 bilhão de vendas líquidas para este ano. Em 2021 crescemos 14% no mercado doméstico em relação a 2020, e 45% nas exportações. Este ano, esperamos que só no Brasil nossas vendas cresçam 20%.

Como o choque inflacionário tem afetado os resultados da empresa?

No tipo de produto com o qual trabalhamos, nunca tive risco de escassez, já que a maior parte – areia, minério de ferro, inoculantes, areia – está no mercado nacional. Não importamos muito volume, apenas alguns materiais especiais, como ligas metálicas. Entretanto, como lidamos com commodities, não escapamos do aumento de custo provocado pela pandemia e pelo novo choque observado este ano, com a guerra na Ucrânia. Vale destacar que não é uma situação em que se pode perder market share para a concorrência, porque todo mundo sofreu igual. 

Mesmo no caso do carvão vegetal – somos a única no mundo que fabrica tubos de ferro com combustível renovável –, pagávamos R$ 900 a tonelada antes da pandemia, e agora está R$ 2 mil. Temos a Saint-Gobain Bioenergia, com 22 mil hectares de florestas para produção de carvão vegetal. Mas não é suficiente, pois cobre 40% da nossa demanda. Outro problema que observamos é com o frete. Antes da pandemia, um contêiner de exportação ao Equador custava US$ 1,8 mil. Agora, está a US$ 11 mil. No primeiro semestre, chegamos a cancelar contratos de dezenas de milhões de dólares para a América Latina, como Equador, Colômbia e Bolívia. No Brasil, como 80% dos contratos são com empresas públicas, são irreajustáveis. Claro que também podemos pedir reequilíbrio. Mas é um processo administrativo complexo, desgastante.

Veja, trabalho na Saint-Gobain há 22 anos. Quando fizemos o planejamento para 2022, estava convicto de que teríamos um grande ano, pois conseguimos repassar parte dos aumentos de custo do ano passado – em geral, trabalhamos com contatos anuais –, mas aí veio a segunda explosão de preços. E já não conseguimos mais repassar. Digo que cresceremos no mínimo 20% em relação a 2021 no mercado doméstico, mas achatei minha margem. Neste segundo semestre é que passaremos a recuperar parte das perdas, com os contratos que passam a ser renovados e a expectativa de uma tendência de estabilização, até com viés de queda, dos custos. Também buscamos um ganho de produtividade importante, bem como uma mudança de mix de materiais com os quais fabricamos nossos metais. Claro que esse cenário pressupõe uma normalização, pois se começa outra guerra, uma nova onda de pandemia, aí é outro assunto.

Ainda com a nova pressão de preços observada este ano, a empresa mantém a expectativa de crescimento?

Sim. Mas não tem sido fácil. Especialmente se levarmos em conta que ano eleitoral costuma ser forte em vendas. Desta vez, muitas companhias suspenderam obras, porque as empreiteiras não mantiveram preços. No Nordeste, que representa 60% de nossas vendas, vários estados tiveram obras suspensas.

No nosso caso, mesmo com contrato assinado, a entrega dos produtos só se dá mediante ordem de compra. E isso travou. Tivemos meses difíceis, como março e abril, em que olhávamos para a carteira sem saber o que iríamos expedir no mês. Meu chefe perguntava: “É crise?” Dizia: “Não, é temporário”. E mantivemos a produção. No primeiro semestre, faturamos 35% do estimado para o ano. Começarei agosto com quatro meses de carteira. Mas no primeiro semestre explodimos o estoque, felizmente, e esperamos expedir mais de 60 mil toneladas no segundo semestre.

No início do ano, o senhor chegou a declarar que a empresa deverá ampliar em 50% a capacidade produtiva nos próximos três anos. Essa perspectiva se mantém, mesmo diante da atual conjuntura econômica?

Sim. Sou presidente do Conselho do Instituto Trata Brasil, que reúne outras empresas do setor, e não temos dúvida quanto a esse aquecimento do mercado. Estudos apontam um potencial de quadruplicar os investimentos médios anuais no setor, que atualmente giram em torno de R$ 11 bilhões. Abaixo do estimado inicialmente pelo governo, mais ainda assim alto. Mas consideramos razoável que esse investimento aumente pelo menos 2,5 vezes a partir de meados de 2023, 2024. Com a privatização de muitas companhias,e o acréscimo de investimentos dos estados, cria-se um movimento interessante. Há poucos dias saiu na mídia que a Praia de Botafogo, no Rio de Janeiro, estava balneável. Isso é resultado de investimento em esgoto que, quando acontece, traz resultados rápidos. 

Tenho muito tempo no setor, então ainda espero mais segurança quanto à robustez desse movimento. Mas se um neófito chega hoje e olha as cotações que chegam, irá para a França pedir outra fábrica, pois as perspectivas são excepcionais. Vale lembrar que ainda somos um país com bons índices de telefonia, uma cobertura excepcional de energia elétrica, mas em água e esgoto somos pior que muitos países. Vemos que com o novo marco de saneamento há mais segurança jurídica, mais entrada de privados – há três anos eles representavam 5% de nossas vendas; este ano, fecharão com 19% de participação. Minha dúvida hoje, como gestor, é o achatamento de margem, que demanda que eu encontre uma equação combinando ganho de produtividade, matéria-prima mais barata, e/ou aumento de preço. E a situação econômica, que ainda é instável. O fato é que vivemos um período de incerteza, em que pese que o mercado de saneamento brasileiro já vive outro momento, independentemente da variante política. Não faltará demanda nos próximos anos. Mas ainda precisamos de alguma estabilidade para planejar mais a médio e longo prazo, como a Saint-Gobain faz em outros países. Minimizar diferenças, nesse caso, é o grande desafio.

 

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