“O mundo dos últimos 12 anos, de juro e inflação baixos, nos abandonou”

Livio Ribeiro, pesquisador associado do FGV IBRE, sócio-diretor da BRCG

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Mesmo com um novo choque de preços provocado pela guerra da Rússia contra a Ucrânia, o Banco Central do Brasil (BCB) decidiu nesta quarta-feira (16) manter a diretriz anunciada da reunião de fevereiro do Comitê de Política Monetária (Copom), de reduzir o ritmo de elevação da taxa básica de juros da economia. Ainda assim, com a elevação em 1 ponto percentual, para 11,75%, a Selic chegou a seu maior nível desde abril de 2017, quando esteve em 12,25% ao ano.

Livio Ribeiro, pesquisador associado do FGV IBRE, sócio-diretor da consultoria BRCG, considera que a opção do BCB de reagir à atual escalada de preços com “prudência vigilante” está correta, dada a peculiaridade do choque. “Mas fica claro que ele perdeu a aposta arriscada feita na reunião anterior, de que os efeitos defasados da política monetária fossem se materializar em uma velocidade suficiente para manter as expectativas de inflação minimamente disciplinadas, mesmo tendo um período longo adiante de convergência ao cumprimento da meta”, diz. O economista considera pouco provável que o BCB consiga parar a alta da Selic nos outros 100 bps sinalizados para a próxima reunião, em maio. “Desta vez, o Copom deixou claro que, se o choque for maior ou mais persistente, o orçamento de juros poderá ser ampliado. Considero que será necessário ao menos mais uma elevação”, diz. Para Ribeiro, o quadro mais provável é de uma alta de 50 bps em junho, com a Selic fechando 2022 em 13,25% ao ano. O que parece claro diante dessa piora de cenário, afirma, é que não será possível uma dinâmica de corte de juros rápido a partir de 2023, como o BCB previa. “Não considero viável pensar em um ritmo intenso de cortes a partir do próximo ano. Períodos longos de inflação fora do lugar contaminam as expectativas e a estrutura de formação de preços da economia, mesmo sob um cenário em que não se espere a atividade avançando para lugar nenhum”, diz. Ribeiro considera que a Selic deve se manter no mesmo patamar do fechamento de 2022 até meados do próximo ano, quando começaria um suave ciclo de cortes que levaria a Selic para 11,25% no final de 2023. “Somente assim nossos modelos conseguem colocar a inflação em trajetória consistente com o cumprimento das metas tanto em 2023 como em 2024”, diz, ressaltando a grande incerteza que ainda domina o cenário.

Selic % ao ano


Fonte: BCB.

Para Ribeiro, o fato de o Brasil se posicionar hoje entre as economias com maior taxa real de juros básicos não altera significativamente o status do país, cuja estrutura de juro real sempre foi elevada. “Mas certamente teremos que voltar a um debate do diferencial de juros no câmbio, bem como à discussão de como essa alta está mudando a estrutura de influxos de capital na economia”, diz. “Quando se olha hoje a estrutura de balanço de pagamentos, esse salto dos juros já alterou essa estrutura na direção dos investimentos em renda fixa. Por outro lado, os fluxos de empréstimos intercompanhia, que sempre foram canais naturais para se discutir a entrada de capital via carry trade, em 12 meses registram um glorioso zero”, descreve, indicando que o cenário atual é muito mais complexo de se avaliar. “Ao que tudo indica não basta diferencial de juros para cima para atrair uma chuva de capitais e apreciação do câmbio.” Livio também ressalta que o atual quadro de política monetária leva a uma rearrumação do mercado financeiro do país. “Quando tínhamos juros a 2%, houve um florescimento do mercado de capitais. Agora, com Selic possivelmente superando os 13% ao ano, claramente o cenário é outro para a indústria de fundos de investimento e renda variável.”

Outra peça que se move nesse tabuleiro e influencia nas tomadas de decisão adiante é a primeira elevação do ano do juro básico americano, de 25 bps também anunciada ontem, na super quarta-feira do mês. “O BC americano já indicou que em algum momento de 2023 o juro básico chegará a 2,75%. É uma revisão forte do cenário anterior, confirmando o diagnóstico de que o ambiente mudou. O mundo que vivemos nos últimos 12 anos, de juro baixo e inflação baixa, basicamente nos abandonou”, afirma. Ele ressalta que “a elevação das taxas de juros ocorre em ambiente de inflação elevada, com crescimento dos custos de energia e pressão difundida de preços na economia americana, em meio a um mercado de trabalho que se mantém apertado”, somada à pressão adicional da guerra e seu peso negativo para a atividade econômica. Para o pesquisador, mesmo o resultado da reunião do Banco Central Europeu de março, que resultou na manutenção da taxa, é consoante a essa tendência. “Na Europa, trata-se de um ciclo diferente do americano, com um grande choque negativo de oferta numa economia que não dava sinal de retomada. Mas mesmo diante de uma economia que se mostra mal das pernas, o BC europeu já sinaliza a possibilidade de no segundo semestre também mexer no juro - e, talvez mais importante no caso europeu, acabar com o programa de compra de ativos”, ilustra.

Ribeiro destaca que o quadro ainda pouco previsível da guerra torna a política monetária desafiadora para todos os BCs. E que, apesar de as atenções hoje estarem concentradas nos impactos econômicos do conflito da Rússia contra a Ucrânia, a pandemia ainda não saiu do jogo. “A China voltou a impor lockdowns devido a novas altas de contágio de Covid-19, impactando a distribuição de bens. E o esperado momento de normalização das cadeias globais ainda não chega”, diz.

 


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