O melhor para o Auxílio Brasil é que se foque no que o Bolsa Família se propôs a resolver: combater a pobreza extrema

Manoel Pires, pesquisador associado do FGV IBRE

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

O choque provocado pela Covid-19 e suas implicações abriram caminho para um amplo debate, no Brasil e no mundo, de como construir esse novo normal pós-pandemia alinhado a um desenvolvimento ambiental e socialmente mais sustentável. E na mesma medida em que temas como ampliação da proteção social, tributação progressiva e economia verde ganharam ampla discussão, também se intensificaram os embates para se alcançar consensos políticos em torno dessas reformas.

No Brasil, um dos tópicos mais urgentes é endereçar o futuro do Bolsa Família, para apoiar a camada da população mais vulnerável que contará com o auxílio emergencial somente até outubro. No dia 10 de agosto, o governo federal publicou a Medida Provisória 1061/21 que prevê a substituição do Bolsa Família pelo programa Auxílio Brasil e institui o Programa Alimenta Brasil. A estimativa é que os valores das transferências – distribuídas entre os benefícios Primeira Infância (para cada membro da família entre zero e 36 meses de idade); Composição Familiar (voltado a famílias com gestantes ou pessoas de 3 a 21 anos) e Superação da Extrema Pobreza (valor mínimo pago por integrante cuja renda familiar per capita seja igual ou inferior à linha da extrema pobreza), além de outros cinco auxílios entre como ao esporte escolar e à iniciação científica –, sejam definidos em setembro, com entrada em vigor em novembro.

Manoel Pires, pesquisador associado do FGV IBRE, lembra que o mérito conquistado pelo Bolsa Família em seus 18 anos de existência foi o de aprimorar o foco da transferência de renda ao público mais vulnerável. “O melhor, neste momento, seria deixar o novo programa resolvendo o problema que o Bolsa Família se propôs a resolver, de combater pobreza extrema, e atender às demais necessidades fora desse âmbito”, defende. A justificativa de Pires vem de duas frentes. A primeira, é quanto à verdadeira eficácia de iniciativas incluídas no texto da MP, como a de usar o programa para estímulo ao endividamento, ao permitir o uso de até 30% do valor do benefício para pagamento de crédito consignado. “Levando em conta que a renda desse grupo é baixa, pode comprometer o orçamento familiar. Não está claro nem que deslanche, nem que seja bom do ponto de vista social”, diz.

Outro fator não trivial, levanta Pires, é a economia política brasileira, débil em conciliar questões estruturantes junto a outros temas legislativos urgentes, dificultando o debate de reformas mais arrojadas – como a necessária revisão do sistema de proteção social para melhor alocação dos recursos da área, que colaborariam ao financiamento do novo Bolsa Família. “Hoje, por exemplo, a questão dos precatórios é urgente, senão o governo não consegue apresentar a proposta orçamentária de 2022 este mês”, cita. “Mas não dá para debater um tema por vez como temos feito nos últimos anos. Questões estruturantes têm que ter sentido de relevância dentro da sociedade e do governo, para que consigam avançar mesmo quando as questões urgentes surgem, porque isso acontece o tempo inteiro”, diz. Ao que ainda se soma o imperativo das eleições dentro das negociações partidárias, fator de risco na aprovação de alterações mais sensíveis, que podem se reverter em decisões contraproducentes.

“O reajuste do benefício do Bolsa Família é fundamental, pois está defasado e precisamos ampliar seu alcance. Mas mexeria o menos possível no programa. Acho que ele tem de evoluir de forma incremental, na medida em que se identifica algum potencial de melhora”, diz. “Normalmente, argumenta-se que os governos no Brasil não fazem boas políticas públicas. Mas, ao invés de corrigir o que precisa, estamos querendo reformular o que funciona. Não faz sentido.”

Mesmo assim, o pesquisador valoriza o momento de abertura para o debate de medidas estruturantes, citando o longo caminho para se conquistar um desenvolvimento econômico sustentável, em suas diversas frentes. E, como coordenador do Observatório de Política Fiscal, promoverá na próxima terça-feira (24/8), às 10h, o webinar Crescimento e Desigualdade: quais os caminhos para o desenvolvimento inclusivo?, com participação das economistas Débora Freire (Cedeplar/UFMG) e Laura Carvalho (USP), e moderação de Marta Watanabe, repórter do Valor Econômico.

Pires ressalta que ambas as economistas têm colaborado ativamente na discussão desse desafio. Débora é coautora de um estudo recente que avalia os impactos de longo prazo de uma tributação de dividendos e/ou uma faixa adicional de alíquota nominal do IRPF cuja arrecadação seria aplicada em um programa de transferência de renda aos 30% mais pobres. Em análise da proposta original da reforma do imposto de renda, Manoel Pires já apontava a alta participação dos lucros e dividendos na renda total declarada pela camada mais rica da população, indicando o caráter distributivo da taxação desses ganhos – que nas revisões do projeto de reforma tem sido enxugada, ampliando os grupos e faixas de isenção.

Lucros e dividendos como % da renda total declarada na tabela do IRPF, por decil (centil) de renda


Fonte: Manoel Pires.

Já a mais recente contribuição de Laura Carvalho ao debate é como consultora do Plano de Recuperação Verde da Amazônia Legal, lançado em julho pelo Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável da Amazônia Legal, capitaneado pelo governo do Maranhão. Sob os preceitos que regem o conceito de economia verde, o plano reúne um grupo de estratégia visando zerar o desmatamento ilegal até 2030, gerando empregos e atividades de baixo carbono, buscando sofisticação tecnológica e potencial exportador, além do combate à desigualdade de renda na região. “É uma experiência relevante que está sendo desenvolvida, sobre a qual vale a pena refletir”, defende Pires.

Inscrições para o webinar Crescimento e Desigualdade: quais os caminhos para o desenvolvimento inclusivo? através do link: https://lnkd.in/ee6Q7PC3

 


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