Guerra Rússia x Ucrânia: qual o melhor desfecho para a China?

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

A ideia de que a guerra deflagrada pela Rússia contra a Ucrânia coloca um ponto final no ordenamento que mantinha a estabilidade política global se cristaliza na medida da resistência do presidente Vladimir Putin pelo conflito. Além da instabilidade de uma conjuntura provocada pelas decisões de Putin – amplamente avaliadas como errôneas – e o despreparo do Ocidente para reagir a elas, um dos poucos elementos que se podem ter como certos é o da importância do papel da China nessa reconstrução da ordem mundial.

Arthur Kroebel, cofundador da consultoria Gavekal Dragonomics, professor adjunto na Universidade de Columbia (EUA), aponta que um dos cálculos estratégicos mais delicados nesse reordenamento compete efetivamente à China. Em evento online promovido pelo Ceri, Kroebel lembrou que o alinhamento chinês à Rússia é inquestionável, levando em conta todo o processo de estreitamento de laços entre ambos os países desde que Xi Jinping se tornou chefe de Estado chinês, há quase uma década. Ele pondera que é preciso filtrar a retórica presente nesse processo – como na reunião de Putin e Xi Jinping prévia à abertura das Olimpíadas de Inverno de Pequim, em fevereiro, quando o presidente chinês declarou que a cooperação entre ambos era “inabalável passada, presente e futuro”, enquanto Putin alinhava suas tropas na fronteira da Ucrânia. “Esse alinhamento, entretanto, está aí. Não à toa, desde que chegou à liderança da China, Xi Jinping se encontrou 38 vezes com Putin, algo que não aconteceu com qualquer outro mandatário”, lembrou.

Mas se ambos têm se dedicado a dirimir conflitos em reforçar a agenda de interesses comuns – entre as quais está o patente desejo de enfraquecer os Estados Unidos como ator global –, também é fato que o desejo da China não passa por desintegrar a atual ordem, na qual está muito mais envolvida que a Rússia e tem interesse em ampliar participação. “A China identifica as relações exteriores dos Estados Unidos com ela como hostil, focada em prevenir um aumento da influência do país asiático. Mas hoje ela já tem interesses econômicos com o resto do mundo muito maiores que a Rússia, e por isso terá de enfrentar a difícil tarefa de manter seu alinhamento com Putin e, ao mesmo tempo, preservar sua política externa”, diz.

Kroebel considera que, até agora, a mídia ocidental tem subestimado a capacidade chinesa de se mover nesse tabuleiro. Ele reconhece que a escolha de Putin pela extensão e violência do conflito torna o trabalho do líder chinês mais complexo – até agora, a ação do país foi trabalhar o mínimo possível para evitar as sanções dos Estados Unidos e União Europeia. Mas considera que, se bem orquestrada, a ação chinesa poderá garantir um bom posicionamento do país, independentemente de quem vencer o conflito. “Caso a vitória seja da Rússia, conseguirá avançar na agenda que vem costurando na última década. E, se perder, pode ampliar a dependência russa à China, obtendo vantagens como no suprimento de matérias-primas”, diz. Ele destacou que, já episódio da Crimeia (2014), a China valeu-se das condições do conflito para conseguir fechar acordo com a Rússia para um gasoduto dedicado ao suprimento da China, cujas negociações se estendiam há anos, com condições mais vantajosas inclusive no preço de gás contratado – “que, até onde se sabe, foram mais baixos do que os acordados com a Alemanha”, compara.

O analista aponta que, nos Estados Unidos, a tendência é de maior controle no fluxo de investimentos à China, tanto pela frente de incentivar a ampliação da produção tecnológica local – especialmente de semicondutores – quanto a de imposições claras de restrição de fluxos de investimento direto à China. A expectativa de vitória do Partido Republicano nas eleições legislativas de meio do mandato, no segundo semestre, tende a ampliar essa pressão contra os chineses. “Tampouco será um movimento fácil, já que a relações econômicas entre ambos os países vão muito além das trocas comerciais, e as vendas das empresas americanas instaladas na China já são três vezes maiores do que as exportações dos EUA ao país”, compara.

Xi Jinping, entretanto, também terá desafios no campo doméstico. “Estive em Beijing em dezembro, e fica patente o aumento da insatisfação popular em relação ao governo”, diz. Os motivos são vários. Há descontentamento com a estratégia de alinhamento com a Rússia, bem como com a política de “Covid zero” para contenção de novos focos da doença, que inibe a economia e, na opinião de alguns analistas, poderia ser flexibilizada. Outra frente de crítica vem dos tecnocratas, que reclamam da interferência do governo na economia, referindo-se especialmente às regulações impostas aos negócios de internet (como Alibaba, Didi) que viram o valor de suas ações despencarem desde então. E as dúvidas quanto à evolução do setor imobiliário. “Em períodos passados, como 2008-09, 2014-16, a cada queda o setor recebia novo impulso do governo e se recuperava. Agora, isso não deve acontecer. E se o setor imobiliário andar de lado, estima-se um impacto de 1,5 ponto percentual no PIB do pais”, afirma Kroeber.


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