Entenda a proposta de reforma do teto de gastos apresentada pelos pesquisadores Fabio Giambiagi e Manoel Pires

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Um dos debates que desde o ano passado já se apresenta como contratado para 2023 é o do destino do teto de gastos. A opção de reformá-lo, apontam especialistas, precisará atender ao desafio de resgatar sua credibilidade como regra de controle da trajetória da dívida pública sem, por outro lado, inviabilizar as despesas discricionárias dentro do Orçamento, entre as quais se encontram rubricas importantes como o investimento. Cálculos dos pesquisadores associados do FGV IBRE Fabio Giambiagi e Manoel Pires apontam que, se obedecidas as atuais regras do teto até 2026 - ano que terminaria seu prazo, prorrogável por mais dez anos - as despesas discricionárias cairiam de 8,1% do total previsto em 2022 para 4,8%.

Em recente texto de discussão publicado no Portal do FGV IBRE, Giambiagi e Pires lançam uma proposta de reformulação do teto que combina um aumento real das despesas anuais do governo com algumas contrapartidas, como uma eliminação gradual do abono salarial e a ampliação dos gastos sujeitos à regra, tirando rubricas como o Fundeb e despesas com a Justiça Eleitoral da categoria extrateto. Os autores prevêem um aumento do limite de gastos anual de 1,5% além do reajuste do IPCA - este já previsto na lei -, além de um subteto para despesas com pessoal,  de mais 0,4% além da inflação.

Evolução das despesas sem mudança do teto: ajuste continua nas discricionárias
R$ bilhões correntes 


*Inclui despesas obrigatórisa com controle de fluxo. Os critérios usados pelos autores para as projeções encontram-se na pág. 13 do Texto de Discussão.

 

Evolução da composição das despesas discricionárias
R$ bilhões constantes de 2021, critério de pagamento efetivo


Fonte: STN; Deflator: Deflator PIB.

 

Investimento público: Governo Federal (% PIB)


Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional. Para 2022, projeção do orçamento.

A justificativa para esse subteto, aponta Pires, que também é coordenador do Núcleo de Política Econômica e do Observatório de Política Fiscal do FGV IBRE, é de que os gastos com pessoal já registraram uma trajetória de queda - de 5,1% do PIB em 1995 para 3,5% em 2022, enquanto as despesas que não pessoal passaram de 8,4% do PIB em 1995 para uma estimativa de 14,6% do PIB em 2022. Somente de 2017 a 2022, no cálculo dos autores, a variação real de gastos com pessoal será de -10,4%. “Entendemos que a manutenção desse ritmo não é sustentável - tentá-lo poderá significar uma reversão de ganhos, com pressão por medidas compensatórias”, diz. Pires ressalta que o gasto com funcionalismo público no Brasil é comparável ao da média dos países da OCDE, mas que empregamos menos, com mais altos salários. “Por isso, o importante para o Brasil é focar a reforma administrativa em contratar mais, reestruturando salários - o que implica, por exemplo, criar novos níveis de progressão para planos de carreira mais longevos -, entre outras medidas como ampliar o estágio probatório, para garantir a retenção dos profissionais que efetivamente sejam adequados para o trabalho”, afirma.

Crescimento real de gastos 2017-2022: o ajuste já feito
(% - cirtério de pagamento efetivo)


Fonte: STN; Para 2022, projção dos autores, com base no Orçamento aprovado.

Giambiagi aponta que, além de tirar gastos do extrateto, algumas despesas terão regras próprias de expansão. “Despesas de saúde e INSS deverão manter os níveis paramétricos da expansão do gasto total. Já o Fundeb deverá respeitar a PEC aprovada em 2020. E um um grupo de gastos entre os quais estão seguro-desemprego, Lei Kandir e precatórios, que têm regras próprias, em seu conjunto deverá apresentar expansão real nula, acompanhada de inflação”, descreve.

Pires, por sua vez, destaca outras características da proposta que visam a sua sustentabilidade estrutural. A primeira é uma regra de prevê o acionamento de gatilhos conforme o déficit fiscal atingir um nível considerado imprudente. “A vantagem, nesse caso, é que um governo poderá gastar muito se arrecadar muito, ou vice-versa, desde que mantenha a trajetória da dívida”, diz. A segunda característica apontada por Pires é a previsão de cláusulas de escape bem-definidas e temporárias para que, em casos excepcionais, não se tenha que mexer na Constituição para ampliação de gasto, preservando a credibilidade da regra. 

Cenário fiscal com a reforma proposta, em % do PIB


A tabela completa de cenários e variáveis encontra-se na pág. 49 do Texto de Discussão.

Com essa proposta, os pesquisadores calculam que, levando em conta algumas hipóteses para a evolução do cenário fiscal detalhadas no documento, em 2031, ano de término de vigência da regra, a dívida bruta alcance 78% do PIB e as despesas discricionárias cresçam na ordem de 4% nesse ano, depois de uma alta mais forte nos anos iniciais do novo teto, acumulando uma expansão real acumulada de 72% em oito anos. Após o período de ajuste da trajetória da dívida, a ideia é de que o governo passaria a definir, a cada quatro anos, os parâmetros de despesa com que quer trabalhar. "Se for mais conservador, aumentará menos; mais progressista, aumentará mais. Sempre sob um sistema de meta de gastos que garanta a consistência da trajetória da dívida pública", diz Pires. Cada governante proporia os parâmetros de gestão fiscal no início de seu mandato, que vigorariam até o primeiro ano da gestão posterior.

Giambiagi ressalta que outra característica incentivada na proposta é a de resgate da política como exercício de negociação. “Defendemos que a sustentabilidade dessa proposta também passa por um aumento da carga tributária em relação a 2022 - quando estimamos que haverá perdas -, um aumento gradual do investimento público, e uma reestruturação parcial das políticas de proteção social direcionada aos trabalhadores informais”, descreve, citando o desenho de uma iniciativa “não de renda permanente, mas como um seguro temporário para cada indivíduo, no momento de necessidade, e duradouro para o conjunto da sociedade”. Pires afirma que o principal foco que uma política para esse grupo com alta volatilidade de renda - especialmente os trabalhadores de aplicativo - é que sejam cadastrados e tenham acesso a um seguro em situações de vulnerabilidade. “O importante é conseguir um equilíbrio para conjugar o respeito ao teto com políticas que garantam o investimento necessário em proteção social, justiça tributária, de forma estruturalmente sustentável”, conclui.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

Subir