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Nova ameaça que vem da China?

Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro

Nos últimos dias, as notícias vindas da China voltaram a assustar. As poucas informações que saem de lá, onde há um controle com mão de ferro sobre a imprensa e redes sociais, mostram um descontrole no país no combate à Covid. Depois da política COVID zero, que durou quase três anos, gerando protestos por todo o país, o governo chinês afrouxou os controle, e o coronavírus voltou. Segundo levantamentos mais recentes, o gigante asiático enfrenta recordes de infecções e mortes desde que a pandemia começou, em 2020.

Às vésperas do Natal, a Comissão Nacional de Saúde da China informou que não mais divulgaria seu relatório diário sobre infecções e mortes. A tarefa passou para o Centro Chinês de Controle e Prevenção de Doenças que, no entanto, parou de dar mais informações. No último relatório divulgado, no dia 24 de dezembro, a Comissão indicava 4,1 mil infectados e nenhuma morte. Isso foi visto com grande desconfiança, já que no dia 1 de dezembro as contaminações haviam alcançado 61 mil pessoas. E nenhuma morte, o que foge, estatisticamente, do que ocorre no mundo: quando mais infectados, maior a probabilidade de mortes.

Um paper da Universidade de Fudan, de Xangai, que circulou na mídia local e que foi publicado na The Economist, projeta 1,5 milhão de mortes nos próximos 90 dias, mantido o atual ritmo de vacinação e de oferta de unidades de tratamento intensivo. Há, também, previsões de que o número de infectados na China pode variar de 10% a 30% da população, o que representa entre 120 milhões e 360 milhões de pessoas infectadas nos próximos 90 dias.

Embora ainda haja poucas informações do que realmente ocorre no país, o temor de uma piora do quadro sanitário por lá já acendeu uma luz amarela no mundo.

• Pode haver novos impactos sanitários e econômicos em outros países, inclusive o Brasil, já que a China é nosso importante parceiro comercial;

• Há grande preocupação com o surgimento de novas variantes mais transmissíveis e que podem escapar da proteção que as atuais vacinas dão para os casos mais graves da doença;

• Outra preocupação é uma provável falta de insumos hospitalares, dos quais a China é um dos maiores fabricantes mundiais. Isso sem falar em uma nova ameaça de estrangulamento nas cadeias globais de suprimento, que afetou duramente a economia mundial durante a pandemia.

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Incorporando os dados mais recentes, e ainda sem adicionar nenhuma informação de dezembro, que claramente deve apresentar números mais fracos que os de outubro e novembro, o PIB chinês deve crescer 3% este ano e 4,5% no ano que vem.

Para Livio Ribeiro, pesquisador associado do FGV IBRE, sócio da BRGC, há grande preocupação com o final deste ano e o carregamento estatístico para o ano que vem, o que tende a ter um viés de um crescimento menor em 2023. Isso sem considerar que o governo chinês passe a adotar políticas de estímulos adicionais. Mas o cenário ainda é muito incerto.

“É muito difícil se prever os efeitos do choque sanitário na China, pois isso vai depender da duração e da profundidade desse choque, além dos efeitos que ele poderá deixar sobre a economia de forma persistente. De maneira nenhuma a COVID muda para sempre o comportamento da economia. É um choque, mas sua intensidade pode variar, podendo ter reflexos mais amenos. É importante lembrar que na China não houve uma política de transferência de renda para as famílias como ocorreu no mundo ocidental durante a pandemia. Elas estão atravessando os momentos de pandemia utilizando suas poupanças e, isso, junto com a crise imobiliária, acaba minguando a capacidade de consumo das famílias. Ou seja; qualquer aceleração do crescimento da economia chinesa no ano que vem terá que ser feita pelo governo, ou seja, através de investimentos públicos”, enfatiza Livio.

Outro ponto importante é a taxa de desemprego urbano que, em novembro, estava em 5,7%, com tendência de alta nos próximos meses. Já a taxa de desemprego dos jovens está rodando em 17,8%, com perspectiva de aumento. Isso é um ponto que merece atenção em relação à poupança.

“As famílias chinesas estão vendo os jovens, que são o seu sistema de seguridade social, não conseguirem emprego, e essa geração que deveria ter entrado no mercado de trabalho durante a pandemia tem encontrado grandes dificuldades para conseguir emprego pelas políticas de Covid zero”, diz Livio.

Apesar das incertezas sobre o crescimento chinês e, embora, a China ainda desempenhe importante papel no cenário mundial, sua contribuição tem caído nos últimos tempos. As previsões de crescimento mundial, que estão sendo revistas para baixo, tem como principal componente a desaceleração das economias desenvolvidas, como nos Estados Unidos e na União Europeia. Algumas estimativas apontam que a China responde, hoje, por cerca de 15% do crescimento global.

A grande dúvida, segundo Livio, é se a China vai conseguir voltar a crescer rapidamente, como algumas pessoas imaginam. “A taxa de crescimento estrutural da economia chinesa parece ser cada vez menor e o desenho de políticas feito ultimamente onde se prioriza, de novo, a atuação do Estado, com repressão financeira e investimentos em infraestrutura que algumas vezes não são os mais vantajosos, sugere que está ocorrendo uma alocação menos eficiente de capital, o que leva a economia para um nível de crescimento menor daqui para frente. Tem uma questão de curto prazo que todo mundo está olhando, mas tem um processo de transformação de médio prazo que aponta para um crescimento mais baixo”, alerta.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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