Em Foco

O país dos privilégios

Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro

O livro O Flagelo da Economia de Privilégios: Brasil, 1947-2020, que o economista Fernando de Holanda Barbosa, professor titular da FGV EPGE entre 1980-2020, publicou no mês passado, procura lançar uma luz sobre o que ele considera o câncer da economia brasileira: a profusão de privilégios encastelados nos mais diversos segmentos da sociedade, que leva o país a recorrentes períodos de crise fiscal e estagnação.

No livro, o autor pontua que nos últimos 70 anos o Brasil teve três grandes crises fiscais; 1960-1964; 1980-1994; e 2014 até agora, sem data para terminar.

Barbosa já viajou por mais de 150 países. Nessas viagens, aliou lazer a sua profunda curiosidade em conhecer a história política e econômica por onde passou. Uma forma, segundo ele, de melhor conhecer o Brasil: o que deu certo, o que deu errado, as razões de não se adotar modelos que deram resultado em outros lugares, como nos países asiáticos.

O rosário de privilégios Barbosa não atribui a ideologias, pessoas nem sistemas políticos, mas a uma cultura que leva os gestores a alimentar um amplo sistema de favorecimentos, do qual muitos brasileiros se beneficiam.

“A cultura brasileira com raízes no patrimonialismo ibérico e na colonização portuguesa, desde as capitanias hereditárias até o confisco da propriedade com a chegada de dom João VI ao Brasil, criou um comportamento no cidadão que acredita ter direito a tudo e obrigação de nada. A obtenção de privilégios do Estado tornou-se uma atividade comum, embora ela seja disfarçada e camuflada e diferentes modos”, diz no Prefácio do livro.

É o que acontece, por exemplo, com auxílios moradias a parlamentares, gastos com cartões corporativos, verbas de passagens e pessoal, subsídios, isenção de pagamentos de impostos, baixa taxação dos mais ricos, e mais um imenso cardápio de benefícios que acabam sendo incorporados. Uma vez obtido o privilégio, ele se torna um direito adquirido.

Para o autor, “a cultura e as instituições de nosso país produzem um jogo não cooperativo entre os diversos grupos da sociedade que resulta em crise fiscal e estagnação. A solução de cada crise produz um período de crescimento. Todavia, essa solução é transitória, porque o jogo continua até chegar ao mesmo desfecho, isto é, uma nova crise fiscal seguida pela estagnação. Essa experiência mostra uma sociedade na qual os erros são repetidos ao longo do tempo”.

Em seu livro, Barbosa divide a sociedade brasileira em três grupos que disputam o controle do poder público; 1) neoprogressistas, formado por aqueles que defendem a economia social de mercado e têm como objetivo transformar o Brasil em um país do primeiro mundo, combinando bem-estar e justiça social: 2) neopopulistas, formado por aqueles que que se inspiram na teoria marxista e têm um projeto de permanecer no poder por tempo indefinido; e 3) oportunistas, como o próprio nome diz, formado por oportunistas da economia de privilégios.

Apesar desse flagelo dos privilégios, que começaram desde que os portugueses por aqui aportaram, Barbosa é otimista com o futuro: o Brasil pode se tornar uma das economias mais ricas do mundo em três décadas. Mas para isso temos que mudar nossa estrutura de cultura e instituições.

Resumidamente, foram extraídos alguns pontos de seu livro que deveriam ser atacados para mudar esse quadro, conforme entrevista que ele concedeu à Conjuntura Econômica deste mês.

• Um marco importante desse processo de privilégios é a própria Constituição de 1988. Na parte de direitos individuais, não há o que criticá-la. Em geral a Constituição coloca que todo mundo tem direito a tudo e ninguém tem obrigação de nada, quando uma sociedade precisa estipular direitos e obrigações;

• Era a política fiscal quem tinha que lidar com os problemas trazidos pela pandemia: dar dinheiro aos desempregados, ajudar as empresas. Não era momento de fazer política monetária;

• Mercado e Estado são duas instituições complementares. Mas o Estado não pode ser assaltado pela sociedade. É preciso ter o Estado cuidando do social, e não do interesse privado;

• O teto dos gastos foi a maneira encontrada para se estabelecer uma âncora fiscal, mas é uma âncora errada. A âncora correta para uma crise fiscal é colocar um piso no superávit primário;

• Precisamos de uma consolidação fiscal de 3% a 4% do PIB. Então, será preciso aumento da carga tributária: reduzir a renúncia tributária e fazer com que os que pagam pouco paguem mais;

• Temos que aumentar o crescimento de nosso produto potencial. O que fazer no curto prazo? Como economista, eu só vejo um caminho, que é aumentar a taxa de investimento;

• No Brasil, ouvi gente dizendo que subir juros não era um instrumento apropriado, mas é. Entretanto, como disse, o custo social é elevado, e a dosagem terá que ser amarga.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

Subir