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Uma faca de dois gumes

Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro

Fechamos 2021 com a maior inflação desde 2015. O IPCA, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, calculado pelo IBGE, subiu 0,73% em dezembro, depois da alta de 0,95% em novembro, levando o acumulado do ano para 10,06%. Já era esperado que fecharíamos o ano passado com uma inflação de dois dígitos, seguindo a tendência mundial de alta generalizada dos preços.

A expectativa é como se comportarão os preços este ano. É bom lembrar que o ano passado foi bastante atípico, tanto em termos de crescimento como de inflação, o que, a princípio, não deve ocorrer em 2022. Com a pandemia, houve uma política de estímulos monetários e fiscais, levando a um maior consumo de bens, já que a demanda por serviços ficou limitada pelas medidas de isolamento.

Um ponto de pressão sobre os preços também foi gerado pela quebra da cadeia global de valor, afetando a produção de insumos industriais. A China, por exemplo, com a política de tolerância zero com a Covid-19, fechou portos, reduzindo ainda mais a oferta de insumos industriais.

“Foi um descasamento nunca visto entre oferta e demanda de insumos industriais. Também tivemos uma demanda muito grande por commodities em geral, como energia e alimentos, gerando um choque mundial de preços. Parte da inflação brasileira do ano passado seguiu esse ciclo mundial”, diz Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro FGV IBRE.

Nos Estados Unidos, a inflação ao consumidor em dezembro teve a sua maior alta em 39 anos: subiu 7% nos últimos 12 meses, a maior alta desde 1982. As projeções são de um arrefecimento este ano, mas as contaminações por lá pela variante Ômicrom – só no último dia 12, 7,3 milhões de norte-americanos haviam contraído o vírus, recorde desde que a pandemia começou –, já acarretam escassez de mão-de-obra e problemas no abastecimento.

Embora fazer previsões seja uma tarefa cada vez mais difícil depois que a Covid-19 se espalhou pelo mundo, a tendência é que ocorra um processo de queda de preços a nível mundial, mas num patamar acima do período pré-pandemia.

Nesse contexto, a dúvida é saber em que patamar a inflação ficará. Já estamos vendo um processo de subida de juros em todo o mundo para frear os preços – o FED, o banco central norte-americano, já sinalizou novas altas nas taxas de juros para este ano.

“Estamos observando uma desaceleração do crescimento mundial e uma queda de demanda devido à subida de juros para combater esse processo inflacionário. Mas, mesmo assim, como ainda temos a pandemia presente, ela continua afetando a oferta de insumos industriais. Esse processo vai se ajustar, com a demanda arrefecendo e a oferta respondendo, levando a uma desaceleração. Mas em alguns segmentos ainda há pressões inflacionárias, o que não é bom”, diz Silvia.

A Cepal estima que a América Latina deve crescer apenas 2,1% este ano, revisando a previsão anterior de crescimento de 2,9%, devido a uma demanda global mais fraca e uma acomodação nos preços das commodities. A região deve sofrer mais com pressões inflacionárias crescentes e redução dos espaços fiscais devido à pandemia. O Brasil, segundo estimativas da Cepal, terá um crescimento de 0,5%, o menor da região.

Na avaliação de Silvia, o mundo não irá experimentar um período de inflação bem mais baixa, pois na época em que tivemos crescimento mundial, na era da globalização, houve um papel muito importante da China exportando uma inflação muito baixa de bens. Hoje, ao contrário, eles também sofrem com problemas inflacionários. Com isso, ainda haverá um período de inflação mundial pressionada por questões de oferta e demanda.

Agora, trazendo todas essas questões para o cenário interno, o que devemos esperar? Silvia elenca alguns pontos:

• a desinflação que deve ocorrer no mundo

• a redução do choque de energia do ano passado no Brasil pela ausência de chuvas

• a redução do peso dos preços administrados, que devem permanecer acima da meta da inflação, mas abaixo do que se viu em 2021, principalmente pelo arrefecimento dos preços dos combustíveis. O Boletim Macro FGV IBRE tem uma projeção de aumento de 5% nos preços administrados este ano.

Alguns fatores que devem ajudar a puxar a inflação para baixo. Mas, na outra ponta, como num cabo-de-guerra, outros a puxam para cima.

• os bens industriais tradables, que estão muito relacionados com a inflação mundial, embora possam desacelerar, ainda vão pressionar os preços

• a questão cambial, que traz ao cenário de bens industriais com uma inflação mais alta

• a questão climática que pode afetar a produção de alimentos em algumas regiões do país

Para Silvia, a única forma de manter a inflação mais próxima do limite superior da meta este ano é com uma subida de juros mais expressiva. O Boletim Macro estima que a inflação em 2022 seja de 5,2%. Um componente adicional: neste ano, de eleições, a pressão por gastos é enorme.

Subir juros para controlar a inflação e frear o crescimento, com alta taxa de desemprego, aumento da miséria. Uma faca de dois gumes. Ou, como dizia meu saudoso amigo Claudio Lachini: “uma faca de dois legumes”, quando um problemão tinha que ser resolvido.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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