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A nova ameaça

Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro

Larry Brilliant é um epidemiologista norte-americano que ficou conhecido, e respeitado, por fazer parte da equipe da Organização Mundial da Saúde (OMS) que ajudou a erradicar a varíola no mundo. Os primeiros casos de varíola datam entre 4 mil e 3 mil anos atrás, mas o combate à doença só ganhou fôlego em 1967, quando 34 países apresentavam casos da doença. Três anos depois, eram 18 países, incluindo o Brasil. Em 1974 esse número despencou para apenas cinco, embora na Índia o número de infectados continuasse alto, na casa dos 188 mil.

Em um esforço concentrado no mundo, com mais de 150 mil profissionais trabalhando no combate à varíola, o último caso notificado foi em 1977. Em 1980, a OMS declarou a erradicação da varíola no mundo. Exemplo que deveria ser seguido no combate à COVID-19, com um esforço conjunto a nível mundial.

Enquanto isso não ocorre, debruçado sobre a pandemia do novo coronavírus desde o ano passado, Brilliant busca respostas sobre a nova ameaça que desabou sobre o mundo: a variante Delta que surgiu avassaladora na Índia atingindo seu pico em meados de maio, com 392,3 mil casos medidos pela média móvel de sete dias, desabando para menos de 4,7 mil casos até ontem (12/08). Da Índia, a nova cepa se espalhou como um rastilho de pólvora pelo mundo, começando pela Ásia.

Relatório da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) mostra que a nova variante já é a dominante em todo o mundo, tendo sido identificada em quase 90% das amostras sequenciadas, estando presente em 135 países, 22 deles nas Américas.

Enquanto há 13 meses a variante Alpha era a predominante, o novo levantamento aponta para uma inversão de cenário, com a Delta sendo identificada em quase 90% dos casos. O estudo mostra que o aumento de infecções pela cepa originária da Índia começa a ganhar força a partir de fim de abril e início de maio.

O Brasil registra mais de 400 casos da Delta em dez estados. Na semana passada, a Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro informou que a variante já é identificada em 45% das amostras analisadas na capital fluminense. Em São Paulo, um boletim divulgado pelo Instituto Adolfo Lutz (IAL) apontou a Delta em 23,5% das amostras sequenciadas. Ontem (12/08), com 15 casos confirmados da variante, todos de passageiros vindos de outros estados por avião,  o Ceará decidiu exigir atestado de vacinação completa ou exame negativo para a COVID-19 realizado 72 horas antes da viagem para lá. É o primeiro estado brasileiro a adotar a medida.

No Rio de Janeiro, onde a vacinação teve que ser interrompida essa semana por falta de imunizante – nesta sexta a vacinação voltou a ser feita –, a curva de novos contágios voltou a embicar para cima, recentemente. E, em São Paulo, já se observa uma desaceleração na queda de novos casos. As causas podem ser a propagação da nova variante, vacinas perdendo efeito em parte da população, pessoas ainda não vacinadas, flexibilização das medidas restritivas. Nos próximos dias, com o monitoramento que é feito pelo governo paulista, se saberá como irão se comportar as curvas de contágios e mortes. Por precaução, cinco municípios do Grande ABC paulista decidiram não adotar o fim das restrições do funcionamento do comércio no estado, prevista para entrar em vigor no próximo dia 17.

Embora a cepa indiana esteja avançando no Brasil, até agora os números de novos casos e mortes, ainda que em patamares elevados, estão estabilizados, com tendência de queda. Segundo o site Worldometer, a média móvel de novos casos encerrada no último dia 11 era de 31.806, a mais baixa desde a terceira semana de novembro do ano passado. E a de óbitos diários, de 900, era a menor desde o começo de janeiro deste ano.

Com o aumento dos contágios em muitos países, uma nova preocupação surge no horizonte com essa nova variante: o tempo de eficácia da vacina. Em Israel, com mais de 80% da população totalmente vacinada, os casos começaram a subir há cerca de uma semana, e já se pensa em medidas mais severas para conter um novo surto que apareceu no país. Utilizando a vacina da Pfizer, Israel já havia começado a aplicação de uma terceira dose de reforço em cerca de 600 mil israelenses.

O caso israelense, com comportamento diverso do que ocorre no Reino Unido e na Índia, acendeu um sinal de alerta no mundo, já que não há estudos concretos sobre o tempo da eficácia das vacinas, o que pode desencadear um novo surto pelo mundo com a rápida propagação da variante Delta. Ou de outras cepas que podem estar em fase de mutação.

Novos casos crescem em Israel
(média móvel últimos sete dias)


Fonte: Worldometer.

Mas o que leva essa nova variante a se espalhar com tanta rapidez e, depois de um certo tempo, esmorecer, não tendo uma vida longa como ocorreu em alguns países, segundo acredita o epidemiologista norte-americano?

Não há resposta. E é o que Brilliant e uma legião de cientistas estão procurando. Ele fez um estudo sobre o surto da COVID-19 em São Francisco e Nova York e descobriu que a curva da pandemia nesses dois locais apresenta uma forma de V invertido. Ou seja: as infecções aumentam muito rápido, mas, também, diminuem na mesma velocidade.

Se a sua teoria estiver certa, como declarou a rede CNBC, a variante delta se espalha tão rápido que “basicamente ficaria sem candidatos” para infectar mais pessoas.

Segundo ele, parece haver um padrão semelhante do que ocorreu no Reino Unido e na Índia, onde a propagação dessa nova cepa diminuiu em relação às altas recentes. Isso pode ser visto nos dois gráficos abaixo, da média móvel de novos casos e mortes nesses dois países.

E despencam na Índia
(média móvel últimos sete dias)

 

As mortes também
(média móvel últimos sete dias)


Fonte: Worldometer.

 

Queda no Reino Unido
(média móvel últimos sete dias)

Seguida pelas mortes
(média móvel últimos sete dias)


Fonte: Worldometer.

Como a maioria dos cientistas, Brilliant é enfático em afirmar que a pandemia não está acabando, como muitos têm afirmado, já que apenas uma pequena parcela da população mundial foi vacinada.

“Acho que estamos mais perto do início do que do fim [da pandemia], e isso não é porque a variante que estamos vendo agora vai durar tanto tempo”, disse Brilliant. “A menos que vacinemos todos em mais de 200 países, ainda haverá novas variantes”, disse à CNBC recentemente.

Hoje, segundo os dados disponíveis, apenas 15% da população mundial foi vacinada e mais de 100 países não conseguiram imunizar nem 5% de sua população. Dois mundos paralelos estão se formando: o dos de alta e média renda alta e os demais, como mostram os gráficos abaixo.

Doses aplicadas no mundo
(por faixa de renda)


Fonte: Our World In Data e Banco Mundial. Dados até 10/8/2021.

 

Doses aplicadas por continente
(em relação à população)


Fonte: Our World In Data. Dados até 10/08/2021.

É inadmissível que países ricos, com vacinas sobrando, não façam um programa concreto de envio de imunizantes aos países com dificuldades de acesso. É sempre bom lembrar a experiência do combate à varíola, citada no começo desse texto.

Vacinar é a única forma, até o momento, de barrar o vírus que voltou a circular na China, depois que um voo pousou por lá com um passageiro contaminado com a variante Delta. O pessoal que fez a limpeza no avião contraiu o vírus e ele começou a se propagar. Em apenas duas semanas, quase metade das 32 províncias da China já notificou casos da variante Delta. Autoridades fecharam pontos turísticos, cancelaram eventos culturais e voos devido ao novo surto.

Também é difícil entender a resistência de milhões de pessoas em se vacinarem. Nos Estados Unidos, o aumento dos casos e mortes são, em sua esmagadora maioria, de pessoas não imunizadas. Na França, o governo instituiu o passe vacina, ou seja, só vacinados podem frequentar restaurantes, teatros, viajar. Houve manifestações de rua, quebra-quebra, confronto com a polícia contra ação do governo.

Dados divulgados esta semana do Info Tracker, da USP e Unesp, mostram que apenas 3% das mortes por COVID-19 no período de janeiro a junho deste ano em São Paulo foram de pessoas totalmente vacinadas. Ou seja: a vacinação completa impediu a morte de 97% das pessoas pesquisadas

Como tenho reiterado: a vacinação é uma questão de saúde pública e só ela pode reduzir a contaminação e os óbitos.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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