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Economia melhora, mas desafios são enormes

Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro

As reformas que estão sendo aprovadas – o novo arcabouço fiscal – e a tão esperada reforma tributária, levaram os agentes do mercado a uma grande euforia. Vendo o noticiário, e falando com algumas pessoas, parecia que a maioria de nossos problemas estava resolvida e que iniciaríamos um ciclo de crescimento mais robusto. Embora eu –como todos os brasileiros – deseja que o País cresça, reduza as desigualdades, ainda há muitos obstáculos a serem ultrapassados. E, pelo andar da carruagem, a euforia do mercado, que já murchou um pouco, era um pouco descabida.

O Boletim Macro FGV IBRE reviu suas projeções de crescimento do PIB este ano para 1,8% (antes era 1,6%), mantendo a sua posição conservadora ante previsões que estimam crescimentos entre 2,5% a 3%. Isso se deu devido aos resultados do segundo trimestre de um punhado de dados, que mostraram um quadro menos negativo do que se esperava para o setor de serviços, em particular para transportes e outros serviços, além da indústria extrativa. Mas, se a previsão de confirmar, crescer perto dos 2% é ainda muito pouco.

Olhando para frente, o cenário também não é muito promissor. Os investimentos têm caído e a produtividade, como tem mostrado o Observatório da Produtividade Regis Bonelli, não melhora, mantendo índices medíocres, o que torna a possibilidade de um crescimento mais robusto a curto prazo uma tarefa desafiadora, mesmo com redução da taxa de juros nas próximas reuniões do Copom.

O governo aposta suas fichas no recém-lançado Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que prevê investimentos da ordem de R$ 1,7 trilhão para turbinar a economia. Que o PAC dê certo é torcida de todos, mas o programa carrega os alguns defeitos dos PAC anteriores (já haviam sido lançado dois), dizem seus críticos, por não entregarem os resultados desejados: os investimentos no período cresceram, mas o retorno desses investimentos foi negativo. Os defensores do PAC argumentam que ocorreram avanços, com melhoria de gestão, aprimoramento das Parcerias Público Privadas (PPPs), embora existam projetos que deveriam ser mais bem-avaliados, como o da construção naval. O Brasil tenta, há anos, fazer navios. Sempre um desastre. Mas só o tempo dirá.

Do Boletim Macro de agosto, que foi destaque na edição do último dia 23 de agosto do Valor Econômico, destaco alguns temas que, acredito, sejam relevantes para uma melhor compreensão da nossa economia e o que ocorre no exterior.

• Os dados divulgados nas últimas semanas reforçam a expectativa de uma desaceleração moderada da atividade econômica no Brasil e, concomitantemente, da continuidade do processo desinflacionário em curso, ainda que com o núcleo de inflação caindo em ritmo bem mais gradual. Cenário que não é apenas nosso. Esse processo tem sido similar na grande maioria dos países desenvolvidos e emergentes.

• Para os bancos centrais de países desenvolvidos, a tendência é de sinalização de que estão perto de encerrar o ciclo de alta dos juros, pois a inflação está cedendo, a despeito de uma atividade econômica ainda bem resiliente. Em particular, nos EUA, o crescimento continua sustentado pela demanda doméstica, com o mercado de trabalho em desaceleração muito lenta, como refletido na massa salarial ainda em expansão. Mesmo assim, tudo indica que a taxa de juros praticada pelo FED, o banco central norte-americano, deve permanecer elevada por um tempo prolongado.

• Mas se a atividade econômica tem se mostrado mais positiva, a perspectiva é de uma taxa de juros neutra mais elevada, inflação mais persistente e, com isso, os prêmios de papéis de prazos mais longos se elevam. Consequentemente, os rendimentos dos títulos americanos e globais de prazo mais longo subiram nas últimas semanas.

• Com isso, a perspectiva é de que a inflação ficará ainda elevada por um bom tempo, assim como teremos juros reais mais altos a médio prazo: consequentemente, haverá juros longos mais elevados também. Portanto, um cenário bem distinto do que prevaleceu entre a Grande Crise Financeira e o início da pandemia. O pouso poderá ser suave, mas não levará a economia de volta ao passado.

• Na área do Euro, como a atividade econômica prossegue com sinais positivos, tudo indica que haverá novo aumento de juros em setembro.

• Na China, como já era destacado pelo Boletim Macro, os dados continuam apontando para um cenário de desaceleração mais intensa da atividade que o esperado pelo mercado. Além da fraca demanda externa, a demanda doméstica também não dá sinais de retomada. Somados a isso, os problemas no setor imobiliário se intensificam. Por ora, a previsão de crescimento é de 5,0% em 2023, de acordo com as previsões do pesquisador Lívio Ribeiro1.

• Por aqui, além da queda dos investimentos e falta de ganhos de produtividade, a desaceleração da atividade econômica e a redução nos preços de commodities impactam negativamente a arrecadação de tributos, com as receitas caindo também devido à decisão de reduzir a distribuição de dividendos pelas estatais. Concomitantemente, as despesas se intensificaram, o que levou o setor público consolidado a registrar um déficit de 0,24% do PIB nos 12 meses encerrados em junho, ante superávit de 0,38% do PIB no mês anterior. Tudo indica um déficit da ordem de 1% do PIB neste ano, e o risco é de ele ser ainda maior em 2024.

• Ainda há muita incerteza sobre a capacidade de o governo de reduzir o déficit em 2024. O governo deve divulgar medidas adicionais para aumentar as receitas, mas que precisam passar pelo Congresso, com o objetivo de zerar o déficit primário. A proposta orçamentária de 2024 será enviada ao Congresso até o dia 31 de agosto. Assim, há ainda muitos desafios para se atingir o objetivo do governo, de zerar o déficit em 2024. Em breve, se espera, teremos mais detalhes sobre a capacidade de o governo aumentar a arrecadação, em um contexto de expansão contínua de gastos.

• Como como seria de esperar, a questão da credibilidade do arcabouço se intensifica. Com o lançamento do novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), volta a discussão sobre novas exceções às regras de meta fiscal, pois a intenção do governo é excluir da meta os investimentos do novo PAC realizados por empresas estatais.

Nas seções do Boletim, esses são os destaques:

• Os índices de confiança de empresas e consumidores caminharam em sentidos opostos em julho. Enquanto a confiança empresarial perdeu fôlego, a dos consumidores avançou mais uma vez, atingindo nível superior ao da confiança empresarial pela primeira vez em três anos.

• Os microdados da PNAD Contínua mostram que, desde o segundo trimestre de 2019, as regiões Norte e Centro-Oeste exibem fortes altas de emprego, emprego formal e massa de rendimentos, seguidas pelas regiões Sudeste e Sul e, finalmente, pelo Nordeste. Por outro lado, a distribuição de renda no país se desconcentrou no período, com forte alta dos rendimentos dos mais pobres e perda real dos trabalhadores com maior salário.

Evolução da Massa de Rendimentos Efetivos do Trabalho por Região
(Número Índice; 2019.2 = 100)

Fonte: PNADC (IBGE). Elaboração: FGV IBRE. Obs: Valores Reais a preços do segundo trimestre de 2023.

• Apesar da recuperação no último ano, em função de desembolsos mais fortes nos estados e municípios, os investimentos públicos se mantiveram em um nível muito baixo desde que o processo de ajuste fiscal teve início em 2015. Com o lançamento do PAC, alguns críticos rechaçaram o plano por apresentar “ideias velhas”, ou acusando o plano de estar “inflado com obras inacabadas”. A melhor forma de discutir o PAC, no momento, é avaliar os projetos em carteira e as medidas para superar desafios históricos necessários para destravar os investimentos públicos e privados.

• A principal contribuição para a redução do déficit em transações correntes é a balança comercial, o que deve continuar nos próximos meses. No entanto, à frente essa contribuição será menor. Os preços exportados e importados seguem com comportamento similar, o que se reflete na estabilidade dos termos de troca. O comportamento do volume importado, associado ao nível de atividade doméstica, deverá continuar desacelerando em relação a 2022. O volume exportado, que vinha crescendo na comparação com os meses de 2022, deverá cair.

Leia a íntegra do Boletim Macro FGV IBRE.

 

1O pesquisador associado do FGV IBRE está entre os cinco melhores analistas no mundo na previsão do PIB da China, de acordo com a Bloomberg.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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