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As desigualdades no endividamento das famílias

Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro

O aumento do endividamento das famílias tem levado o governo a lançar programas para renegociação das dívidas, como forma de aumentar o potencial de consumo da economia. Em 2022, a cada 100 famílias brasileiras, 78 estavam endividadas. O patamar já era o mais elevado da série histórica (com início em 2010) da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), da CNC. Em junho, depois de meses de estabilidade, esse número avançou mais um pouco, chegando a 78,5%.  Ontem, o Banco Central divulgou os dados da inadimplência nas carteiras de crédito, que ficou relativamente estável em junho em relação a maio, embora tenha apresentando ligeiro avanço, de 0,9% nos últimos 12 meses.

Trabalho feito pelos pesquisadores do FGV IBRE Silvia Matos, Katherine Henings e Genaro Lins, desagregando os dados de crédito por faixas de renda, mostra que a taxa de inadimplência segue em alta, mas não a ponto de impactar a solidez global do sistema financeiro nacional. Mas é preocupante quando olhamos os valores por faixas de renda, que mantêm uma alta contínua.

Segundo o trabalho, utilizando as estatísticas do Sistema de Informações de Créditos (SCR) do Bacen, a inadimplência por faixa de renda é maior e cresce mais acentuadamente nos grupos com renda entre 0 e 2 salários-mínimos e no grupo com renda entre 3 e 5 salários mínimos.

• Em maio último (último dado disponível), a taxa de inadimplência com o Sistema Financeiro Nacional foi de 6,8% para tomadores de até 2 salários-mínimos, de 5,1% para o grupo de 3-5 salários-mínimos e de apenas 2,0% para o grupo igual ou acima de 5 salários-mínimos.

Inadimplência


Fonte: SCR do Banco Central. Elaboração FGV IBRE.

Outros pontos destacados no estudo:

• Evolução da taxa de inadimplência do sistema: aumento de 0,6 ponto percentual, para 3,6% nos seis primeiros meses de 2023. De forma desagregada, o indicador do crédito para Pessoas Físicas (PF) total aumentou 0,3 ponto percentual, atingindo 4,2%, e com recursos livres, elevou-se em 0,4 ponto percentual, para 6,3%.

• Inadimplência é elevada e segue crescendo nas modalidades de crédito a pessoa física que não pedem garantias e, de forma geral, não possuem prazo pré-definido, constituindo fonte de recursos para emergências e não deveriam ser de uso continuado – rotativo do cartão de crédito, parcelamento de cartão de crédito e cheque especial (49,1%, 9,9% e 13%, segundo dados de junho deste ano).

• A inadimplência junto ao SFN tende a ser acompanhada de inadimplência mais elevada em outras modalidades de crédito, como boleto de lojas, e junto a empresas prestadoras de serviços de energia elétrica, água e saneamento, telecomunicação, o que tende a levar o inadimplente às listas de devedores (negativados) e a comprometer sua capacidade de consumo e seu bem-estar.

• Os recorrentes mutirões para renegociação de dívida – que alcançam não apenas a inadimplência junto ao SFN mas os demais compromissos não honrados – não têm se mostrado suficientes para reduzir o endividamento e a falta de pagamento. O próprio programa público de renegociação de dívida Desenrola Brasil já foi apontado como solução transitória e pontual. Há que se buscar uma alternativa mais estrutural, ainda que de longo prazo.

Outro ponto levantado pelos pesquisadores é a necessidade de um maior conhecimento sobre educação financeira pela população. Ou seja: saber os juros que serão pagos, se o empréstimo vai caber em seu orçamento, se é hora de pegar dinheiro emprestado em banco, saber que ao usar cheque especial ou crédito rotativo do cartão de crédito, que tem liderado o endividamento das famílias, os juros a serem pagos serão estratosféricos, não cabendo dentro do orçamento, e daí por diante.

• Decisões financeiras bem informadas, sobre as condições das operações e os impactos sobre o comprometimento de renda futuro e suas implicações na capacidade de honrar os compromissos e realizar as despesas cotidianas devem fazer parte da cidadania

• Dado o elevado nível de inadimplência junto aos grupos com menor perfil de renda (estima-se que os indivíduos que percebem até 2 salários-mínimos representem cerca de 66% da população que recebe renda do trabalho, de acordo com os dados da PNAD), há que se considerar programas para jovens e adultos.

• Considerando o impacto da educação infantil/fundamental e média no comportamento futuro dessas crianças e jovens, bem como a sua disseminação junto aos familiares próximos, programas de educação financeira para crianças e jovens devem ser estimulados e integrados ao cotidiano das escolas e famílias.

• A popularização dos conceitos e das informações sobre transações financeiras deverá contribuir para que decisões informadas sejam o comportamento habitual dos cidadãos, favorecendo não apenas a sua saúde financeira e sua qualidade de vida, mas contribuindo para a redução da desigualdade social.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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