“É difícil ter uma discussão madura de reforma tributária este ano. Precisamos deixá-la para 2023”, diz Manoel Pires

Manoel Pires, pesquisador associado do FGV IBRE

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

O conjunto de propostas que o grupo de empresários do Instituto Unidos Brasil (IUB) promete entregar ao Congresso em forma de PEC, anunciado na semana em que o presidente do Senado Rodrigo Pacheco (PSD-MG) pautou a votação da reforma tributária, é considerado problemática pelo pesquisador associado do FGV IBRE Manoel Pires, além de uma mostra da falta de clima para a votação de uma reforma tributária ainda este ano. “A sinalização dos empresários é de forte oposição à PEC 110/2019, que unifica impostos federais na Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e de estados e municípios no Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Junto ao fato de que hoje os parlamentares têm um horizonte encurtado pela proximidade das eleições, essa manifestação reforça o diagnóstico de que é difícil ver uma discussão madura de reforma tributária acontecer este ano. Precisamos deixá-la para 2023”, diz Pires. 

Uma das medidas defendidas pelos empresários é a da recriação de uma CPMF cuja arredacação seria usada para a desoneração da folha de pagamentos. A proposta já esteve na pauta do ministro da Economia Paulo Guedes, e as divergências em torno dela levaram à saída do então secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, seu principal defensor (veja entrevista de Cintra à Conjuntura Econômica). A desoneração da folha via CPMF fazia parte dos quatro eixos da proposta apresentada por Guedes, da qual ainda faziam parte a unificação dos dois impostos federais, PIS e Cofins, a reforma do Imposto de Renda pessoas física e jurídica e uma reformulação do IPI. Pires ressalta que o percentual de 0,1% cogitado até agora pelos empresários - contra 0,38% da contribuição original, que correspondia a 1,2% do PIB – parece muito aquém do necessário para cobrir a perda de receita com o fim da contribuição patronal do INSS. “De acordo com a Receita Federal, essa contribuição patronal representa 4,3% do PIB. Pela proposta divulgada até agora, essa CPMF recolheria menos de ⅓ da CPMF antiga, que já era ⅓ do necessário. Mesmo que essa contribuição amplie a base, ou se considere que nem todo empregador contribui sobre a folha, o que reduz a base de cálculo, é uma diferença muito grande. Essa discussão, por enquanto, parece fora de lugar”, diz

Pires considera que a tempestividade da ação dos empresários tem como principal objetivo barrar o avanço da PEC 110. Movimento que tampouco é novo, e já havia ganhado o debate no segundo semestre de 2020, conforme repercutido na Conjuntura Econômica de outubro desse ano. Entre as principais resistências estavam a do setor de serviços, que terá sua carga tributária ampliada, e não considerava clara a compensação que teria diante desse aumento.  “Tem um problema de origem na discussão de reforma tributária sobre consumo, que é achar que todo mundo tem que ser tributado com a mesma alíquota. Mas se observarmos o que acontece em países da OCDE, veremos que não é assim. Há setores com alíquotas menores, com isenções. São formas de vencer essas resistências”, diz o pesquisador associado do FGV IBRE. “Por exemplo, na Europa, saúde e educação não são tributados. Aqui, com a reforma, a alíquota desses setores passaria de 5% a 6% para 25% ou 28%, e não precisa ser assim. Se abrirmos a discussão sobre esses setores, tornaremos a discussão mais produtiva e deixaremos claros os lobbies de outros setores de rentabilidade alta que poderiam pagar mais imposto, mas pegam carona no apelo dessas atividades que são tratadas de forma diferenciada pelas externalidades que geram para a economia e o desenvolvimento do país”, diz. 

Outra medida defendida pelo grupo de empresários, e que deverá constar na prometida PEC, é uma descentralização das agências reguladoras que, para Pires, dependendo da forma como for proposta, pode reforçar a ação de lobbies. “O debate sobre as agências reguladoras tem seu mérito, pois o modo destas operarem acabou abrindo muito espaço para atuação como formuladoras de diretrizes de políticas em detrimento do trabalho técnico, o que por sua vez acabou gerando mais interesses em influenciar nomeações, tornando o processo disfuncional”, diz Pires, condenando, entretanto, o arranjo proposto pelos empresários. “Quando mencionam uma proposta de criação de um comitê dentro dos ministérios – que são os responsáveis pela formulação de políticas – na qual a maior parcela de representação será de consumidores e empresários, e a menor para o governo, me parece claro que é uma estrutura mais vulnerável a interesses setoriais, com risco de se perder ainda mais a parte técnica, que deveria ser o foco de uma agência. Ou seja, a discussão é boa, mas a solução indicada traz muitas dúvidas.”

Pires defende que debates como esse sejam postergados para 2023. No caso da reforma tributária, considera que para se avançar em um debate produtivo é preciso cuidado em ter discussões focadas e se costurar um bom diálogo com as bancadas. “As experiências que tivemos nos últimos anos são muito ruins”, afirma, citando o caso da reforma do Imposto de renda proposta pelo governo no ano passado e seus desdobramentos no Congresso. “Na tributação sobre o consumo, discutimos muito a melhor estratégia política de implementação da reforma, mas não há nenhuma certeza sobre sua aprovação em nenhum cenário. Discutir várias reformas ao mesmo tempo atrapalha. É preciso escolher uma reforma por vez, ou um bom combinado, e debater com as lideranças políticas o que é possível fazer para se chegar a um consenso. Hoje, a discussão está correndo solta, sem participação governamental que poderia oferecer algum suporte técnico, mas temos os parlamentares envolvidos nas costuras comuns de processos eleitorais, e esse cenário torna difícil se avançar em uma agenda positiva”, conclui.

 


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