Dura na queda

Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro

Nos últimos 12 meses, encerrados em janeiro último, a inflação, medida pelo Índice Geral de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), fechou em 10,38%. A alta dos preços em janeiro, de 0,54%, embora menor que a de dezembro, foi a maior para o mês desde janeiro de 2016 quando cravou em 1,27%.

Para Lívio Ribeiro, pesquisador-associado do FGV IBRE e sócio-diretor da BRCG, o resultado não se deve a uma pressão adicional sobre os preços administrados, que foram os que mais subiram no ano passado, e tiveram um recuo em janeiro, mas devido a uma maior pressão sobre os preços livres captadas nos dados de janeiro.

De uma forma generalizada, os chamados preços livres, aqueles que não sofrem nenhum tipo de controle, mostraram, nos últimos 12 meses, uma tendência de aceleração em função de pressões de preços nos bens industriais, duráveis e semiduráveis, bem como no setor de serviços com o aumento da mobilidade das pessoas. No caso dos bens duráveis, a alta nos últimos 12 meses foi de 13,9%, enquanto nos semiduráveis foi de 11,1%.

Segundo Ribeiro, “a abertura dos preços livres mostra tendência disseminada à aceleração dos preços acumulados em 12 meses com pressões tanto em bens (destacando bens industriais, duráveis e semiduráveis) como em serviços. Temos ressaltado há muito que o balanço de riscos para os bens industriais tem sido crescentemente negativo, com leituras mensais muito pressionadas desde meados de 2021. As novas ondas de desorganização produtiva e o descasamento entre demanda e oferta, em escala global, devem manter tão dinâmica negativa durante os próximos meses - a leitura mensal de janeiro confirmou os nossos temores, marcando novo máximo desde 2012”.

Outro ponto que o sócio-diretor da BRCG e pesquisador-associado do FGV IBRE lembra é que a inflação continua bastante concentrada nos chamados tradables, bens que podem ser vendidos interna e externamente, e que voltaram a se acelerar no acumulado dos últimos 12 meses, com forte resistência à uma desaceleração. E para piorar: a inflação acumulada dos non-tradables, comercializados internamente, e nos serviços também mostram, no acumulado dos 12 doze meses, tendência de alta.

Componentes do IPCA
(Acumulado em 12 meses)


Fonte: IBGE. Elaboração: BRCG.

 

IPCA Livres: Bens x Serviços
(acumulado em 12 meses)


Fonte: IBGE. Elaboração BRCG.

A inflação vai continuar elevada este ano, acima do teto da meta, embora menor do que os 10,6% do ano passado, principalmente pela menor pressão dos preços das tarifas de energia elétrica que explodiram em 2021 com o risco da crise hídrica.

No entanto, há uma série de fatores que, por um lado, devem puxar a inflação para cima. Houve uma seca na região Sul do país na passagem do ano passado para 2022 que afetou culturas importantes, como a soja e o milho, com impactos relevantes sobre os preços dos alimentos. Como os dois produtos também servem para a alimentação animal, aumentam os custos da carne bovina, suína e de aves. No IPCA de janeiro, por exemplo, o grupo alimentos e bebidas subiu 1,11%, ficando acima da variação de 0,84% no mês anterior.

Depois dos alimentos, outro vilão são os combustíveis. Com a atividade econômica ganhando tração no mundo, a demanda por combustíveis teve forte aumento, levando os preços às alturas. Ingrediente que foi engrossado mais recentemente com o receio de um conflito entre a Rússia e a Ucrânia. Os preços do barril do petróleo, o do tipo Brent, que haviam subido mais de 23% em 2021, já acumula alta de 16% este ano. Além do petróleo, onde é o terceiro maior produtor mundial, a Rússia também é o segundo maior produtor de gás, abastecendo mais de 40% da Europa.

O dólar é outro elemento de pressão inflacionária. Embora tenha encenado uma ligeira queda este mês, o cenário internacional não está muito favorável para que a moeda norte-americana apresente um recuo mais forte. Pelo contrário: as previsões são de alta ou manutenção em patamares elevados por, pelo menos, duas razões: 1) o aumento da taxa de juros nos Estados Unidos que acaba fortalecendo o dólar no mundo: 2) e as incertezas sobre as eleições no Brasil, o que afasta investidores do país. Ou seja: deve haver uma forte volatilidade do câmbio ao longo deste ano, contaminando os preços.

Nesse cabo de guerra, na batalha contra uma inflação dura na queda, o Banco Central tem elevado, sistematicamente, a taxa básica de juros. Se começamos 2021 com uma taxa de juros de 2% ao ano, ela subiu para 10,75% este ano, com tendência de novas altas. Juros mais altos reduzem o consumo das famílias e dificultam repasse de preços aos consumidores pela baixa demanda.

O desemprego alto, a queda de renda da população – apesar da taxa de desemprego estar caindo, piora a qualidade do emprego, levando a uma remuneração mais baixa –, também são fatores que inibem o consumo e travam um repasse de preços. Segundo dados do IBGE de novembro de 2021 – últimos disponíveis – a renda média do trabalhador estava em R$ 2,4 mil, a menor desde 2012 quando teve início a Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios, e 11,4% abaixo de novembro de 2020.

Outro ponto que pode reduzir a margem de repasses de preços aos consumidores, é que, com a alta generalizada de preços disseminada por vários segmentos da economia, pode sobrar pouco espaço para uma nova rodada de alta. O que pode segurar, um pouco, a curva ascendente da inflação.

Agradeço a pesquisadora do FGV IBRE, Mayara Santiago da Silva, pelos dados para a elaboração dos gráficos.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

Subir