A década perdida

Por Claudio Conceição, do Rio de Janeiro

A Carta do IBRE deste mês, coloca na mesa uma questão praticamente fora do debate econômico, ao perguntar se o baixo crescimento brasileiro nos últimos anos não seria fruto, também, de uma razoável parcela de má sorte, ou bad luck, usando o termo em inglês. Além, é lógico, de más políticas econômicas, as bad policy.

É importante lembrar, como menciona a Carta, que os economistas “Easterly, Pritchett, Kremer & Summers já apontavam, em artigo acadêmico de 1993, que parte não desprezível das diferenças de desempenho econômico dos países em período mais curtos (isto é, ao longo de uma década) não se deviam apenas às “good policies”, mas também à “good luck” (sobretudo choques de termos de troca)”.

Lembra a Carta que “formou-se uma narrativa dominante, que persiste mesmo com um razoável distanciamento histórico, pela qual toda a sofrível trajetória da economia brasileira a partir de 2015 tem como causa principal os erros consubstanciados na chamada “Nova Matriz Econômica (NME)”. Oficialmente, a NME durou de 2012 a 2014, mas não é incomum que essa narrativa vá buscar no fim da chamada “era Malocci” (1995-2006) as sementes que gerariam a década perdida brasileira recente”.

Diferença acumulada do PIB efetivo, no nível,em relação às projeções feitas pelo FMI em abril/12 (em %)
Projeções em abril/12 para 2018 e 2019 correspondem a extrapolações das taxas previstas para 2017


Fontes: WEOs Apr/12 e Oct/21, IMF.

Mas, pergunta a Carta, “será que boa parte do colapso econômico observado na última década se deveu ao tal conjunto de políticas domésticas “ruins”? Mais: será que a recuperação atipicamente lenta do PIB brasileiro em 2017-19, mesmo com enorme excesso de ociosidade prévio, ainda refletiria o fardo associado a uma eventual “herança maldita” da NME?

Bráulio Borges, pesquisador-associado do FGV IBRE, tem se debruçado sobre essa questão, apontando fatores que podem explicar a chamada má sorte de nosso país. De uma forma resumida, esses são os principais pontos levantados por Borges.

• Queda dos preços das commodities que seriam responsáveis, segundo estudos, por aproximadamente 30% dos erros de previsão do PIB brasileiro são explicados por choques nos preços internacionais de commodities, percentual que alcança 50% quando também se incluem os choques no PIB e comércio globais;

• Outro evento internacional importante para o Brasil foi a deliberada mudança da função de reação da Organização dos Países Produtores de Petróleo (OPEP) no final de 2014, que representou forte choque negativo sobre a indústria petrolífera global. A organização atuou para derrubar o preço do petróleo, de modo a dificultar ou inviabilizar outros produtores, como o shale gas norte-americano. O barril caiu de cerca de US$ 100 para US$ 25 entre o final de 2014 e o início de 2016 – algo totalmente inesperado, segundo as projeções de consenso de meados de 2014;

• Com a descoberta do “bilhete premiado” do pré-sal no Brasil em 2006/07, criou-se a expectativa de que o Brasil se tornaria exportador líquido relevante de petróleo e derivados – algo que efetivamente aconteceu a partir de 2016. Em 2015, a Petrobras estava no meio de um ambicioso plano de investimentos no pré-sal, com prazo médio de maturação de cinco a seis anos. A queda do preço do barril de petróleo, portanto, atingiu a Petrobras em meio a um enorme programa de investimentos, o que a tornou super-alavancada, talvez mais do que seria prudente, exacerbando o risco fiscal, já que o governo federal é o principal sócio da empresa;

• Outro componente de “bad luck” que ajuda a explicar a “década perdida” a partir de 2011 é local, mas também exógeno. Trata-se do fato de que, entre 2012 e 2021, o volume de chuvas no Brasil ficou 17% abaixo da média dos últimos 40 anos. Há vários impactos negativos decorrentes disso, já que a economia brasileira é altamente intensiva em água. Primeiro, a insuficiência de chuvas afeta o agronegócio brasileiro, cujo peso direto (sem efeitos indiretos ou induzidos) no PIB é de pouco mais de 20% (segundo estimativas do Cepea/Esalq);

• Em um exercício econométrico publicado no Blog do IBRE em novembro do ano passado, Borges estimou um contrafactual que apontou que o PIB brasileiro teria sido 22% maior em 2019, em termos de nível, se não fossem os principais fatores de “bad luck” acima relacionados, como choques globais (preços de commodities, ciclo econômico mundial e variáveis financeiras internacionais) e a carência de chuvas local. Dessa forma, a taxa de variação anual média do PIB entre 2012 e 2019 teria sido 2,5 pontos porcentuais (pp) superior, subindo do 0,4% a.a. médio efetivamente registrado para mais próximo de 2,9% a.a;

Ver a íntegra da Carta do IBRE.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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