Edição de julho de 2024

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Os cálculos mostram que a alíquota do Imposto sobre Valor Agregado (IVA), que será criado com a reforma tributária, cuja regulamentação foi aprovada na Câmara e encaminhada ao Senado, será uma das mais elevadas do mundo, chegando a 26,5%. O que não tira a importância da reforma, dada a enorme confusão que é o atual sistema tributário brasileiro. A Carta do IBRE dessa edição, mostra que uma aplicação bem calibrada de um outro imposto que será criado com a reforma, o Imposto Seletivo (IS), pode dar um alívio na alíquota do IVA.

Levantamento feito por Bráulio Borges, pesquisador do Centro de Política Fiscal e Orçamento Público do FGV IBRE, sinaliza que se além das cobranças propostas pelo governo com a reforma o IS for ampliado para outros produtos, como incidir em 20% para os alimentos processados e ultraprocessados, e em 10% sobre combustíveis, a alíquota esperada de 26,5% poderia baixar para 25,1%. Quanto mais se aumentar a taxação do IS, maior seria a queda do IVA. Bráulio cita, por exemplo: se mantidas as condições acima para os alimentos, mas a parcela sobre os combustíveis tiver uma taxação maior, de 20% ou 30%, o IVA poderia cair para 24,4% e 23,6%, respectivamente.

Os economistas José Roberto Afonso, Vilma da Conceição Pinto e Vivian Vicente de Almeida fazem uma avaliação sobre os efeitos de uma maior tributação no setor de petróleo e gás, defendida por Bráulio. Para os autores, “o Projeto de Lei Complementar (PLP) 68, de 2024, propôs a introdução no IS no setor de petróleo e gás natural com uma alíquota máxima de 1%. De acordo com o PLP, o IS incidirá sobre a primeira comercialização, arrematação em hasta pública, transferência não onerosa, incorporação ao ativo imobilizado, exportação ou consumo pelo produtor-extrativista. Vale mencionar que o IS também incidirá sobre as exportações, de modo que a ampliação da carga tributária pode impactar a competitividade do setor, elevando os custos operacionais e diminuindo as margens de lucro. Além disso, os consumidores finais podem enfrentar aumentos nos preços dos combustíveis e derivados, impactando diretamente a economia doméstica”.

Afonso, Pinto e Almeida acreditam que “os eventuais riscos que a aplicação do IS pode trazer para consumos essenciais enseja uma discussão mais acurada do assunto. A aplicação do IS deve ser feita de forma a equilibrar a necessidade de arrecadação com a promoção de práticas sustentáveis. Não se nega que o setor de petróleo e gás, apesar de essencial para a economia mundial, também é um dos maiores contribuintes para as emissões de gases de efeito estufa. Portanto, é crucial que a política tributária seja alinhada com objetivos ambientais, incentivando a redução de emissões e a adoção de tecnologias mais limpas. E aqui reside o desafio do diagnóstico, da criação e aplicação de um tributo que convirja os anseios de uma matriz energética mais limpa, sem prejuízo para a população”.

A questão da produtividade continua sendo um enorme gargalo para o crescimento do país, como tem mostrado o Observatório de Produtividade Regis Bonelli do FGV IBRE. Maurício Canêdo Pinheiro aponta quais são os obstáculos à inovação no Brasil, tema umbilicalmente ligado à melhoria da produtividade.

“Produtividade não é tudo, mas no longo prazo é quase tudo”, disse o economista Paul Krugman, resumindo a importância dos ganhos de produtividade para o aumento do padrão de vida das sociedades modernas. No caso do Brasil, essa afirmação ganha importância especial, na medida em que o desempenho da produtividade nas últimas décadas, notadamente na indústria, tem sido sofrível. A esse respeito há amplas evidências de que a inovação no âmbito das empresas é um dos principais canais pelo qual os ganhos de produtividade se manifestam.

Pinheiro ressalta que “o fato de a inovação ter impacto positivo importante sobre a produtividade das empresas não justifica, por si só, a existência de políticas públicas de fomento a atividades inovativas realizadas no âmbito privado. Para tanto, há que existir barreiras que impeçam que investimentos nessas atividades se materializem, mesmo com retorno privado positivo, ou cunhas entre o retorno privado e o retorno social associados à inovação. São as chamadas falhas de mercado. E, no que diz respeito à inovação, pelo menos duas delas estão bem documentadas pela literatura.

A primeira diz respeito às falhas no mercado de crédito. Por conta de assimetrias de informação, muitos bons projetos não conseguem financiamento, principalmente quando as empresas não são capazes de oferecer garantias suficientes aos seus potenciais credores.

A segunda tem relação com as externalidades positivas associadas à inovação. Mesmo na ausência de falhas no mercado de crédito, em muitas circunstâncias não é possível que as empresas se apropriem completamente dos ganhos obtidos com investimentos em atividades inovativas”.

Um dos assuntos que mais tem gerado dificuldades de entendimento para boa parte dos economistas é o que está ocorrendo no mercado de trabalho. Nessa trilha, Nelson Marconi procura desvendar a evolução do emprego no Brasil, lançando uma série de questionamentos, ao enfatizar que “a economia brasileira está vivenciando um crescimento do emprego que inclui o avanço do número de ocupados com carteira assinada. É certamente uma boa notícia, e o emprego tem acompanhado o crescimento da renda, o que também é saudável. Mas qual é a qualidade dos postos de trabalho que vêm sendo gerados? Os avanços estão ocorrendo em setores que pagam bons salários e os regimes de trabalho apontam para vínculos mais estáveis e com maior proteção social?”

Novo articulista da revista, Neuri Freitas, presidente da Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe) e da Companhia de Água e Esgoto do Estado do Ceará (Cagece), analisa o que aconteceu nesses 4 anos da implantação do marco legal do saneamento básico, cuja legislação guindou o saneamento ao debate público sobre sua importância para o desenvolvimento do país, tanto econômico, como social e ambiental. No entanto, alerta que, apesar dos avanços, o modelo implantado pelo novo conjunto legal ainda impõe consideráveis desafios, e é pouco estruturado para que o setor evolua com a velocidade e a eficiência necessárias a fim de assegurar a esperada universalização dos serviços.

O principal gargalo é a disponibilidade de recursos financeiros para a universalização. Segundo Freitas, “considerando a baixa anuência da população aos sistemas de água e esgoto em curso e o grande aumento dos custos sobre o setor após a pandemia da Covid-19, as tarifas executadas pela maioria das companhias de saneamento são insuficientes para cumprir as metas estabelecidas no chamado novo marco legal do saneamento básico. As principais fontes de financiamento para ampliação e melhoria dos sistemas advêm de recursos onerosos, captados em bancos oficiais controlados pela União que, malgrado as condições satisfatórias de taxas de juros e prazo de pagamento, ainda amargam uma morosidade de burocracia que compromete a celeridade dos andamentos processuais. Todo o trâmite para captação de recursos onerosos junto a essas instituições financeiras leva – numa ótica otimista – o prazo mínimo de um ano para conclusão. Até mesmo a iniciativa privada, que recebeu estímulo, uma vez editada a nova legislação, ora sob comento, para participar do setor, também se depara com as mesmas dificuldades para acessar recursos financiados, haja vista a burocracia do setor público”.

Ainda em um dos braços do saneamento, o da drenagem urbana – o único que não tem endereço certo de quem o opera –, Luiz Firmino Pereira, Marcelo Miguez e Paulo Canedo pegam como exemplo as falhas nos sistemas da Baixada Fluminense (RJ), ocorridas em meados de janeiro, e no sistema de proteção de Porto Alegre (RS), ocorridas em meados de maio, acenderem a luz amarela de que algo não vai bem na condução da operação da drenagem urbana de nossas cidades e deixa exposto um enorme contingente de pessoas.

Para os autores “há um descompasso na interpretação de diferentes fenômenos associados a inundações e ao papel da drenagem urbana que precisam de esclarecimento para auxiliar no entendimento do problema. A drenagem urbana atua, como o próprio nome indica, na escala de um sistema de infraestrutura da cidade e, muitas vezes, contém rios de menor porte, cujas bacias têm áreas de drenagem similares ao porte da própria cidade. Nesses casos, é possível tratar inundações fluviais no contexto do problema de inundações urbanas, e o sistema de drenagem urbana incorpora os próprios rios como parte do sistema ativo de drenagem. Entretanto, algumas vezes, rios de grande porte têm extensas áreas de drenagem, que contêm em seu interior várias cidades ao longo do caminho, cujas áreas são pouco representativas frente à presença de áreas naturais e rurais. Nesses casos, a grande inércia das inundações fluviais não pode ser significativamente modificada por ações locais nas cidades, e resta a estas a proteção local contra os extravasamentos dos grandes rios.

Esse grande alerta gerado pelos eventos recentes, de todo modo, pode nos conduzir a diversas facetas de um problema que clama por urgentes mecanismos operacionais que permitam uma vida urbana mais adaptada às chuvas fortes, principalmente nesses tempos de chuvas torrenciais mais frequentes. A compreensão adequada do funcionamento dos diversos sistemas, de forma integrada, pode garantir um aumento da segurança contra inundações. Não restam muitas dúvidas que um dos grandes vilões dessas recorrentes enchentes está no indevido uso do solo, sistematicamente realizado sob um estresse bem maior do que previsto nos planos diretores das cidades”.

Marcelo Miterhoff, economista do BNDES, mergulha em um assunto espinhoso, que é do mobilidade urbana e seus principais desafios. Para ele, os serviços de transporte coletivo, em especial o ônibus, enfrentam um momento curioso, onde há perdas de passageiros e a preocupação global com a descarbonização que faz com que o uso de energia limpa seja cada vez mais um fator que deve ser considerado.

Miterhoff defende que “o transporte público é um clássico exemplo de atividade intensiva em externalidades, isto é, em benefícios econômicos que não são passíveis de serem internalizados nas receitas de uma empresa ou de um projeto. A melhoria de seus serviços não somente favorece quem usa ônibus, metrôs ou trens, mas também melhora a fluidez do tráfego para quem se desloca por meio de carros. Isso sugere que o financiamento deve ocorrer não apenas por meio de tarifas cobradas dos usuários como também por tributos, em especial os incidentes no uso do transporte individual. Na prática, sem subsídios, é difícil otimizar os sistemas de transporte, pois andar de motocicleta, por exemplo, tende a sair mais barato do que pegar metrô ou ônibus”.

O que leva a uma competição desigual. “Há um descomunal subsídio ao transporte individual nas malhas viárias, pontes, túneis e viadutos das cidades e das estradas. Afinal, o tráfego de automóveis é o principal determinante da necessidade de capacidade dessas infraestruturas, que tipicamente são financiadas com orçamento público. No Brasil, a operação do transporte coletivo é quase sempre financiada pelos passageiros exclusivamente. A falta de subsídios traz ineficiência, favorecendo o transporte individual. A perda de passageiros reduz suas receitas e dificulta seus investimentos, reforçando os problemas da mobilidade urbana como um todo”, afirma Miterhoff em seu artigo deste mês.

 

Claudio Conceição

 


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Carta do IBRE – Imposto Seletivo deve ter papel mais importante na regulação da reforma tributária

A alíquota do Imposto sobre Valor Agregado (IVA), que será criado com a reforma tributária, que ainda depende de regulamentação, será uma das mais elevadas do mundo, chegando a 26,5%. O que não tira a importância da reforma, dada a enorme confusão que é o atual sistema tributário brasileiro. A Carta do IBRE desta edição, mostra que uma aplicação bem calibrada de um outro imposto que será criado com a reforma, o Imposto Seletivo (IS), pode dar um alívio na alíquota do IVA.

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Artigos

Imposto Seletivo: um balanço para o setor de petróleo e gás natural
José Roberto Afonso, Vilma da Conceição Pinto e Vivian Vicente de Almeida

Quais são os obstáculos à inovação no Brasil? 
Mauricio Canêdo Pinheiro

Desvendando a evolução do emprego
Nelson Marconi

Aspectos cotidianos do saneamento básico no Brasil após o marco regulatório 
Neuri Freitas

A drenagem urbana precisa de um endereço
Luiz Firmino Pereira, Marcelo Miguez e Paulo Canedo

Subsidiar para aumentar a eficiência
Marcelo Miterhof

 


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