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Entrevistas 21 nov 2024
“Uma meta de inflação muito baixa também desestrutura o fiscal”, afirma Nelson Marconi, da FGV Eaesp
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Postado por Conjuntura Econômica
Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro
Nesta conversa para o Blog, Nelson Marconi, professor da FGV Eaesp, comenta seu artigo publicado na Conjuntura Econômica de novembro (íntegra aqui), em que faz contraponto à escolha da atual meta de inflação de 3% - que vale também para 2025, quando passa a ser contínua -, afirmando que esta é incompatível com a atual estrutura de preços da economia brasileira.
Em seu artigo da Conjuntura Econômica, você defende que política fiscal e monetária têm que andar juntas, na mesma direção. Mas enquanto hoje o mercado concentra a atenção nos desvios do lado fiscal, esperando o anúncio de medidas para reequilibrar as contas públicas visando à sustentabilidade da dívida, em seu texto você defende a necessidade de um ajuste também do lado monetário, com uma revisão da meta de inflação, para 4%. Por quê?
Hoje todos olham para o fiscal porque realmente o país tem que buscar um equilíbrio das contas públicas, e o resultado primário é parte disso, para que se tenha estabilidade de preços. Mas temos outras questões em relação à inflação. Entendo como pouco factível a gente alcançar uma meta de 3% ao ano. Quando observamos a evolução da inflação de serviços ao longo do tempo, percebemos quão difícil é alcançar esse nível. Os poucos períodos em que chegamos a isso ou foram períodos de excessiva apreciação cambial que causaram uma desestruturação da indústria, entre outros problemas conhecidos, ou com uma taxa de desemprego muito elevada. Acho que é claro que nem o governo, nem a sociedade, querem uma taxa de desemprego na casa dos 12% ou 13%, observada quando a inflação de serviços estava muito baixa, como no início da pandemia de Covid-19. O problema, como disse, são os custos dessa estratégia.
Em sua avaliação, o que é preciso para o Brasil perseguir a meta de 3% ao ano sem esse alto custo?
Seria preciso ter uma redução de mecanismos de indexação ainda existentes, aumentar a produtividade, além de garantir a estabilidade na relação dívida/PIB. No caso da indexação, temos exemplos hoje como o dos alugueis, que são um preço importante na economia, entre outros contratos, tarifas públicas, mas também dos salários, de certa forma em função de nosso histórico inflacionário, que levou a uma correção pela inflação passada. É difícil romper esse mecanismo em busca de uma forma mais flexível.
Quanto à produtividade, que o IBRE tem calculado há anos (confira no Observatório da Produtividade Regis Bonelli), se houvesse um crescimento mais vigoroso, teríamos a redução do custo unitário do trabalho, abrindo espaço para uma inflação menor. Mas hoje temos uma taxa de juros alta, e com isso não conseguimos garantir uma retomada consistente de investimentos privados, em volume necessário para estimular a produtividade.
No seu artigo, você também cita a importância do investimento em infraestrutura. Quais desafios identifica para acelerar essa frente?
Na infraestrutura, temos uma restrição do lado fiscal que é a regra que considera o investimento público dentro do arcabouço. Acho que o arcabouço devia visar ao equilíbrio das despesas correntes, e o investimento deveria ter um limite separado. Mas não é só com investimento público que se resolve isso. É preciso estimular o aumento de concessões, parcerias público-privadas, enfatizar essas formas de contratação para impulsionar esse investimento, fundamentalmente na área de energia.
Outra coisa que menciono no artigo, e que talvez seja até mais simples, é o investimento em uma retomada dos estoques reguladores de alimentos. Isso também ajudaria muito o país a ter um controle maior da oferta e evitar oscilações muito grandes. O mesmo se poderia pensar para a política de preços de combustíveis, se tivéssemos uma maior produção interna do produto refinado, nos permitindo um vínculo menor com os preços internacionais. Veja, são políticas focadas no lado da oferta, mas não significa que a demanda não seja importante. Já pelo lado do investimento privado, ele teria que vir junto com o investimento público nessas áreas de energia, de desenvolvimento de novas tecnologias, da bioengenharia, da engenharia alimentar, que nos permitissem desenvolver novos produtos ou técnicas de produção que barateassem os alimentos. Isso sem falar que o investimento privado em geral tende a colaborar com a produtividade como um todo, com aumento da eficiência.
Sobre a importância do resultado primário, quais mudanças estruturais gostaria de ver aprovadas?
Entendo que precisaríamos ter uma redução substancial dos gastos tributários. Estudo recente, de coautoria de Manoel Pires, demonstrou o aumento dessas renúncias no Brasil (leia mais aqui). É preciso avaliar melhor cada política pública que envolve gasto tributário, se tem meta clara, se está sendo cumprida, qual o retorno de fato está trazendo para a sociedade. Isso já poderia nos garantir ao menos 1 ponto do PIB de ajuste. Também seria preciso um complemento de reforma tributária, com a taxação sobre lucros e dividendos, sobre estoque de riqueza, ou seja, uma taxação sobre renda e patrimônio dos mais ricos. O governo também poderia sempre olhar para sua despesa corrente e ser mais eficiente. A discussão que hoje está sendo feita em torno dos gastos sociais é importante do ponto de vista de eficiência, no sentido de checar vazamentos, identificar e corrigir quem tá recebendo algum benefício e não devia, quem deveria receber e não está, quais incentivos se cria com determinada política. Isso tem que ser feito sempre. Mas não podemos entender política social como vilão do nosso resultado fiscal.
Tem ainda uma discussão grande sobre qual o indexador dessas despesas, que do ponto de vista econômico a gente consegue equacionar, mas do ponto de vista político não é muito fácil. O fato é que indexar todos os benefícios sociais ao salário mínimo complica a situação do governo, principalmente quando se tem um limite de crescimento de despesas dado pela regra fiscal. Ele terá que ir sacrificando outros gastos para acomodar o aumento promovido com a atual regra de reajuste do salário mínimo. Do ponto de vista técnico, o ideal seria que o governo buscasse um reajuste real que não fosse necessariamente igual ao crescimento do PIB - mesmo porque quando o PIB cai não há queda nos benefícios. A regra deveria contemplar alguma situação intermediária, prevendo um teto para essa evolução. Melhor pensar nesse ajuste do que discutir o piso constitucional de educação e saúde.
Outro ponto estrutural que considero importante é a questão da Previdência. Precisamos fazer uma nova reforma, mudar a forma de financiamento de pelo menos uma parte do valor da aposentadoria, colocando um teto pelo atual sistema de repartição e o demais ser financiado pelo regime de capitalização. Quando olhamos o comportamento do mercado de trabalho, onde há um aumento de pejotização, isso significa que muitas pessoas deixam de contribuir ou contribuem muito pouco para financiar sua aposentadoria. Isso vai gerar um problema importante adiante de arrecadação. Pessoas sem contribuição, mas que garantiram algum patrimônio, podem conseguir se manter. Outras, entretanto, que estão em empregos precários, não terão essa mesma condição. O que será feito? O governo terá que promover um BPC gigante? Temos que discutir isso.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.