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Entrevistas 16 mai 2025
“Se Milei não for bem nas eleições de outubro, será difícil os fantasmas do passado não voltarem para assombrar investidores”, diz Fabio Giambiagi
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Postado por Conjuntura Econômica
Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro
Fabio Giambiagi, pesquisador associado do FGV IBRE, é o entrevistado do mês da Conjuntura Econômica de maio (acesso aqui). Selecionamos aqui a parte da conversa em que Giambiagi analisa o governo de Javier Milei, a partir de uma rica contextualização publicada em um Texto de Discussão de sua coautoria, publicado em abril (link), além de comentar um de seus livros mais recentes A Vingança de Tocqueville: a importância do bom debate (Alta Cult, 2024).
Depois de fechar o primeiro ano com conquistas não desprezíveis, tal como mostra Texto para Discussão de sua coautoria, quais os principais riscos que o presidente enfrenta em 2025?
Os dois principais riscos que o plano de Javier Milei corre em 2025 são um externo e um interno. O externo é, obviamente, um eventual agravamento da situação da economia internacional, por conta do efeito das medidas adotadas pelo presidente Donald Trump. Se o efeito for o estimado no recente World Economic Outlook do Fundo Monetário Internacional (FMI), de rebaixar o crescimento global em 0,5 %, eu diria que isso já está precificado e computado no tamanho do acordo da Argentina com o Fundo. Mas se estivermos falando de um contexto mundial mais parecido com 2009, evidentemente as consequências sobre o setor externo argentino seriam muito maiores. O segundo risco é interno, e tem a ver com o resultado das eleições. O sucesso do plano depende de que a desconfiança natural dos investidores em relação à Argentina tenha ficado definitivamente para trás. Além disso, se Milei não for muito bem nas eleições de outubro (legislativas, em que se definirão 127 das 257 vagas da Câmara e 24 das 72 no Senado), será difícil os fantasmas do passado não voltarem para assombrar o espírito dos investidores.
Considera o acordo com o FMI, para um empréstimo de US$ 20 bilhões, um passo vitorioso no caminho de Milei?
O acordo com o FMI foi um “gol de placa” do governo, porque foi associado a uma injeção de recursos cuja dimensão não estava nas especulações prévias. A questão é que, no longo prazo, isso aumenta o problema. Explico. Em 2018, com Mauricio Macri, a Argentina devia rios de dinheiro aos investidores e, quando estes fugiram, para o país não quebrar, foi necessário um socorro de US$ 45 bilhões do FMI. Ora, esse valor é uma enormidade. Idealmente, é preciso refazer o caminho de 2018 no sentido oposto, e o país substituir os créditos do FMI por créditos de investidores internacionais dispostos a bancar o risco de investir na Argentina. O que o acordo faz, entretanto, é colocar mais bilhões de dólares do FMI “enterrados” no país. Se der certo, Kristalina Georgieva (diretora-gerente do FMI) ganhará um monumento dos argentinos. Se der errado, daqui a alguns anos os alemães e japoneses do FMI perguntarão aos americanos como eles foram tão irresponsáveis por ter aumentado o exposure ao devedor mais complicado de toda a história do FMI. O Fundo assumiu um risco enorme, obviamente por razões políticas, dada a proximidade dos governos dos EUA e da Argentina. Se vai dar certo ou não? Respondo daqui a três anos (risos).
Apesar da queda da inflação, que chegou a 289,4% ao ano em abril do ano passado e fechou em 55,9% ao ano em março, bem como da taxa básica de juros, o nível de pobreza ainda é alto (38% no segundo semestre de 2024), e os salários não recompuseram a perda real. O que poderia esgarçar a tolerância da sociedade nesse caminho de ajuste?
Milei é uma dessas figuras que surge de vez em quando na política de alguns países que consegue uma sintonia especial com uma fração muito relevante do eleitorado. Na história do pós-guerra no Brasil, cada um com seu estilo, só cinco pessoas conseguiram isso: Getulio Vargas, Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros, Lula e Jair Bolsonaro. Outros presidentes foram ruins, bons ou muito bons, mas não tinham isso. Na Argentina, no mesmo período, só três tiveram isso: (Juan Domingo) Perón, (Raúl) Alfonsín – por um breve período –, e agora Milei. Esse, por assim dizer, “encanto”, depende, curiosamente, de um equívoco, que é a ideia de que o presidente, para dar certo, deve ir contra tudo o que estava antes, incluindo toda a classe política. Ocorre que isso é a negação da governabilidade numa situação de divisão partidária, ou seja, a única forma de ele ter sucesso com muita fragmentação é negociar – que é aquilo a que ele se nega diante da opinião pública. Disso resultarão, então, três desfechos possíveis: i) a sociedade se convence de que a negociação é inerente a um país normal e passa a aceitar que o presidente negocie; ii) a sociedade liquida os outros atores e nas próximas eleições dá uma vitória consagradora ao governo, caso em que o sistema de checks and balances da democracia estará em xeque e teremos uma espécie de “putinização” da Argentina; ou iii) a fragmentação continuará e, sem negociar, em algum momento Milei vai fracassar. Nos próximos dois ou três anos veremos em que direção o país caminha.
Um sucesso de Milei no controle do câmbio e da inflação poderia significar um "tiro de misericórdia" no peronismo? Por quê?
Veja, eu nasci em 1962. Lembro-me como se fosse hoje o dia em que Perón morreu, em 1974. Eu tinha 12 anos, o país estava em transição para o que seria uma explosão hiperinflacionária, a nova presidente (Isabelita) era uma pessoa diante de quem, comparativamente, para o leitor ter uma ideia, nossa querida Dilma Rousseff seria candidata ao Prêmio Nobel da habilidade política, e o país estava dominado pela violência alucinada e assassina dos Montoneros (grupos armados de esquerda), e do que depois viria a ser a “Triple A” (Aliança Anticomunista Argentina, que atuava como um esquadrão da morte). Dois anos depois, quando veio o golpe de 1976, os sindicatos convocaram uma passeata de protesto, e não foram sequer mil pessoas. Nesse contexto, a aposta mais fácil de fazer era que o peronismo, sem Perón, desapareceria. Mas, em 1989, ele voltou ao poder. (Carlos) Menem foi o pai da conversibilidade e o primeiro que agiu para sabotá-la com seus planos de se eleger três vezes, que destruíram as bases fiscais em que ela se assentava. Aquela bomba que ele armou estourou no colo de (Fernando) De la Rúa. Em 2001, o país estava na rua berrando “que se vayan todos”, e dois anos depois Nestor Kirchner era eleito. E em 2015, com o país convertido numa Coreia do Norte isolada do mundo financeiro, Macri parecia vaticinar uma nova era, mas quatro anos depois Alberto Fernández assumia com o discurso de “Volvimos”. De modo que, com minhas raízes argentinas e pertencendo à terceira geração de antiperonistas da família, se há uma coisa na qual não aposto mais na minha vida é no fim do peronismo. Dito isso, é verdade que o peronismo está muito mal, mas se lembre da frase do Perón: “Os peronistas são como os gatos: quem vê pensa que estamos brigando, mas estamos nos reproduzindo”. Ao se aproximar as eleições, o peronismo sempre se une e, unido, tende a ser uma força sempre muito poderosa.
Na análise dos acertos e erros das políticas econômicas brasileiras desde a era Vargas, que é mote de um de seus livros mais recentes A Vingança de Tocqueville: a importância do bom debate, o senhor destaca o pensamento desse escritor francês (1805-1859) sobre a importância de disciplina e investimento prolongado. Cita, por exemplo, sua ideia de que governos precisam dar à sociedade o gosto do futuro, e ressaltar a importância do trabalho para construi-lo. De onde acha que o Brasil pode tirar esse impulso, levando em conta o espírito dos tempos atuais?
Estou acompanhando muito de perto, como sabe, o que está acontecendo na Argentina. Confesso que com sentimentos ambíguos. Por um lado, como líder político Milei me inspira uma profunda aversão. A forma dele de se relacionar com o diferente é exatamente o oposto do que eu espero num líder político, que é a capacidade de aglutinar diferentes em prol de objetivos comuns. É o que FHC fez, o que Temer fez, ambos com grande sucesso no Congresso, em que pesem as dificuldades legislativas. E, como ser humano, ele é um sujeito simplesmente repulsivo, mal educado, grosseiro, profundamente autoritário. Eu, que à medida que vou envelhecendo aprecio cada vez mais o provérbio inglês “It’s nice to be nice”, fico cada vez mais incomodado quando vejo essas manifestações emanadas do posto mais importante de um país. Por outro lado, como defensor há anos da austeridade fiscal, é evidente que, quando vejo os números do que ele fez por lá, fico muito impressionado. Acredito que se o governo dele tiver sucesso ou mesmo sucesso parcial, o Brasil ficará muito mal na foto. As pessoas vão se perguntar: “Como é que esse cara meio doido com 15 % dos votos no Congresso fez um ajuste fiscal de 4,5 % do PIB em um ano com o PIB em queda e o Brasil, com um presidente que gerencia um condomínio parlamentar de mais de 350 votos, vem com essa conversa de que não consegue que o gasto cresça menos que 2,5 % ao ano?” Há algo errado nisso, não? Você sabe que eu gosto de frases. Vamos fechar então com uma sentença de Thomas Jefferson (terceiro presidente dos EUA): “Temo por meu país quando penso que Deus é justo”.
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