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Entrevistas 14 mar 2025
“Se houvesse outra pandemia, imagino que estaríamos em um ponto parecido ao de 5 anos atrás”, afirma Paulo Almeida, do IQC
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Postado por Conjuntura Econômica
Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro
Paulo Almeida, diretor executivo do Instituto Questão de Ciência, conversou com a Conjuntura Econômica para sobre os 5 anos da pandemia de Covid-19, tema de capa da edição de março. Ele avalia as lições da pandemia para o setor de saúde brasileiro no campo dos imunizantes, e políticas bem-sucedidas para conscientizar a população sobre a importância da vacinação.
No início da pandemia, identificou-se um aumento da desigualdade que se estendeu à saúde, na disputa por imunizantes. Qual balanço faz hoje desse momento, em especial para o Brasil?
A percepção que existe é que houve um senso de urgência e muita movimentação enquanto a pandemia estava ocorrendo. Apesar de que, naquele momento, o Brasil estava sob um governo que inicialmente demorou para tomar ações e tinha resistência quanto à comunicação pública sobre a urgência do tema e as medidas que deveriam ser tomadas, aconteceram alguns movimentos que deixaram resultados de longo prazo. Principalmente no âmbito do governo federal, houve algumas mudanças que valorizaram a estrutura de saúde, principalmente na área ligada à imunização. Um exemplo foi o Programa Nacional de Imunização (PIN), que se tornou um órgão de status hierárquico mais alto dentro do Ministério da Saúde, com maior capacidade de autonomia de execução de orçamento. Isso foi um legado muito positivo.
Ao mesmo tempo, surgiram muitas oportunidades que a gente acha que o Brasil deixou passar. Por exemplo, apesar de o país ter organizações com capacidade tanto técnica quanto científica de produção de imunizantes para atendimento, por exemplo, de América Latina, estas precisaram recorrer a agentes externos que encaminhavam IFA (princípio ativo das vacinas) para envasar e distribuir aqui. Poderíamos ter aproveitado essa oportunidade, inclusive o influxo de recursos no momento em que governos nacionais e internacionais e agências de fomento estavam interessadas em criar esse tipo de estrutura que deixasse um legado, um impacto de longo prazo, mas isso não aconteceu. O que acontecia naquele momento, e continua acontecendo agora, é que estamos perdendo capacidade de inovação em imunização humana no país. Tanto poderíamos fazê-lo que, no campo da imunização animal, por exemplo, acontece o contrário, estamos melhorando bastante.
Por exemplo, tanto a Fapesp quanto o CNPQ injetaram um dinheiro grande para tentativas de desenvolvimento de vacinas pulverizada no Brasil e não conseguiu até hoje – e já não faria muito mais sentido, na verdade –, criar um imunizante local. Então, para uma próxima pandemia, estaríamos no mesmo ponto em que estávamos em relação à pandemia de Covid-19 quanto à produção de IFA, mas também em capacidade instalada de vacinação, distribuição, e isso é um problema.
O segundo ponto a se destacar é que, apesar da maior relevância que foi dada ao PNI, não estamos em boa situação, falando especificamente sobre a vacina de Covid-19. Não se sabe exatamente qual que é o motivo, se foi falta de disponibilidade, se foi compra em momento inadequado, mas foi algo que foi sendo deixado um pouco de lado, apesar da termos um efeito rebote em relação a todas as vacinações, como a tríplice viral. Mas é um efeito que aconteceu no mundo inteiro. Durante o lockdown, houve uma queda grande de modo geral de imunizações do espectro todo.
Precisamos de campanhas maciças de comunicação que sejam organizadas, metrificadas para conseguirmos entender seu impacto, e segmentar por região. Cada tipo de queda de cobertura vacinal ou falta de melhora de índice de cobertura vacinal tem a ver com a particularidade regional, como é o exemplo que costumamos dar, do HPV no Acre, por conta do surto psicogênico que aconteceu. Então, faltam estratégias localizadas e acompanháveis, pra gente ter certeza que o que estamos fazendo de intervenção está gerando resultado. É algo que aconteceu no mundo inteiro com muita força e o Brasil não aproveitou a oportunidade de subir no bonde, de testar técnicas comportamentais.
No Brasil, o Ministério da Inovação criou um grupo de insight comportamental, mais voltados para iniciativas no campo da agricultura e principalmente da Receita Federal, mas tem um caminhão enorme aberto para a gente conseguir resolver, a partir de boa ciência, gastando pouco dinheiro, problemas muito sérios que vão impactar o orçamento lá na frente de qualquer modo, que são as questões de saúde pública.
O recente acordo para a produção de uma vacina contra dengue 100% nacional não seria um avanço brasileiro nesse campo da imunização?
Hoje essa vacina é produzida pela farmacêutica japonesa Takeda, ainda está em desenvolvimento pelo Instituto Butantan, e ainda tem uma rota de aprovação, como pela Anvisa. Por enquanto, trata-se de uma promessa. Infelizmente, na área de saúde, o que vem acontecendo muito ao longo do tempo é isso: andamos celebrando planos e promessas. A vacina disponível hoje não atende toda a população. Na verdade, temos um problema duplo: há pouca oferta, e a oferta disponível não está sendo esgotada. Parece algo contraditório, mas faz parte da mesma história: se a oferta ainda é pouca, a comunicação tampouco é massiva, para não gerar frustração. No estado atual, dadas as condições imediatas, esse problema deve ser atacado com capacitação de agentes locais de saúde, ações de comunicação organizadas, até que em dois, três anos, tenhamos uma distribuição de imunizantes que cubra um leque maior da população.
Considera que, depois da pandemia, melhorou a comunicação à sociedade sobre a importância da imunização?
Acho que ainda estamos devendo colocar ciência na comunicação à população. Hoje em dia, a área de comunicação pública de ciência é uma área super bem estudada, com muita gente muito séria, fazendo um bonito trabalho. O que normalmente vemos, entretanto, é uma comunicação mais de cunho político. Como já mencionei, muito se pode fazer a partir da compreensão do que que funciona e o que que não funciona, realizando testes que agências de marketing fazem o tempo todo, de lançar campanhas diferentes em lugares diferentes e ver de que forma é mais eficiente.
Acho que existe uma percepção de que é muito mais eficiente tentar comunicar diretamente com o cidadão do que só através da grande imprensa, de comunicados oficiais. É necessário que haja canais de comunicação diretos com a população, que é como boa parte consome conteúdo: em mídias sociais, por comunicação via WhatsApp. Mas fazer isso de maneira profissional e tanto quanto possível de maneira desapaixonada em relação ao viés político. Ou seja, com ações passíveis de se metrificar e auditar, para saber o que deu certo ou não.
Hoje em dia, infelizmente, a gente tem que meio que adivinhar e eventualmente fazer a estratégia bomba nuclear, que foi o caso do sarampo. No final de 2024, o Brasil ganhou de volta a certificação de país livre do sarampo, às custas de um alto investimento em iniciativas locais, sem saber muito bem o que funcionava ou não. Tendemos a ser reativos, não preventivos, em relação ao acompanhamento fino de problemas sobre imunização, mas eu extrapolaria isso para outros setores da saúde também.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.