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Entrevistas 04 dez 2024
“O risco de uma escalada protecionista é que políticas industriais sejam usadas como estratégia defensiva”, afirma Mauricio Canedo
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Postado por Conjuntura Econômica
Maurício Canêdo Pinheiro, professor adjunto na FCE/Uerj. Doutor em economia pela FGV EPGE
Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro
Em seu artigo, você cita os pesquisadores vencedores do Nobel de Ciências Econômicas de 2024 – Daron Acemoglu, Simon Johnson e James A. Robinson – para tratar das determinantes do sucesso de políticas industriais (leia a íntegra do artigo aqui). Quais as relações entre ambos?
O sucesso das políticas industriais basicamente depende de um bom desenho. Normalmente, política industrial implica algum tipo de proteção, subsídio a algum setor ou grupo de empresas, sempre com alguma justificativa de falha de mercado ou externalidade, como problemas no mercado de crédito. A evidência empírica e o suporte teórico disponível apontam que essas políticas funcionam se têm metas claras, se são interrompidas caso essas metas não sejam atingidas, e se têm prazo para terminar. Caso contrário, elas viram um instrumento para determinados grupos de interesse extraírem renda do restante da sociedade.
Isso se relaciona com a pesquisa desses economistas, apontando que em países mais pobres as instituições tendem a ser mais fracas, menos capazes de defender a sociedade desses grupos de interesse. É quando a política industrial, em vez de ser um instrumento de desenvolvimento, se torna uma ferramenta para que determinados grupos bem organizados extraiam renda do resto da sociedade. No histórico do Brasil, há vários exemplos nesse sentido.
Como um contexto global mais protecionista pode afetar o sucesso de políticas industriais?
Aqui há uma questão estratégica: se o país “A” protege sua economia, o país “B” acaba reagindo e protegendo. O risco é que a gente tenha uma escalada protecionista, que já foi iniciada. Minha avaliação é que as políticas industriais correm o risco de cair nessa armadilha que mencionei: em vez de ser uma política pensada para corrigir determinadas falhas de mercado, para alavancar determinados setores com potencial de ser competitivos, estas se tornem apenas uma estratégia, nesse caso meio defensiva, em resposta ao protecionismo de outros países.
Por exemplo, se o presidente eleito dos Estados Unidos Donald Trump colocar em prática o plano protecionista anunciado, o que vai acontecer? Serão beneficiadas empresas e pessoas que trabalham nos setores que serão protegidos, mas o consumidor americano vai pagar o preço. É isso: protege-se por exemplo a indústria automobilística da competição chinesa, determinados empregos são preservados ou criados, só que toda a sociedade americana vai pagar mais caro. Nesse caso, não identifico uma lógica estratégica, não está claro qual é a falha de mercado.
Usei o exemplo mais recente, de Trump, mas isso está acontecendo em vários países. A reação dos agricultores franceses ao acordo Mercosul-União Europeia também é ilustrativa, pois segue a mesma linha. O risco, como disse, é de que uma escalada abra espaço a esse tipo de distorção.
O Brasil é reconhecido por seu diferencial comparativo na agenda climática global, e muitas políticas estão sendo desenvolvidas, em distintos ministérios, convergindo para a exploração desse diferencial. Quais principais virtudes, e riscos, identifica nesse contexto de transição energética?
O Brasil já é muito bem-posicionado em termos de limpeza da sua matriz energética. Nossa matriz é bastante limpa comparada com países similares, temos uma história de sucesso com o etanol, então já temos uma posição muito boa. As energias mais limpas normalmente são mais caras, então qualquer aprofundamento, é, na direção dessas energias mais limpas, necessariamente implica em tornar a energia, que é um recurso muito importante, mais cara. O problema é que que no Brasil a energia já é muito cara, então a questão é como isso será equacionado para não se tornar um problema de competitividade. Isso pode ser feito via subsídio, sob o risco de a emenda sair pior que o soneto. Outra forma maneira de endereçar essa questão é buscando ganhos de competitividade em outras frentes. Infelizmente, a gente não consegue avançar muito nessas outras agendas, e isso pode se tornar um risco.
Outro risco associado a essa agenda relacionada à matriz energética, e que também tem uma pegada de política industrial, é a tendência de se operarem regras de conteúdo local que também tendem a encarecer essa geração. Ou seja, ao incentivar certa fonte, determinar que toda a tecnologia seja desenvolvida no país, ou a construção de equipamentos. O custo capital aumenta. Então uma energia que já era mais cara fica mais cara ainda.
O resultado é perda de competitividade. Ainda não está claro como isso será resolvido, e hoje não há muito espaço fiscal para esse tipo de incentivo. Qualquer iniciativa que lance mão do Orçamento pode aprofundar nosso problema fiscal. É preciso atenção quanto a como isso será equacionado. Mais uma vez, temos que ter cuidado para não abrir uma nova frente para que grupos de interesse se apropriem da agenda e extraiam renda do restante da sociedade.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.