“O H2V é a ponta do iceberg para gerar industrialização no Brasil”, afirma Luis Viga, da Fortescue

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

Luis Viga, country manager da mineradora australiana Fortescue, conversou com a Conjuntura Econômica sobre os planos da companhia para produção de hidrogênio verde no Complexo Industrial e Portuário do Pecém, no Ceará. Entre os seis projetos com dimensionamento anunciado no Pecém, totalizando investimentos estimados em R$ 30 bilhões, o da Fortescue é o mais adiantado. Em julho, a companhia anunciou decisão antecipada de investimento, o que coloca o projeto em fase de viabilidade. Saiba mais:

Qual a dimensão do projeto da Fortescue em Pecém?

Ele tem duas fases. A primeira está relacionada com essa decisão antecipada, cuja decisão final de investimento deveremos tomar em 2025, para uma produção com potência de 1,2 GW, e previsão de início de produção em 2028. Nossa ideia é aproveitar a temporada de seca, nestes meses, para começar a preparação de terreno. Em se confirmando, teremos outra decisão, provavelmente entre 2027 e 2028, para o restante da planta, somando uma potência de 2,1 GW a 2,3 GW. Na verdade, com a capacidade de geração eólica e solar do Brasil, nossa visão é crescer muito mais do que isso a longo prazo.

Nesta fase de viabilidade, quais elementos serão levados em conta para a decisão que tomarão em 2025?

Diria que são cinco pilares. O primeiro é o da engenharia avançada. Projetos desse tamanho nunca foram feitos no mundo de hidrogênio verde. Então é preciso conhecer a tecnologia e encontrar as melhores soluções para se reduzir custos de forma geral. Sendo uma tecnologia nova, existe muita incerteza e ainda não existe escala, então é preciso pensar nesses elementos.

Outro pilar é o da energia. Neste ponto estamos bastante avançados, com alguns pré-contratos visando a melhor solução que equilibre custo com maior confiabilidade. O terceiro é a política de incentivos, pois mesmo com o Brasil apresentar os fundamentos para produzir o H2V entre os mais baratos do mundo, ele também precisa ser competitivo em relação a outras fontes. Entendemos que nenhuma indústria é viável ao longo prazo com subsídios ou incentivos, mas só quando tivermos os primeiros grandes projetos – da Fortescue, da Casa dos Ventos, da Voltalia, entre outros – é que conseguiremos gerar essa redução de custo, com ganho de escala, produtividade e escopo. Mas hoje precisamos de incentivos para reduzir o GAP entre a alternativa fóssil e a alternativa verde.

O incentivo que tramita no Senado é um pilar importante (aprovado nesta quarta-feira, 4/9, o PL 3027/24 prevê crédito fiscal de R$ 18,3 bilhões para comercialização do hidrogênio de baixa emissão e seus derivados produzidos no território nacional a serem concedidos entre 2028 e 2032). O mercado brasileiro é muito sensível a preço – diferentemente do que acontece na Europa, em que a demanda por redução da emissão de gases do estufa leva a uma maior disponibilidade a pagar um prêmio por essa energia. E o quarto pilar é o funding. Considero que o BNDES terá um papel muito importante, seja como catalisador do crédito de instituições multilaterais, seja como financiador.

No final do ano passado, divulgamos junto à Associação Brasileira do Hidrogênio Verde um estudo feito junto à LCA que mostra que, se o Brasil conquistar apenas 4% de market share no mercado mundial de hidrogênio verde, isso somará R$ 7 trilhões ao PIB até 2050, com produção de um superávit fiscal de R$ 693 bilhões. O H2V é a ponta do iceberg para gerar industrialização.

Qual diferencial identificaram em Pecém para fazer esse investimento?

Há um diferencial do Brasil, especialmente do Nordeste, que é a disponibilidade de energia renovável suficiente para replicar plantas de H2V nos próximos 10, 20, 30 anos. A rede de transmissão brasileira (SIN) também ajuda muito. No Ceará, identificamos a importância do trabalho conjunto do governo, universidades, junto à federação das indústrias (Fiec), em busca de uma estratégia de estado. Uma indústria como essa tem desafios, e para superá-los não adianta só boas intenções: requer muito trabalho.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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