Nos Estados Unidos e no Brasil, não haverá atalho para combater a inflação, afirma Silvia Matos

Por Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

No primeiro Boletim Macro FGV IBRE de 2025 (acesso aqui), você e Armando Castelar ressaltam que os ventos externos mudaram para pior.  Sob essa perspectiva, como avalia os primeiros atos do presidente dos Estados Unidos Donald Trump? 

Ainda é prematuro tirar conclusões. Dado que havia uma grande preocupação do mercado sobre as medidas tarifárias que Trump prometeu em campanha, que poderiam implicar um impacto muito rápido na inflação americana, pode-se dizer que a primeira rodada de medidas foi mais branda do que se imaginava. Pelo menos em relação à China, levando em conta o que foi aventado antes da posse (uma sobretaxa entre 60% e 100% sobre bens importados da China), ainda não veio uma notícia tão negativa. Isso fez com que o mercado se comportasse bem, houve uma valorização cambial, muito em função da redução desse estresse. Mas, como mencionei, ainda é muito cedo para dizer se esse cenário mais positivo vai durar. Vimos, por exemplo, Trump sinalizando o desejo de que os juros caiam, num aceno populista. Mesmo que ele tenha dificuldade de influenciar as decisões do banco central americano (FED), sempre há um risco de um aumento de pressão, tanto sobre o FED quanto no contexto da política econômica doméstica em geral. 

Nesse campo, inclusive, Trump repete o que vemos em outras economias, como a brasileira: o desejo por atalhos para chegar a uma inflação baixa, como se isso fosse possível. Na parte de commodities, os Estados Unidos até têm capacidade de conseguir bons resultados na área de energia, pois é um grande produtor de petróleo e tem capacidade de ampliar essa produção – ainda que freando o caminho da transição energética, para se beneficiar. Mas a inflação americana também é de demanda, de mercado de trabalho apertado e de inflação de serviços resiliente, e nesse combate não há como encurtar caminhos. Os EUA podem registrar choques transitórios e até positivos no campo da energia e dos alimentos, mas a inflação observada pelos formuladores de política monetária para decidir sobre cortes de juros é a dos núcleos. No núcleo de serviços, há um cenário desafiador, porque a economia americana tem crescido bastante. Até o FMI revisou suas projeções para cima (para o PIB do EUA em 2025, a projeção saiu de 2,2% em outubro para 2,7% em janeiro), devido a fatores como um mercado de trabalho apertado, o que pode se acentuar a depender da evolução das medidas migratórias. Portanto, ainda é prematuro dizer que haverá queda de juros. Mesmo que Trump persiga esse caminho, a expectativa é de aumento da inflação no curto prazo. Com isso, a tendência seria mais para aumento de juros do que corte. Mas, como mencionei, ainda é cedo para avaliar. 

Quais implicações observa para o Brasil? 

Em um mundo com mais incerteza, é natural que economias emergentes sofram mais. Pode acontecer de, no curto prazo, o cenário externo se tornar menos negativo, mas sabemos que, no caso do Brasil, o grande desafio é doméstico. Como já falamos há algum tempo, a política fiscal tem sido extremamente expansionista, e isso atrapalha a atuação da política monetária, gerando diversos problemas. Se a tendência para a inflação e os juros no mundo fosse de baixa, e o crescimento no Brasil fosse atenuado, até se poderia ganhar mais tempo em uma política de aumento de gastos. Mas esse espaço já não existe. Hoje as variáveis macro mostram que o crescimento dos gastos deveria ter sido muito menor do que temos visto, e a manutenção de uma direção expansionista tira credibilidade da política econômica.

Manter esse viés expansionista só seria possível com um aumento de receitas, e mesmo assim ainda é preciso considerar uma inflação alta e generalizada, como já esperávamos. Por quê? Comparemos com o que ocorreu em 2023. Naquele ano, o Brasil colheu um crescimento alto com uma composição melhor, porque tivemos choques favoráveis, e a composição da atividade combinou uma demanda interna alinhada com o PIB e demanda externa forte. Ou seja, não foi uma demanda interna com o consumo descolando totalmente dos fundamentos, como vimos em 2024, com quando essa demanda doméstica cresceu fortemente. É interessante notar que até meados do ano passado a situação dos preços, especialmente de serviços, se mostrou favorável mesmo com a aceleração da demanda e um mercado de trabalho apertado. Mas a economia ainda estava sob teste, se de fato poderíamos crescer a taxas mais elevadas sem inflação. Parece que foi preciso um tempo maior para a inflação de serviços se mostrar mais pressionada. Olhando os salários no setor de serviços, apesar de registrarem crescimento em termos reais, o ponto de partida era um patamar baixo, como se houvesse ainda uma gordura para queimar em termos de combinação produtividade versus pressão salarial. No final de 2024, entretanto, parece ter chegado o momento em que esse canal se esgotou. E, para o começo deste ano, mesmo que a economia mostre sinais de desaceleração, a inflação de serviços ainda não desacelerará junto. Ao contrário. Veja que em janeiro a inflação de serviços no IPCA 15 do IBGE já registrou alta de 0,96%. 

Em sua avaliação, qual a possibilidade de termos surpresas positivas em 2025, que levem a um quadro macroeconômico menos preocupante?

Eu seria totalmente otimista se observássemos o governo dando sinais de aceitar uma desaceleração da economia, sem novas medidas de estímulo, deixando o Banco Central fazer seu papel. Isso demandaria algum controle de gastos extra, mas há dúvidas sobre a disposição do governo federal de deixar isso acontecer, posto que há um calendário eleitoral a que levar em conta. Ainda que os cálculos sobre o PIB potencial brasileiro possam divergir – alguns falam de 2,5%, considero algo um pouco abaixo disso – de qualquer forma crescer a 3,5% significa um hiato superpositivo.  Não conseguiremos repetir 2023, quando houve uma combinação de inflação baixa e PIB alto.

O principal receio, como disse, é de não se deixar a economia desacelerar, repetindo o que aconteceu em governos anteriores do PT. Basta lembrar o período da Nova Matriz Econômica (como é chamado o grupo de medidas heterodoxas adotadas pelo governo de Dilma Rousseff a partir de 2011).  A economia desacelerava, então o governo passou a operar uma redução do preço da energia, de impostos... Naquele momento o contexto permitia, digamos assim, esconder a poeira embaixo do tapete, ganhar tempo, pois tínhamos superávit primário. Nesse sentido, hoje o quadro é diferente, pois não há margem fiscal para gastos. Também, diferentemente daquele período, o BNDES cede crédito a taxas de mercado, e a defasagem entre os preços de combustíveis praticados pela Petrobras e o internacional é muito menor. Mas é preciso cuidado, pois temos a tarefa de levar o resultado primário estrutural de volta ao terreno positivo.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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